Chega esbaforida, quase capaz de deitar os bofes pela boca, fazendo uso desta expressão, primorosamente usada pela senhora minha avó, sempre que subia alguma subida de forte inclinação, como por exemplo a que a levava à igreja, tida como um sacrifício, capaz por si só de lhe levar um numero considerável de pecados. Olha-me de esguelha e inicia um chorrilho de desculpas esfarrapadas, todas mais ou menos iguais, tal como o nome indica, e totalmente descabidas e improváveis de ser. Não simpatizo lá muito com este tipo de provação de inocência, despropositada, dispensável, desagradável de ouvir, e ainda por cima, perturbadora para qualquer capacidade de inteligência que se preze, que pode nem ser muita, é bem que se diga. Simpatizo muito mais com a hombridade de quem se consegue assumir, aqui como em tudo. Quanto mais não seja porque no meio das palavras que profere, não vem escrito parvinha disfarçado, em letras miúdas. Existem nomes que até tolero, mas este, confesso, repugna-me. Até porque, eu nem sou lá muito de questionar o que quer que seja, a quem quer que seja. E para além disso, e venham ao que vierem, se não quiserem vir não venham, e se quiserem vir mais logo, façam o favor, que eu oriento-me. Depois por estas e por outras sou apelidada de outros nomes simpáticos, com os quais já lido perfeitamente.
O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
quinta-feira, 29 de setembro de 2011
quarta-feira, 28 de setembro de 2011
Escola
Hoje comprei uma pasta ao meu filho, necessária para arquivar os cadernos, já adquiridos há uns dias, de Inglês e Música. Falta ainda uma cartolina, e no Sábado que passou tinha vindo uma régua de 20 cm. Tudo isto para depositar numa caixa plástica que já habita na escola, recheada de lápis de cor, canetas de feltro, afias, borrachas, copos para colocar em cima da mesa com os utensílios de escrita, um dicionário com o novo acordo ortográfico, o Magalhães, papel de lustro, blocos de linhas, de contas e de desenho, um dossier de lombada grossa, entre outras coisas que provavelmente esqueço. Tudo isto foi adquirido mediante uma longa lista, enviada pela professora. Foi com enorme gosto que compramos tudo, etiquetamos, e levamos para a escola. E é com alguma nostalgia que lembro os meus tempos de gente pequena, que vivia numa aldeia perdida na serra, onde um caderno preto e um lápis de carvão, eram o material escolar. Um dia a minha mãe comprou-me uma almofada de picotar, daquelas que hoje não se usam, que os tempos são outros, e pode algum endiabrado, espetar um olho, alheio ou não. Fiquei feliz nesse dia. Tal como também ficava quando a professora, Dona Maria José, me permitia sacar das caixas cheias de carimbos em forma de bonecos, que eu molhava na tinta azul, carimbava, e coloria. Esses também me parecem desaparecidos. Faz algum sentido. Com tanta oferta e tecnologia, ninguém lhe iria achar graça alguma.
...

A verdade, é que não tenho tido tempo para isto. Mas continuo a gostar, a sério. Hoje, e apesar de tudo, estou mais ligeira. Abeirou-se de mim a senhora Dona Fernanda, uma criatura engraçada e risonha, que eu precisava de ver mais vezes. É ruiva, e pouco dada a vaidades. Tem o riso mais fácil que eu conheço, e o dom de me contagiar. Lembro-me em tempos de estudar qualquer coisa sobre terapia do riso, e de não ligar muito ao caso. Fiz mal. Rir do cágado que partiu a carapaça e ia sendo colado, do lago lá de casa que está malfadado, das filhas que comem bolonhesa de legumes a achar que está lá carne, e da arquitecta que está há tempos à espera enquanto nós rimos, fez-me só foi bem. Há, e comi Sericaia Alentejana, cozida em forno a lenha, num prato de barro e cheia de canela. E esta não me fez bem, fez-me muito bem.
