segunda-feira, 31 de outubro de 2011

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Li a crónica de Ferreira Fernandes ( excelente, como sempre), onde se aborda o sexo, a venda do corpo, o tráfico de mulheres, e posturas sobre o assunto. Tenho uma opinião muito própria sobre isto, não entrando no campo do tráfico, delicado demais para ser abordado em jeito de consideração. Não tenho nada contra quem vende o corpo. Vende o que é seu, coisa essa tão delicada para quem vende como para quem compra. Se ambos o fizerem ao sabor da vontade, façam o favor, que não é mais do que a prestação de um serviço. De quem o faz por necessidade de qualquer outra coisa, tenho pena. Tal e qual como tenho pena das mulheres que se vendem aos maridos pela casa e pelos filhos. É uma necessidade, uma compra, uma venda, a mesma falta de amor próprio. A diferença de ser um, ou serem muitos, honestamente, nem me parece, pelo menos neste ponto, digna de referência.

Enfados

Chego e não me deixam chegar (?). Não gosto, não respeito o ritmo, que ainda que não rígido, obedece a nuances de conforto. Todos temos, somos assim. Por entre um conjunto sério de palavras dispensáveis, chega-me já no fim o pretendido. As palavras deveriam, para certas gentes, pagar imposto, o que agora daria um jeitão ao País, imerso num estado de calamidade pouco visto. Bem sei que provavelmente essa situação daria origem a palavras engolidas à pressão, a consequentes enfartamentos e azias de estômago, quem sabe até, e em última instância, a rebentamentos forçados, coisa que por si só constituiria um perigo sério para a higiene do mundo. Retiro o que disse então. Imposto não digo, seria de mais para nós, mas um qualquer local de despejo, a fim de se arrumarem estas todas, que saem da boca totalmente desnecessárias, e que apenas moem. Poupa-las, dizê-las na hora certa, usar as suficientes, nem muito mais nem muito menos, seria bom. Somos esbanjados, até nas palavras. O pormenor, o excesso de explicação, é usado muitas das vezes no meio de uma insegurança que nasce dentro, e que na necessidade de colmatar, exige de quem profere o discurso, uma insistente explicação, como se a vontade ou a pergunta por si não bastasse. Eu deveria ter toda a clama do mundo para estas situações, deveria sossegar quem assim se exagera, com ditos apaziguadores e muito tranquilizadores, a fim de deixar no meu interlocutor um agradável sossego. Tenho uma veia maléfica deve ser isso. Só me apetece, no apogeu do enfado, exercer o efeito totalmente oposto, e aplicar um ar de incredulidade inconfundível, como que de condenação. Às vezes contenho-me, outras não.

domingo, 30 de outubro de 2011

Livros

Encontrei hoje uma livraria com livros em promoção. Adquiri os Maias, em versão de dois volumes, e o diálogo com a morte, de Marie De Hennezel. Os três por 11 euros, pelo que julgo poder dizer, que se tratou de um achado. Tenho andado a rebuscar temas para um trabalho importante, e a morte não está excluída. Ainda assim, não se trata da minha primeira escolha, sendo que só lá chegarei, se me defrontar com impossibilidades no caminho. Nunca li o livro, mas sei tratar-se de um livro escrito por alguém que lida com a morte de perto, e que ajuda a morrer, o que não é coisa fácil. Esperar ao lado de quem vai partir, e estar frente a frente com a realidade, já fraca, de quem vai perder a vida, dói. É um desperdício de tempo, sentem muitos, que não se julgam capazes de tal tarefa, mesmo que em contextos pessoais. Da experiência que tenho, assisto por vezes a pessoas chegadas, que não conseguem viver de perto estes momentos, com quem lhe é próximo. Não falo obviamente das mortes precoces, dolorosas, inesperadas, e por vezes prolongadas, onde todos parecem surgir, e onde a coragem parece renascer em cada passo. Falo daquelas de fim de vida. Como se essas, de tão óbvias, não nos merecessem atenção. Como se os velhos fossem mais fortes, e o medo, já não lhes entrasse pelos meandros do corpo. Confesso que me repugnam estas situações. Morre-se mal, na generalidade dos fins da vida. Morre-se sozinho, muitas das vezes doente. Estava na hora, chega a dizer quem fica. Estava, pode ser. Mas a hora sozinha é por certo pior do que a hora acompanhada, que somos seres relacionais, sentimos conforto na interacção. Sinto por vezes desdém em alguns olhos quando falo dela, olhos que me vêm com ar de indignação, julgando-me um tanto ou quanto louca, apenas porque a vejo de perto. Trata apenas e só uma negação de cada um, uma protecção, tenho para mim, daquelas que como tantas outras, não nos tiram a realidade, mas a capacidade de lidar com ela. Vou começar a lê-lo já. Entre outros necessários, mas já.

