quinta-feira, 16 de maio de 2013

sarilho

Hoje por entre os papéis da secretária descobri-me num tom seríssimo, crescente até nos nós dos dedos que seguravam a bic cristal azul, continuo a gostar delas, para escrita escorreita não há nada melhor. Não preciso por norma de outras minuciosidades com detalhes insignificantes, chegam-me eu e ela e os óculos de massa preta e graduação significativa, que me transformam os olhos em qualquer coisa de útil e me deixam capaz para o dia. Não todos, claro, há dias e dias. Hoje por exemplo, não havia raminho de espiga naturalmente completo, malmequer, papoila (jamais dispensaria a papoila), oliveira, espiga, videira e alecrim, ou pássaro que desde ontem me debica o vidro da janela, que me fizessem nascer expressões no corpo. Ontem nada tinha sido assim, e foi agora, ainda ontem conforme disse. O animal primeiramente assustou-me, que seria a insistência intermitente cuja sonoridade vinha de longe, julgava eu. Depois percebi-o logo ali, enquanto o raminho do lado de dentro do vidro, levianamente mal posicionado, o atraia insistentemente, quase tanto como ele a meus olhos que o seguiam nos saltitos teimosos e débeis, como se a fragilidade se visse assim simplesmente. Foi um ver se te avias, é o que vos digo. Uma festa a três, festejada em coisíssima nenhuma para além de dois seres vivos e um ramo já morto, por tradições que acreditam na sorte sobre a qual não tenho fé alguma. Foi-me dado, atenção, nada de fabulações falaciosas de mim para mim mesma, era um dever aceitá-lo em sinal de gratidão. Eu a mim dou-me antes chocolates, tiras de milho, queijo ou outros acepipes salgadinhos, que se há coisa em que eu acredito piamente é no meu palato. 
Hoje, tudo igual. O raminho no mesmíssimo lugar, uns pingos de chuva que não molham ninguém e o passarito saltitante a bater na janela aberta aos dias. Nas camas dos quartos ainda havia quem dormisse. Nas ruas os candeeiros apagaram-se a horas e deixaram os dias alumiados sem sol. Havia luz, é o que nos basta. Eu aqui, sem tirar nem por, ou quase quase, num quase cá dentro movido a uma falta estapafúrdia, um grandessíssimo sarilho, num baptismo que agora me pareceu apropositado.

(Eu sei, eu sei, o ramo é atrás da porta e até para o ano. O meu está à janela e até que eu queira. Os acepipes são para o futebol, mas agora não se fala mais nisso. E o sarilho, esse, nem queiram saber.)         

7 comentários:

  1. Raminho de espiga atrás da porta, sim senhor, assim manda a tradição, mas como esta é também ditada por nós, para se transformar em coisa pessoal, poderá ficar aí, à janela, atraindo passarinhos... quanto aos acepipes, não só no futebol,mas sempre que apeteça!!! Haverá coisinha melhor???
    BEIJINHOS, IVONE!

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    1. Não ligo aos ramos, confesso. Estimo-o, porque me foi dado. Quanto aos acepipes, não são sempre, prefiro esperar pela taça, que é um bom pretexto... :)

      ( Ivone? É o seu nome e assinou dessa forma? É que não é o meu, mas parece-me que se dirige a mim...)

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  2. :) :) :) pus o meu atrás da porta, mas só não o pus à janela porque não tenho onde pendurar :)

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    1. :))) O meu está no parapeito. E está lá muitíssimo bem. Não aguentará um ano, o pobre. Está seco, e ainda agora lá chegou... :)

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  3. O tempo passa e nada fica sem sentir as consequências! É sempre possível renovar...

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  4. Um aviso: o que os pássaros gostam mesmo é de minhocas. Se dentro de cabecinhas emolduradas por óculos de massa preta com lentes significativas (ahahahah), então até fazem ninho em cima das ditas :P

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    1. Olha, o que ele queria era o meu ramo, tá bem?... :) Aqui não há minhocas, e se as houver, são eventualmente mau feitio: o pássaro, pobre dele, era capaz de lhe dar um fanico... :))

      ( Ahahaha, o quê? São significativas... Claro que são... :))

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