segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Velhice


Devíamos saber envelhecer como sabemos nascer e viver, mas nem apetece perder tempo com isso. Era mais fácil, menos doloroso. Chego, e deparo-me com caras novas. Não novas em si, que são por demais velhas e cravejadas de sulcos profundos, em peles curtidas pelo sol, de verão e de inverno. Mas novas aqui, em adaptação a um outro mundo, uma nova realidade, numa inserção tamanha, com alterações do modo de vida, das companhias, do lugar. Os dois dispares, por demais dispares. Um envelheceu inundado de alguma tranquilidade que lhe permite aceitar o processo pacificamente, sem grandes dissabores. Consciencializou claramente a necessidade de ajuda, porque o processo assim exige. Ontem pouco ou nada precisava, que a vida sempre o brindou de força de braços e de vontade. Hoje precisa de uma fralda que lhe ampare os desperdícios do corpo, e de alguém que lhe faça a troca, sob pena de se atafulhar em porcaria, que as suas mãos e pernas já nem força têm para o devido zelo. A lucidez da incapacidade continua lá, grave e acutilante, como só ela sabe ser, nestes processos do fim. O outro recusa a velhice, como se possível fosse libertar-se dela, tamanho disparate, pela impossibilidade de o ser. Porque sempre soube haver-se sozinho, e não concebe que lhe dêem banho, porque sempre deu a volta, e continuaria a dar, se os ingratos dos filhos não o tivessem "depositado" por cá, à sua completa revelia. "Velhos são eles".
Transponho esta realidade a outras já vividas, e constato a frequência com que me deparo, com gente que não sabe ficar velha. Palavra forte, mas ainda assim, não tão forte como o fenómeno em si. A sociedade emerge diariamente em prevenções por vezes alucinatórias, de como viver mais e melhor, com muita saúde e com menos rugas. Importante, claro que sim, que encaixo cem porcento nas teorias positivas do envelhecimento, na busca da qualidade de vida, no percurso proactivo.
Pior, é que muitas vezes se esquece a inevitabilidade do processo. E não se fomenta um desenvolvimento interno capaz de acompanhar a velhice, que mais depressa ou mais devagar, sempre chega. Faz parte de um crescimento, de uma consciência de si, que todos deveríamos seguir e aceitar, sob pena de se atingir um desconforto desconcertante. Um desconsolo.

6 comentários:

  1. Não sei se estou certa mas parece-me que os homens resistem mais do que as mulheres...

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  2. Assusta-me todo esse processo, confesso, não pelas rugas, mas pelo que se sentirá...ou não sentirá...

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  3. Antígona, depende. Nunca encontrei relação no que respeita ao género. Encontro sim no nível social. O mais baixo tem mais dificuldade. Talvez pelo hábito de se desenrascarem a todo o custo, doa o que doer.

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  4. Saber envelhecer é quase tão difícil como saber viver. A maioria das pessoas não sabe...

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  5. Saber envelhecer? É um processo íntimo e pessoal, por mais que retenhamos dos exemplos que se nos oferecem, no trajecto da vida. Tal como um beijo tem sabor único, envelhecer, tem o sabor, doce ou amargo, exclusivo, para cada um de nós. O restante, é espectador.
    PS Vou deixar de te elogiar os textos, já soa a lugar-cumum, pois são todos bons. As férias inspiraram-te.
    PS2 Deixei um desafio no meu post sobre a música, a bola está do vosso, lado eh eh.

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