quarta-feira, 1 de maio de 2013

pressa

Há dias em que me sento à espera porque os lugares de pé estão demasiado cheios de gente com pressa. Como naquela fila do centro de saúde que parece fervilhar na frente da moça que dedilha teclas calmamente, sem se incomodar nada com os atropelos dos dedos impacientes de pessoas que guardam uma senha com o número que chegaria à mesmíssima velocidade, caso estivessem sentadas e quietas num banco a ler o jornal. Todos os dias há notícias de interesse nacional, há que aproveitar e cultivar o saber que não ocupa lugar. Admito, há alturas em que me encontro quase igual. Fico muitas vezes da maneira errada consciente disso, o que não me revela propriamente fraqueza, antes natureza, eventualmente descompasso. Brandamente falando, continua aprendizagem. Usualmente, imponho-me esforço de contrariedade, sei ser o que é certo fazer. Acendo uma voz de comando, respiro devagar a ver se obedeço, bebo um gole de água e fecho os olhos, tudo com o claro objectivo de consciencializar que quando as coisas me são externas, não me pertencem o suficiente. Pouca coisa me pertence o suficiente para que a influa o bastante, e talvez também por isso eu goste tanto de escrever. Usualmente, nem gosto de pressas. Sinto-as muito quando mas tentam impor. Ainda agora, por exemplo, enquanto engolia colheres de arroz doce, alguém ousava incomodar-me insistentemente. Um pedido expresso de vinho tinto alentejano, eu percebo o desespero, não fossem as garrafas ficar perdidas algures em local distante e a refeição tivesse de se fazer acompanhar de água mineral, poderia lá ser uma tal coisa. Pedi desculpa com educação e ausentei-me para longe. Não muito, o suficiente, por vezes o pouco é exactamente o quanto me basta. Sentei-me no banco da rua, com uma vista soberba para as videiras do lado, respirei o fresco da mata que se estende lá atrás e engoli uma colher de cada vez, demoradamente. No meio do mundo exterior, alvíssaras, ainda há coisas que me pertencem o suficiente para que eu possa mandar nelas. Nunca na vida deixo fugir uma tacinha de barro, se esta contiver arroz doce lá dentro, e nem que à volta haja pressa. Até porque pressa e vagar não são mais do que constructos ideados, coisa pouca, quando comparados com o paladar forte e encorpado do arroz doce.  

2 comentários:

  1. Quase tudo o que nos dá prazer só faz sentido se saboreado devagar. Quase tudo, enfatizo... :)

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    1. E enfatizas muito bem. Devagar saboreia-se ao pormenor, e tudo sabe melhor. Excepto quando a urgência nos agarra. De vez em quando, portanto, e seguindo o teu raciocínio... :)

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