Broas



Era hoje, mais dia, menos dia. O forno era aquecido previamente por Gaiata, uma velha que nos vendia peixe fresco todos os dias, vindo directo do mar, dizia ela. Na banca de mármore velho, repousavam de olho ainda vivo, numa inconsonância de sentidos, carapaus, sardinhas, chicharros, xaputas. O forno ficava lá atrás da peixaria, e era rodeado de mesas altas de madeira, onde se tendiam massas e se abençoava pão. São Vicente te acrescente, São João te ponha a mão... O alguidar era de barro riscado a verde alface, e levava dentro uma massa, muito cheirosa e amarela, que eu gostava de lamber. Dali saiam bolinhas pequenas, que se pincelavam posteriormente com ovo, tarefa minha, logo após se depositarem num tabuleiro destinado ao efeito. O forno abria-se, e entravam lá para dentro, para uns minutos depois, saírem em forma de broa de ovo, as minhas favoritas de sempre. Um dia, em passeio por terrenos da velha Gaiata, em tempos de feitura dos bolos, descobri uma pele de cobra dependurada por detrás de uma porta. Julguei-a num instante bruxa, velhaca, má, até porque as vestes condiziam com os livros de histórias que me contavam. Enrolei a pobre numa história sem fim, dentro da minha imaginação fértil de criança. Ganhei coragem e em segredo, perguntei a minha avó, que me contou que a pele era para fazer chá, uma mezinha antiga, tratadora de dores e de males do corpo. Sosseguei. Afinal a velha não matava cobras, apenas lhes apanhava a pele, caída no chão, aquando da muda. Nos entretantos, devo ter comido uma broa doce e quente, dada pelas mãos velhas da minha avó, com o intuito de me acalmar o espírito. Duravam macias muitos dias, cobertas com um pano grosso, e eu comia-as molhadas em leite quente. O chá da cobra, nunca o quis provar.

sábado, 29 de outubro de 2011

Rouxinol

A livraria estava mais do que aberta quando lhe entrei dentro. Por entre uns e outros que queria muito, fiquei-me por um necessário. Não fora a crise, e outros senãos, e teriam vindo uns quantos. Clarabóia, Sempre vivemos num Castelo, A metamorfose, uma vergonha, nunca ter sido lido por mim. Mas pronto, ficaram. Não existem grandes territórios capazes de me fazer esquecer o tempo, talvez por isso também, tanto os aprecie. O tempo é uma coisa um tanto ou quanto estranha que me rouba a toda a hora. Um dia, passo por ele sem ele dar conta, vão ver, e quando ele der por isso, estou no momento que me apetecer, até quando me apetecer. Depois saio, e volto à realidade, julgo que não saberia viver sem ela. É minha, é a vida. Chegou a hora do fecho, num ápice, um pequeno instante. Depois o vento estava forte, e sacudiu-me o cabelo aos caracóis teimosos. Um cabelo liso é que me ia bem, sempre arrumado, sem me dar chatices, mas não. É a vida, outra vez. Entretanto ingeri qualquer coisa semelhante a um arroz cremoso, muito saboroso. A calçada ia dando cabo dos meus pequenos sapatos, escolhidos a dedo para aquele vestidinho preto, daqueles com os quais nunca nos comprometemos. Sobreviveram, com um mísero arranhão que tentou ser forte, mas não foi. Passou de raspão, e julga-se gente, mas já está disfarçado. A seguir, e após correr, ouvi gente a cantar. Uns lá em cima, outros no meio da sala, um qualquer rouxinol cá dentro do meu peito. De vez em quanto, cantava mais forte, e eu sentia um arrepio na espinha. Depois sossegava, uns minutos pequenos, para voltar a assobiar outra vez. E outra, e outra. Embrulhei-me na manta quente, que a noite estava fria. Na saída, vindo não sei de onde, o pássaro ainda cantava. É a vida, é a minha.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

