sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Artes e preceitos


Todos sonhamos. Uns arriscam mais, outros arriscam menos, sendo que até aí, no mundo interno, pessoal e intransmissível (ou não), existem os que arriscam muito e os que arriscam pouco, talvez pelo receio de que o sonho, seja um prazer sem limites, e a realidade, fique muito aquém do que se queria. Ainda assim, e na parte que me toca, embora o presente texto nem se refira a mim concretamente, quando sonho, ouso sonhar alto. Com a realidade dos dias, miudinha, frequente e usual, aguento-me, que mais remédio tenho, e como tal, quando me permito a mim mesma, uma inclusão profunda no meu imaginário, vou aonde nunca fui, dou-me a mim mesma esse direito, que felizmente, e em conjunto com outras facetas menos boas, que detemos enquanto ser humano, detemos também esta, que nos permite uma alheio à realidade, uma fuga, ainda que transitória e puramente inconsequente, uma vida à parte do exterior, muito nossa, isenta de censura ou qualquer outro tipo de castração, a não ser, a por nós mesmos imposta. A minha nestas coisas adormece. Um bem haja a ela.

Eis que ela sonha em ter um restaurante. Um sonho patético, poderão dizer, e até talvez, com alguma razão, que os tempos são de crise, os créditos vão mal, enfim, somos actualmente detentores de uma conjuntura capaz de nos toldar até os sonhos. Não tolda os dela, que ainda que conhecedora da impossibilidade prática de avançar com a sua vontade, vai com ela vivendo, limando umas arestas, estudando possibilidades. O que ela quer, não pensem cá ser coisa banal, que não se dá cá a essas coisas, até porque, os seus dotes culinários a isso não permitem, que de suas mãos, apenas saem acepipes divinos, daqueles dignos de repasto de rei, herdou de sua avó o predicado, que a dita, foi senhora de servir na Capital do País, em tempos idos, e aprendeu tudo o que há a aprender na arte da culinária, espólio valiosíssimo deixado a quem o quis aprender, que nestas coisas dos saberes antigos, a vontade e a crença, são o sal da continuidade.
Julgo que talvez por sentir esvaída a tradição, por julgar esquecidos os segredos de outrora, pretende dar seguimento a algo que para si constitui nobre arte, sendo que de resto, e embora frequentemente relegada pelas moças casadoiras de agora, considera ser tarefa fundamental de uma esposa dedicada, que se há papel que é da Mulher para todo o sempre é a boa mesa, entre outros, como sabem, mas falemos por ora neste.
Não concebe, por exemplo, a perda no tempo do seu borrego no forno, prato amado por todos os que já o provaram, que nunca viu igual em lado de nenhum, e cujo segredo, é de uma simplicidade difícil de se acreditar. Não o revela por ora. Talvez um dia, no restaurante, o cozinhe, para que todos o possam provar, e quiçá, descobrir-lhe o preceito.

2 comentários:

  1. Se há coisa que, neste país, continua a dar, mesmo em tempo de crise, são os "comes e bebes". Se a cozinheira for boa e persistente há-de vir clientela de longe só para lhe provar os acepipes :)

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  2. A mim, apetecia-me, agora, um peixinho grelhado. Que peixe devo escolher?
    Jorge Manuel Brasil Mesquita
    Lisboa, 21/01/2011

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