quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O rato

Chamava-se Neliça, um nome nada usual, numa cara e num corpo do mais banal que pode haver. Talvez por isso, pelo excesso de normalidade sem jeito, tentava enfeitar-se em flores e vestidos de roda, mas os pobres, por graça que tivessem, de imediato a perdiam, que aquele corpo envergonhado parecia come-los para si, ao invés de os enaltecer e de lhes permitir o esplendor. Tinha um café na berma da estrada, onde todos os dias homens paravam para matar o bicho, comer uma carcaça com presunto, beber uma água ardente branca, e muito mal cheirosa. O café ficava situado numa esquina, muito bem localizado, mesmo no centro da Aldeia, pelo que se chamava, obviamente, Café Central. Todas as aldeias têm um, situados mais ou menos ao centro, depende. Nesse café existia uma escada em caracol, que terminava numa divisão ampla e com cheiro a mofo, de onde se tinha acesso às casas de banho, e a uma arrecadação, de onde vinham as grades de bebida, os garrafões de vinho, os sacos pequenos de pevides e amendoins. Lembro-me de uma vez entrar lá nesse armazém, e ver um rato que fugia, por entre os amontoados de coisas espalhadas, estando-se pouco a borrifar para a ratoeira cheia de queijo que o aguardava, tranquila e paciente. Dona Augusta, mãe de Neliça, ainda tentou alcança-lo com uma vara de vassoura, correndo atrás dele com prontidão e destreza, apesar dos seus noventa e muitos quilos, distribuídos por pouco mais de um metro e meio de gente. Era ágil que só visto a Dona Augusta. Neliça, assistia impávida e serena ao sucedido, sem nunca mexer um dedo para auxiliar sua mãe, naquela árdua tarefa. Eu, um tanto ou quanto apavorada, sorria, num nervoso muito miudinho, que me empurrava para aquele esgar sem sentido, completamente involuntário. O que eu sentia era medo. Ainda hoje, em determinadas situações, produzo esgares semelhantes, totalmente contrários às minhas necessidades. Descabidos, incontroláveis. Apenas eu os detecto.

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