domingo, 25 de setembro de 2011
Maravilhas
Assim de repente, pensei que a semana vai ser brava, e vim escrevinhar mais qualquer coisa. Uma delas, é que não sou aquele ali em baixo, mas o tempo também me agarrou. Outra é que dormi uma sesta de 5 minutos, coisa que deixou o meu filho espantado a olhar para mim, ainda despenteada, pelo que vociferou, Mãe, já acordas-te?!?! Não sei porquê mas o puto estranhou a rapidez, logo, devo depreender que normalmente durmo sestas maiores, logo, devo ser preguiçosa. Agora tenho uma porcaria de um texto para escrever, e não me apetece. E por isso ando aqui a ver se me distraio, e estou a conseguir. O texto é que não brota, mas isto passa. Hoje, precisava de criar uma maravilha.
Acordar tarde
Ele gosta de dias iguais. Nem bem entende o motivo do conforto dessa existência, entende e explica apenas o desconforto da falta da ordem, quando ela lhe sucede. Sabe que o seu amanhecer tem de começar sempre cedo, mais ou menos à mesma hora, exactamente antes do relógio tocar as sete, que se for depois, aquele tempo que rouba ao dia, faz-lhe uma falta de morte, capaz de o deixar à mercê de um descontrolo, apenas banido na manha seguinte, aquando de um novo despertar. A ordem a que se obriga é suficiente para lhe tirar o sossego, que a organização extrema dão-lhe um trabalho dos sérios, sendo que carece de uma grande organização, para que a sua vida se encontre dentro dos limites do tempo, que o agarraram, quem sabe à nascença, para não mais o deixarem ir. Tivessem-lhe destinado outro destino... Porém, e no lado oposto, e se ousar deixar de a ele se entregar, permitindo que a desordem lhe entre no corpo, o desassossego sentido é consideravelmente maior, pois aliado a ele vem a dureza do desconforto, a vontade de arrumar um mundo que lhe escapa das mãos, sem que lhe seja possível habita-lo assim. Oxalá soubesse como. Sente amiúde que ninguém o percebe, que o julgam um louco exasperado pela vida, que nem sabe que lhe faça ao senão repeti-la, sempre igual, a cada dia, a cada minuto, a cada instante por onde passa. Não é o caso, que não é louco, apenas precisa de ordem. Mas ainda assim, nem deseja mal a quem de tal forma o apregoa, e o inclui no mundo dos desgraçados que por cá deambulam, sem préstimo ou sem valor. Não lhes deseja mal, nem qualquer um outro tipo de sentimento menos bom, que a dor que lhe invade o corpo, já lhe chega para a amargura, não carecendo de raivas ou sentimentos de injustiça, querendo-lhes a eles distância. No fundo, aquilo que mais queria, era conseguir a cada dia girar devagarinho, ao invés da pressa que o assola, quer ela lhe urja, quer não. E gostaria ainda de não albergar dentro, todas as regras a que se impõe, numa entrega desmedida a si mesmo. Que vai-se a ver, e nem sabe mandar. Conhecer-se então, talvez seja isso. Sim, é isso. Sente medo, e ainda não. Mas gostava muito, de um dia poder acordar tarde.
:)
Não tenho assim nada de especial para dizer. A não ser que as botas do ano passado do meu filho ainda lhe servem, coisa que tenho presente, não interessar aos caros leitores. Mas interessa-me tanto a mim, e deixou-me tão feliz, que façam lá o favor de saberem, e de ficarem contentes em conjunto comigo.
sábado, 24 de setembro de 2011
Tachos
No País do tacho, nem percebo porque se espantam as gentes, com o facto de uns estudantes do ensino recorrente, conseguirem média de 20, e entrarem directos para medicina, sem passarem pelas provas de acesso. Isso foi possível num colégio particular que os apelida de excelentes. E quem sou eu para duvidar?? O que me intriga mais ainda, é que ninguém se contente com o simples, mas nojento é verdade, facto, de que o País é feito destas merdas, ops, desculpem, destas coisas a modos que estranhas. E aqui como em tanto, cada um vale-se do que lhe está ao alcance da unha, de preferência provocando um qualquer acto de trapaceio, capaz de o elevar aos objectivos pretendidos, ao invés de lutar de forma decente, que custa e dá trabalho. É sempre muito mais fácil usar o estatuto, a cunha, o tacho, o raio que os parta. E isto, numa postura quase generalizada, protagonizada também pela gente que nada exige de si, senão mestria em subir facilmente, mas que depois reclama explicações, quando por qualquer coisa detecta o mesmo no comportamento alheio. É uma particularidade do oportunismo, que só sabe bem ao protagonista. É bonito, realmente. Só não percebo, é porque é que é estranho.
