quinta-feira, 11 de abril de 2013

mãos

Chamaste-me para perto sem acenos que se vislumbrassem ao longe e estendeste-me umas mãos com linhas desenhadas a dias. Os dias desenham-nos a alma e os traços do corpo que eu encontro também nos meus olhos quando me vejo ao espelho. Olho muitas vezes, sabes disso. Componho as expressões como quem desenha traços precisos que acabam a servir para que ninguém me leia a não ser que está cá dentro, e isto sem empenhos demasiados para guardar o corpo, por vezes cansado do lugar escondido. Porém quando me leste devo ter-te construído as frases ao rigor de um pormenor que fez com que a partir de determinado instante, acho que sei qual foi, me soubesses na ponta da língua. Não obstante pincelo os olhos e pincelo também as rugas dos lábios. Pincelo as maçãs do rosto e procuro delinear as sobrancelhas que emolduram os anos que já se vêem. Nós somos os anos visíveis, sabes disso. Melhor dizendo, é o nosso corpo que nos permite ver o tempo. Ainda hoje contei um quanto. Não me dei ao trabalho de quantificar em número absoluto, sei qual é, de qualquer forma. Percebi apenas ser abundante, principalmente se me rio. Deveria de ser ao contrário, uma mulher nunca deveria transparecer rugas quando sorri, nem que seja para ela própria. Revela um ar cansado que faz com que a espontaneidade possa aturdir-se, submergida em vaidades. Não me acontece, devo dizer-te, mas desconfio que desconfias. Estimo as expressões dos anos como quem estima o contorno da boca ou as curvas do corpo, e apetece-me sorrir-te ainda com mais força. É claro que a graça me abandona. É claro que o encanto esmorece nos traços que me emagrecem o vigor do corpo. Mas deixemos-nos disso, anda. O que eu gosto mesmo é do sossego das tuas mãos. 

4 comentários:

  1. Não tenho grande coisa a acrescentar, apenas um elogio, é que gostei mesmo muito deste texto.

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  2. Meninas vaidosas são assim, dão demasiada importância ao corpo sinuoso que possuem, esquecendo-se que este não passa de um pretexto, ou um bom cartão de visita para quem nele descansa a vista... :)

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    1. Uma pessoa num texto tão profundo, e vens tu dar um ar da tua graça...

      ( Não sei o que é isso da vaidade que falas. Como sabes...:))

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