quinta-feira, 30 de maio de 2013

flor

Há uma flor que me definha devagarinho por cima de um armário onde mal chego em braços esticados, depena-se folha a folha na lentidão desconcertante de quem não se quer esquecida, haverá lá coisa pior. Tirem-lhe os brincos, é uma frase que me ecoa nos ouvidos e que se alojou dentro do meu cérebro cansado e opado com ares clandestinos em poisio sossegado. Tirem-lhe os brincos não vão para dentro da cova com ela, diziam-me aos ouvidos que escutavam ao longe ainda ontem, sobre um esquecimento maior. A pobre já não ouviu coisa alguma, valha-nos isso, já não tinha posse no corpo quanto mais no que lhe enfeitava as orelhas encarquilhadas por cento e um quase por cento e dois, idade que já me levou gente de família da geração da longevidade, que comia sardinha em ranço arrecadada pelo pano das moscas que voavam perto devido ao galinheiro do lado de fora da porta, que não era empecilho, nem mesmo fechada, nem mesmo com fitas coloridas batidas pelo vento (e o tanto que me dependurei nelas: tão balalão, tão balalão, cabeça de cão...). O sol entrava-lhe pela janela quando resolveu suspirar pela última vez, coisa que espalhou as ânsias ao longe, perdessem-se os brincos e queria eu saber como era. Em tempos também assisti ao vison que voava de mão em mão, até o pobre do mustelídeo, morto e trabalhado, deveria estar bravo da vida com os arranques sofridos por braços de cabeças loiras e penteadas que diziam ai filha várias vezes por minuto, sem nunca dizerem ai mãe. Tantas que me doía a cabeça, ó Deus. Os oiros, os oiros e o vison são o que sustenta o povo, que o resto já morreu. Concordo, e também por isso acabo de regar a planta meio sucumbida que entretanto pousei no parapeito airoso e por ora vaidoso. Quase juraria que no momento da água abriu uma folha de si. E sem que se veja lua, atentem nisto, aí seria porventura namorico: debaixo de uma lua acesa, tudo tem outra leitura de ser. 

4 comentários:

  1. Não vês que os oiros e os visons não constavam na partilha? São brindes... arg!

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    1. :) Assisto com cada uma. Normalmente afasto-me ou isento-me de dizer o que quer que seja. No fim de tudo, por norma, percebem o exagero e justificam-se até ao limite. Normalmente é aí que eu não resisto e lanço qualquer coisa implacável. O meu lado lunar, portanto... :)

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  2. Fizeste-me lembrar António Vieira - Ainda a terra não o comeu e já todos o comeram... qualquer coisa assim :)

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    1. Qualquer coisa assim, pois Antígona. Com tudo o que isso implica para a nossa humanidade...

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