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
Dos exageros
Parece que os garotos se emaranham nas tecnologias, os estudos surgem amiúde, todos a dizer a mesma coisa, que os meninos passam muito tempo em frente à TV, que a Internet é coisa para lhe roubar o tempo até ao limite do razoável, surgindo até, esse tempo, traduzido em horas diárias, que no estudo escutado hoje, corresponde exactamente a uma e meia. Não que não esteja atenta às conclusões dos que se debruçam sobre estas realidades, dramas que nos pegam nos mais novos membros do mundo, e os enfeitiçam em fantasias, muitas das vezes perigosas, que eles chegam a julgar reais. Mas não consigo nunca deixar de pensar, que o bom senso, aqui e em tanto, nos falta cada vez mais. É uma consequência da (des)evolução. E que esta permanência exacerbada da miudagem, em frente a ecrãs que substituem gente, mais não é do que uma sobrevivência, uma consequência dos tempos em que se vive, onde os pais preferem o som do silêncio da casa, apenas perturbado por um tiro em caso de jogo, do que uns fedelhos que berram e cercam pernas, no fim de um dia alucinante de trabalho. As culpas, andas perdidas. O exagero, é palavra de ordem nos dias que correm, e temo, honestamente, que nem hajam verdadeiras soluções. Não pertenço aquele grupo de pessoas que julga prudente sentar a ver o mundo colapsar. Estou, obviamente ciente dos perigos a que estes e outros exageros nos sujeitam, e luto com eles, diariamente, conforme posso. Mas não consigo deixar de achar estes números meras conclusões, que todos já sabemos, com as quais todos lidamos, e para as quais todos, nem que seja só de quando em vez, fechamos os olhos. Mais ou menos como fechamos aos números do cancro da pele, conseguido, muitas das vezes, pela exposição solar, que também nos dá um tom bronzeado. Os miúdos vêm muita net, os adultos correm, fumam e stressam, os velhos estão ao abandono, as avessas, andam aí. E nos entretantos, vimos e catalogamos.
quarta-feira, 21 de setembro de 2011
Compras
Mandei vi umas coisas de um conhecido catálogo. Os tamanhos são estranhos, as cores são outras, o material um nadinha ao lado. Poderá a essência do facto centrar-se na modelo, que no catálogo, a coisa de facto parecia outra, mas não me apetece focar-me aqui. Posto isto, reitero apenas o que há muito já sei. Compras, é ali ao lado. Se não gostar à primeira, não tenho de pagar um euro para devolver.
