segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Padre

E eis que casou, constituindo uma perca significativa para a igreja, um ganho declarado para a mulher que lhe roubou o coração, desde sempre devoto ao Senhor. A vida tem destas inerências em todo e qualquer lugar, sendo frequente a perca de uns para o ganho de outros, julgo ser assim desde o inicio dos tempos, o que nos obriga a depreender, que há coisas que não mudarão nunca.
Desde cedo que era devoto, crente e praticante, ou não fora ele nascido e criado em aldeia de gente que rezava a cada passo, ora num agradecimento, ora numa solicitação, ora apenas e só porque sim, que qualquer hora e pretexto é bom para louvar a Deus. A missa, todos os Santos Domingos, nunca foi para si obrigação, era parte integrante da sua vida, nem bem percebia, o carácter laico de alguns, pobres desconhecedores da grandiosidade divina, gentes essas, que necessitavam diariamente da sua venerada oração. Não pensem cá que se tratava de um beato enganoso e cruel, embora seja até desculpável se em tal erro incorrerem, tal a quantidade que envolve a igreja, o padre e o sacristão. Pobres figuras estas, podemos dizer, sempre circundadas de gente de falsa crença e pouca ou nenhuma solidariedade. Gente que chega até a pedir perdão ajoelhada, se por obra do diabo, algum pecado cometeu, para logo após se renderem às teias do mal, por demais poderosas na arte da cativação. Nem parece daqui surgir preocupação desmedida, que no próximo dia, semana ou quando for, há-de surgir novo perdão, no acto da confissão.
Na hora de escolher ofício, nada do que se lhe apresentou lhe causou agrado, sendo que apenas e só a devoção, parecia luzir-lhe ao olho, pelo que depressa se decidiu aos caminhos castos do sacerdócio. Era para aquilo que tinha vindo a este mundo.
Independentemente do credo de cada religião, arrisco dizer, com honras de certeza quase absoluta, que qualquer uma ganharia por tê-lo como seu servo, pessoa suserana, de coração puro e dedicado, que se há padre que conheci, que valeu pela pessoa em si, foi este que aqui falo, que disso não se duvide.
Ainda que muito tenha rezado, ainda que muita acção louvada tenha praticado, houve um dia em que o coração se lhe cedeu, aos encantos de uma Mulher. Não podia fugir-lhe, como em tempos não tinha fugido, aos desígnios do grande Senhor, que por ora lhe apresentava aquela provação, de um travo amargo e doce, que nem podem imaginar. Negar aquele amor seria acto insano, que a pureza com que se lhe renderam, era coisa digna de realce, pouco vista nos dias de hoje, isenta de qualquer ambição supérflua, interesse irrisório, ou mera paixão .
Na análise profunda onde se encerrou, renunciou aos votos do sacerdócio. A bem das leis católicas, perdeu-se um padre, ganhou-se um marido.
Se assim era necessário, não me cabe a mim julgar. Hoje já não o chamo de Padre, que já não o é. O que me dava outrora, dá-me por ora igual, que o que lhe procurava, nem eram perdões ou orações. E que por mim já não reze, não o diminuiu a meus olhos.

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