Mãos dadas
Júlio é Médico. Todos os dias, fiça chuva ou sol, o seu destino é aliviar quem de maleitas se queixe, sejam elas das mais diversas ordens, desde que o doente seja o corpo. Nasceu um tanto ou quanto enfraquecido, tendo sido necessário o recurso frequente ao óleo de ricínio, coisa amarga que o enforteceu, que sua mãe sempre diz, que se não fora tal cura, nem lhe teria sido permitido crescer, que o raquitismo quase que o levou deste mundo, ainda criança, muito magra e enfezada. Nem bem se sabe que destino se lhe deu, as divindades devem tê-lo tomado ao colo, benzeram-no só pode, e deixaram-no um homem digno, de fazer reluzir o olho, e ainda para mais, prestável e capaz, sempre pronto a auxiliar quem dele carecia. Uma raridade. Não se lembra de todas as pessoas às quais já deitou as mãos, lembra-se de umas e de outras não. Mas lembra em especial o caso do Jovenaldo, pobre criatura enjeitada, criada nos braços da avó, que após deitar corpo, voz e tamanho, se iniciou num desfalecimento sem igual, o que o transformou num rapaz mirrado e frágil, muito perto da rendição. Fosse sua avó ter crido nas vozes da terra, que o julgavam possuído pelo demónio, e por certo o pobre já nem estaria cá neste mundo, mas não. A pobre da velha tinha um olho ligeiro, e logo julgou a medicina capaz de o ajudar, ao invés das rezas e dos atamancos, dos ligamentos que viram o bucho, e dos fumos que salpicam os corpos, preparos bons, é bem certo, mas insuficientes. Foi Júlio que lhe valeu, acabadinho de cursar Medicina, e já pronto o suficiente de lhe diagnosticar o mal, que imediatamente atacou, deixando o jovem de novo forte e robusto, quase capaz de casar. A avó de Jovenaldo, concedeu então a Júlio um agradecimento eterno, vindo em forma de azeite que ilumina a Santa padroeira da terra, todas as noites do ano, em prol de sua alma, o que lhe dá o sossego tranquilo, de uma existência guardada. De noite, e enquanto a candeia arde, Júlio lê livros de medicina.
domingo, 18 de setembro de 2011
Saltos altos
Por vezes escapa-me a nossa pequenez. Em momentos estranhos, tingidos de forte, julgo-nos grandes, julgo-me a mim, até. Julgo poder controlar o meu corpo, tal e qual como controlo a minha alma, esquecida que anda da imensidão do acaso, do além, da grandeza divina e do poder do mal. Julgo que tais sentimentos constituam uma defesa, um mecanismo interno que me mantém sã o suficiente para andar em algum sossego, tranquilidade, ambição. Fosse eu a ter presente, em todos os momentos da minha vida, a volatilidade da existência, e por certo nem me endireitaria, perante a ameaça a que incorro a cada dia, a cada passo, a cada sentimento, direccionado ao bem ou ao mal, por vezes, nem isso sei. Felizmente, a acompanhar estes perigos, somos dotados de capacidades provavelmente criadas para nos proteger da loucura, na qual entraríamos sem dó nem piedade, se não esquecêssemos a cada hora, minuto, instante, as nossas moderações. Ainda assim, nem sempre esta suficiência me segura, que existem dias, cismas, épocas e situações, nas quais sucumbo, na impossibilidade de aí me julgar gente, com grandeza suficiente de escolha. É nesses momentos que entristeço, de uma forma cruel e fria, capaz de me atingir em sítios medonhos, frágeis, quebradiços. Que vai-se a ver, e já nem lembrava a existência. Por norma, é aí que me cuido, que me consciencializo pequena e confinada, a coisas que o mundo me dá e me tira, conforme entende, ou não fora eu uma mera habitante que o ocupa, nem sei se clandestina, se não. Mas gosto de cá andar. Em apertos, calço uns saltos altos, e tudo passa.
André
Em tempos fui chefe, após um período em que fui verdadeira escuta, de saia azul ridícula, e lenço ao pescoço. Sim, gostava da farda, mas nunca compreendi a saia. Limitações. Com orgulho exibia algumas insígnias que atestavam competências conseguidas, normalmente relacionadas com alguma prática digna de realce em termos humanos. Cansei-me deles por alguns exageros, porque cresci e questionei a Igreja, entre outros. Guardo memórias imensas. Uma delas, o André, um garoto magro e enfiado, que chegou sem farda, construída posteriormente por nós na sede, com a boa vontade de todos. Era loiro e de olhos verdes, iguais aos de uma mãe linda de morrer, mas corroída por males do mundo, aos quais se entregou levando os filhos de arrasto, que os pobres, e muito embora nem se encontrassem em real contacto com o que os levava à miséria, sentiam-lhe o encosto todos os dias, sendo que o verbalizavam aqui e ali, incluindo numa frase que me ficou para a vida. "Olá chefe, hoje viemos ao supermercado. Quando isso acontece, é porque lá em casa já não existe mesmo nada." Ao lado, a mãe, e um avô, que quando já não havia nada lá em casa, socorria os netos, numa obrigação que assumia já cansado, mas ao mesmo tempo, sempre pronto. Enquanto o carrinho se enchia de compras, o André sorria, perante uns pacotes de leite com chocolate, e umas bolacha Maria. Pequenos nadas, podem parecer.
Ontem vejo um jovem alto que me pareceu o André. Passaram anos e não me atrevi. Um erro, talvez, mas poderia eventualmente estar enganada, coisa que me parece realmente difícil. Sorria num grupo de rapazes, e estava feliz. Gosto sempre de encontrar passados que de alguma forma resistem robustos, ao passar dos tempos amargos. Já encontrei alguns que me estiveram perto, e sinto-me inundada de um sentimento de paz. Poderá ser até, quiçá, e lado a lado com a felicidade, uma fraqueza. De lhes encontrar no corpo a imensa verdade de reiterarmos, que é mesmo possível crescer nas dificuldades. Nós sabemos, é certo. Mas é sempre bom constatar.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
Estereotipos
A nossa incapacidade em compreender determinadas situações, deixa-nos entregues a estereótipos rígidos, que mais não são do que formas de nos fazer ordenar dentro, a desordem que encontramos fora. Sendo assim, juntamos gente com gente, bichos com bichos, dinheiro com grandeza, pobreza com queixume, enfim, um ror de combinações que atribuímos mesmo sem real conhecimento, no alienamento patético, do tudo arrumado. Daí o nosso espanto quando encontramos uniões imperfeitas, daquelas que não esperamos ou concebemos, como se no mundo houvesse a obrigatoriedade da harmonia, e a diversão da mistura, fosse coisinha para nos tirar o sossego, quanto mais não seja porque nos escapa à previsão. Não era assim que tinha de ser. Exige-nos que pensemos sobre o assunto, a fim de encontrarmos algo que justifique tal ajuntamento, em nada perceptível, lógico, fácil de compreender. E nós gostamos de facilidades, género Brangelinas. Sentiu isso tudo ontem quando olhou para ela, extraordináriamente desajeitada, anafada e sem graça, embrulhada numa calça azul justa, mal composta por uma camisa branca gigantesca. Uma mulher que atribuiria sem qualquer tipo de problema a um homem pequeno e gordo, sendo assim que tudo combinaria verdadeiramente. Impressionou-a a descrição do companheiro, de porte alto e correcto, com muito bom gosto, irrepreensível em tudo o que deixava transparecer. Fora o resto, já sabemos. O resto é aquela coisa, que como não se vê, não conta lá muito. Perturba-a todo e qualquer tipo de desarmonia extrema, coisa que lhe povoa amiúde a existência, e com a qual já deveria lidar com muito mais destreza. Até porque harmonia é coisa do além, ou de qualquer um outro sítio distante, que raramente toca ou encontra.
No final da noite saíram ambos. Foi quando vê na camisa dele, uns botões de punho, cor madre pérola, muito redondos e brilhantes, que ficou verdadeiramente chocada. Nem com esforço. De forma nenhuma, aquilo tinha razão de ser.
quinta-feira, 15 de setembro de 2011
Sexto sentido
Existem coisas que prevejo à distância. Algumas delas desejo que aconteçam, outras, estou mortinha por lhes escapar. Na iminência, e quando as começo a sentir ao de perto, fico em expectativa, mesmo quando as não quero. Num misto de fuga, e ao mesmo tempo de ânsia, de que as minha premonições se verifiquem. Uma vaidade, ou coisa do género. Que não gosto de ferir a troco do nada. O sexto sentido é um bom aliado na vida de qualquer Mulher.
quarta-feira, 14 de setembro de 2011
Enganos
As palavras deveriam ser coisas difíceis de proferir, passíveis até de ficarem entaladas, quando ditas indevidamente, e contrárias ao que se sente. Mas não, que são amenas, mornas e adaptáveis, saindo do nosso corpo com destreza, vindas das bocas que espelham o que se deve dizer, o que se espera, o socialmente correcto, e não o que lhes vai dentro, que de mansinho se guarda. Não que julgue a obrigatoriedade da total partilha, logo eu, absoluta defensora de privacidades, mundos nossos e de mais ninguém, ou então de mais alguém que nos escute, e que queiramos que nos saiba a existência interna. Mas ainda assim, e em determinadas circunstâncias, o embuste disfarçado, e apenas perceptível ao mais atento, deveria ser punido por quem de direito. É que podemos sempre, e em caso de necessidade extrema, utilizar o silêncio ou a omissão, muito mais sensatos e inofensivos. Nem me parece apropriado um castigo por demais punitivo, que somos pecadores, e quanto a isso, não há que se faça. Mas um castigo suficientemente amargo para que na próxima se tome cuidado, e se deixe de proferir baboseiras, que mais não são do que afrontas a quem escuta. Um retrocimento de língua, um aperto de lábios, poderia perfeitamente servir. Nos casos mais graves, um engasgamento forte e assanhado. Quando usam esta arma ilegal comigo, a coisa pode correr mal. Mas engraçado, como pode ser perdoável, que a inteligência é predicado capaz de me encantar, e sou pessoa para quase desculpar quem me tenta enganar com perspicácia. Uma fraqueza, uma rendição. Aliada a uma sensação de vitória, totalmente patética, sei disso, de que a enganada, vai-se a ver, e não sou eu.
domingo, 11 de setembro de 2011
Lamego
Ainda me lembro dos seus olhos quando falava em Lamego. Uma terra já muito distante, como distante lhe era o resto do mundo, que pouco se lhe dava, desperdiçando-se por outras gentes, outras paragens, que não as suas. O seu mundo era pequeno, numa improbabilidade estranha, pelo impossível de ser, e ao mesmo tempo tão real como a dor que lhe corroía o peito todas as noites, quando se deitava na cama de madeira carunchosa, e se tapava com o cobertor mordido das traças que lhe invadiam o espaço de roupeiro que lhe competia, e lhe comiam a roupa, tal e qual a vida lhe comia a alma. Sorria pouco. De quando em vez, deixava escapar dos olhos verde mar uns laivos estranhos de contentamento, quando falava da sua avó, perdida naquela terra onde um dia iria voltar. Mas só aí, e mesmo assim, o sorriso dos olhos era abafado pela rudeza do rosto, que não se atrevida a tal emoção, não fosse o seu corpo, ingrato, penitencia-lo por tal afoite, tal e qual como o penitenciava quando chorava, ou arriscava. Ficava triste, e não podia. A única coisa que lhe era permitida, era a apatia dos dias, que poderiam surgir frios, quentes ou amenos, que em toda e qualquer situação se adaptava em jeito de acomodação, pacífica e silenciosa. Precisava de sossego, para conseguir esperar pelo dia em que voltaria a casa de sua avó, em Lamego. Cheguei a pensar o que lhe traria aquela terra de nome pouco bonito de tranquilo à existência. O que lhe daria de tanto, ao invés do resto do mundo, que lhe fugia, é certo, mas que ao mesmo tempo nem queria conhecer. Os sonhos também têm disto. Permitem-nos fazer caminhos, ou então, ao invés disso, fecham-nos a vista, e seguram-nos para sempre. À espera.
Gente
Exactamente há dez anos, também a minha vida, a minha, mesmo minha, e não só a do mundo todo, mudou. Atrás de um sonho, que temos esta pretensão eterna de sonharmos o que queremos para nós, como se a eles nos pudéssemos entregar. Desde sempre, ou pelo menos desde que me lembro de ser gente, que procuro com afinco errar pouco, ou melhor, escolher sempre um caminho mais ou menos acertado. Desde sempre, ou pelo menos desde que me lembro de ser gente, que erro, fortemente, a cada dia que passa. Às vezes canso-me disto, mas de nada de vale. Provavelmente, e estando já por tudo, errarei até sempre. Enquanto for gente. Ser gente, também é isto, concluo.
quinta-feira, 8 de setembro de 2011
Inerências profissionais
Fico sempre muito irritada, quando mulheres me entram pelo consultório a dentro, a dizer que fazem sexo por dever ao marido. Há coisas devidas, é um facto. A água, a luz, a renda, os impostos. E depois existem as outras que fazemos se nos apetece, e se não nos apetece não fazemos. Não devemos, pronto. Queremos, ou não. A parte de me custar a entender, por que é que esta gente não tem este tipo de apetite, não vem ao caso. Tal como não vem ao caso a minha curiosidade em saber que raio de sexo é aquele, onde 50 por cento da envolvência olha para o tecto e conta as melgas, enquanto espera que acabe depressa.
O sonho
Acordou num sitio estranho, onde Deus parecia nunca ter estado. Como se possível fosse, existirem recantos do mundo que lhe escapem, ora não fosse ele o criador de toda a imensidão, e o responsável pelo que se passa em cada sítio, mais ou menos obscuro. Mesmo assim se lhe perguntassem, e no benefício da dúvida, diria com quase certeza, que aquele naco de mundo lhe tinha escapado, provavelmente juntamente a outros pedaços, que muitos existem pobres de meter dó, desgraçados e mal amados, que detém cabimento em tal circunstância. Era medonha a desgraça emanada daquela casa, habitada por uma tristeza afundada numa esperança vã, eterna, de nunca preenchida. Sua dona esperava sempre a mesma coisa, coisa essa que nunca lhe chegou pela porta da entrada, ou sequer pela janela, propositadamente deixada aberta todos os dias a fio, fizesse chuva ou fizesse sol, não fosse perder a oportunidade do encontro por temor às intempéries, nunca se perdoaria por isso. Mas ainda que assim fizesse, e ainda que a fresta deixada fosse significativa, e o ouvido atento à porta, por demais perspicaz, nunca se chegou perto nada do que tanto ambicionava, ano após ano, o que a deixou mortiça e insana. Lá dentro da casa, e mais precisamente lá dentro do corpo, criou um mundo só para si, ornamentado de cores cinzentas e apagadas, onde se movimentava descomposta, num intenso deambular, à espera. De quando em vez parava, olhava pela janela envolta em cortinas, e espreitava um mundo estranho lá fora, cheio de cores e sorrisos, ao qual não pertencia. Houveram dias em que quiseram leva-la, em que da soleira da porta, lhe surgia um apelo, distinto do que queria, mas ainda assim, um apelo. Que recusava delicadamente, sempre envolta na mais pura das educações, não fossem julga-la amarga, quando ela era doce. Não era aquilo o que queria.
Saiu de mansinho, e jurou voltar. Acordou, que afinal, o despertar anterior tinha sido sonhado. Relembrou, que não gosta de acordar a meio de um sonho. E ainda, que existem sonhos, que por completos que sejam, nunca vão chegar ao fim.
quarta-feira, 7 de setembro de 2011
Vai-se indo
Por cá vai-se indo. Ausente, que há alturas assim. Mas, e para quem tal coisa pudesse julgar, não abandonei o estaminé. Ele descansa, que bem precisa, e eu acompanho. Mas vou vindo, prometo. A propósito, ali em baixo, e para quem não vê, está um pão com azeitonas. Daqui, vê-se tão bem que até enerva.
segunda-feira, 5 de setembro de 2011
domingo, 4 de setembro de 2011
Fraquezas
Tenho com frequência semanas muito preenchidas, sem tempos livres para o que me surgir de inesperado, ou me apetecer. Enquanto salto de um lado para outro lado, tenho dias em que nem consigo parar para olhar o céu, e em que as horas me regem totalmente. Acho que nunca me subjuguei a nada, como me subjugo ao tempo. E sinto-me uma fraca por isso.
Sossegos
Todos os dias bem cedo, distribui migalhas de pão seco aos pássaros, que se abeiram dele em bandos de largo número. Os seus cabelos, muito brancos e fartos, adornam-lhe uma cabeça cansada, malfadada pelos dias duros, pelos anos longos, pela frieza das horas. Mais logo, no fim da tarde, os restos da casa servem de alimento para os cães que se vagueiam nas ruas, faça chuva ou faça sol, e que se aninham de mansinho debaixo dos carros e das varandas, desdenhados por donos ingratos e cheios. Mal o avistam, e na iminência do alimento para o dia, correm em sua direcção, de rabos alçados, numa manifestação de agrado típica daqueles animais, tão dados como mais nada, a quem os trata, e até, por vezes, a quem os destrata. O velho, numa paciência vinda do fundo da alma, dá-se-lhes por inteiro, agachando o costado, já doente e retorcido, a fim de poder cumprimentar os seus fiéis amigos. Ao longe, costumo mirá-los, e reflicto. Reflicto no desprezo que sinto darem-lhe, como se ele de nada valesse ao mundo, porque é velho e isolado, e porque recebe dos animais o que mais ninguém lhe dá. É azedo, oiço dizer, de bocas que não abrangem que o azedume das palavras, nasce amiúde dos destratos recebidos, que se transformam cá dentro, em gestos rudes e defensivos, que facilmente expelimos, se ameaçados. Reflicto ainda na nossa carência de afecto, continuamente rebuscada onde quer que o consigamos buscar. Não vivemos sem ele, é um facto. Em última instância, e já em divagações mais profundas, penso o altruísmo em estado puro. Inexistente, julgo poder dizer. Esperamos sempre o reverso, nem que seja em forma de sorriso, lambidela, ou outra que nos possam dar. Coisa que de imediato arrumamos por dentro, e transformamos em sossegos. Não trata egoísmo, mas necessidade.
Factos
E pronto, já está. Se fizermos contas, num instante chegamos a cerca de metade do salário, tudo para mais, no que confere à percentagem de pagamento de impostos dos rendimentos mais elevados. Consistirá isto numa tentativa de acabar de vez com o poder de compra, ainda existente em alguns Portugueses? E de aceleração, no que toca a levar o Pais para um caminho estanque e parado, pior ainda do que o que já está? Não tenho formação base em economia, mas ainda assim, a sensibilidade, comum a todos nós, permite-me perceber o risco em que incorremos, ao tomar este tipo de medidas. Carecemos de sair da crise. Temo que não seja este o caminho.
quinta-feira, 1 de setembro de 2011
Cebolas
Não me interessa lá muito que me julguem chata. Nem tampouco me importa que a terra em peso se passeie por ora na feira da cebola. As festas são uma coisa gira que se farta, atenua as neuras da crise, fazendo até esquecer, quiçá, as palavras de Vitor Gaspar. Entre um copo de tinto e uma alheira de Mirandela, o discurso escorrega para a diversão, e o povo gosta. E precisa. Não tenho nada contra, a sério. Poderia apenas ser um pouco mais longe da minha casa. Só o bocadinho suficiente para que as pessoas pudessem estacionar, e entrar na porta sem desvios forçados. E para que pudessem dormir antes da madrugada, a um qualquer outro som, que não folclore. E com qualquer outro cheiro, que não a chouriço. E tenham a amabilidade de não me perguntarem nunca se já fui à feira, se se prestarem ao obséquio. Que eu não faço outra coisa desde ontem, e provavelmente, pouco mais farei até Domingo. A banca da esquerda, mesmo à saída da porta, tem o meu perdão. Vende pão Alentejano. A da direita, cravejada de vestidos esvoaçantes e floridos, e de bugiganga colorida, é capaz de não passar impune.
Inverno
Gosto sempre dos primeiros dias de chuva, depois do verão. O facto destes surgirem ainda na estação, não me faz qualquer diferença. Ainda ontem, no rescaldo do dia, pego numa revista de moda, e passeio os olhos por casacos, cachecóis, camisolas e outros abafos. Na minha cabeça, surgem de imediato combinações estrondosas que desejo mesmo muito vestir. O verão, as esplanadas e o calor, são bons, mas não são meus. Sou do Inverno, definitivamente. Todos nós pertencemos a algo. A terras, a sítios, a gente.
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