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Gosto muito da visão optimista, cheguei até a pensar seguir esta perspectiva de abordagem psicológica, como principio básico de acção. O seguimento da proactividade, em junção com a capacidade de ver positivo, leva-nos longe, e ajuda-nos num impulso forte, a seguir em frente. Não descreio esta ideia, gosto dela, rege-me de perto. Porém, no meu dia a dia, o desencanto torna-se por vezes grande. Não que goste do estado, nem sequer me entrego a ele, pois mantenho a vontade de seguir, independentemente do que encontro na humanidade. Mas ainda assim, seria mais fácil se na envolta não encontrasse a toda a hora desencantamentos, amargos de boca, gentes tacanhas. E com gente tacanha não denuncio algum mal jeitoso pouco abençoado, mas sim a tacanhice interna, daquela que tem cheiro nauseabundo e intenso. Dai eu ficar tão feliz quando encontro alguém que me vale a pena. Que anda cá com o coração aberto e não com as mãos, que são muito mais fáceis de abrir, é bem certo. E que se dá ao invés de pedir. E que respeita o outro, e o entende. Gente que é gente, no fundo é isso, e não pessoas que se deixam ficar na mercê do fácil, do bom, e se esquecem de que aqui vivemos todos, quer queiramos, quer não. E todos somos todos. Todos, todos, que nunca é demais repetir. E que muito embora os objectivos possam ser dispares, se houvesse a possibilidade de todos nos respeitarmos, a coisa seria tão mais fácil. Hoje roubaram-me a vez. Do alto do meu nariz, um tanto ou quanto levantado, estive quase a agir, mas optei por não fazê-lo. Podem julgar-me parva, mas não o façam, que coisa que não me teria custado nadinha ao espírito, acreditem, era chamar a pessoa até à vez dela. Cada um tem a sua, e isso a mim não me faz qualquer confusão. Ainda assim não o fiz. Deixei-a na sua postura de vã esperteza, quem sabe até se tal acto, não vai constituir o seu gozo do dia. No fundo, egoisticamente, bem sei. Fiquei com aquela sensação que adoro, de fazer-me de parva sem o ser. Gosto mesmo muito. Nisto esperei mais um bocadinho, pela minha vez que era a dela, e fui pensando. Na minha dramática conclusão de que não teremos remédio nunca.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Das agruras dos dias. De uns e de outros.

Filho: Mãe, compras-me um Bakugan?
Mãe: Hum, hoje não pode ser, ontem foi o fato térmico para o futebol, já sabes que tudo custa muito filho...
Filho: Pois, tens razão. Hoje no desporto também me fartei de transpirar, e também me custou tanto mãe...

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Novas da economia

Todos nós temos manias. Umas mais estranhas, umas mais óbvias, umas normais, outras nem por isso. Essa mania, tem um nome um tanto ou quanto suspeito, podendo ser indexada a cenários doentios, ligados a problemáticas mais sérias. Não é o caso que por ora falo. Falo das óbvias, do dia a dia, das tais que todos temos. Tenho algumas, como por exemplo, o hábito de imaginar pessoas que leio ou oiço. Não que lhe queira entrar na intimidade, não vou tão longe, que de resto, intimidades que não são minhas não me pertencem de todo, chego até a fugir-lhes, se mas quiserem impingir. Às vezes acontece. Mas imagino o aspecto físico, e isso acontece-me imenso com os locutores de rádio que oiço sem nunca ter visto. Uma figura que me intriga pelo esplendor da voz é o Camilo Lourenço, que não sendo locutor de rádio, nos brinda através dela, com a sua boa voz. Recordo-me de ter lido recentemente num dos blogues que sigo, que se trata de uma figura caricata e sem graça, mas eu não quero acreditar nisso. Bem sei que nos fala de economia, coisa completamente desprezível nos dias que toca, boa para ser falada por ministros enfezados e carrancudos, e não por outras pessoas, que muito embora possam ser peritas na matéria, não deveriam perder os seus dotes por tamanhas atrocidades. Faz-lhes mal, pode até deixa-los roucos. Mas pronto, o Senhor gosta de falar, e eu, apesar de tudo, gosto de ouvi-lo. Já tenho até por hábito, demorar-me um bocadinho mais na chegada ao emprego, a fim de puder escutá-lo calmamente, coisa que acontece sempre mais ou menos no mesmo sítio. Graças a ele, sou conhecedora profunda das desgraças que nos assolam de perto. Mas chegam-me a doce voz, coisa que convenhamos, é muito mais interessante do que outros meios que se vêm por aí. Agora aquela parte de acreditar que o Camilo Lourenço não tem graça nenhuma, é que desculpem-me, mas não é para mim. Na minha óptica, será sempre o Senhor que me embala a crise. O resto, é conversa.

E que pena tenho de não estar lá...

http://www.publico.pt/Cultura/semana-de-jose-saramago-arranca-hoje-em-nova-iorque-1518271

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sapatos

O preceito era sempre igual, como todos os preceitos. De manhã cedo, e logo após a feitura da barba com uma lâmina recarregável, molhada vezes sem conta no lavatório branco de mármore polido, envergava uma camisa impecavelmente engomada, composta por uma gravata de nó fino. Na cabeça parca em cabelos, colocava uma boina aos quadradinhos, de bom corte e material, que ajudavam a compor a postura, sempre irrepreensível. A última coisa, invariavelmente, era o sapato, polido até brilhar como um espelho limpo. Lá em casa existia um armário de utensílios para tal tarefa, digno de um bom sapateiro. Escovas, graxas de todas as cores, panos de lustro, auto brilhantes, e um outro, realizado sobre sabedoria antiga, que sempre me intrigou. Uma esponja, embrulhada numa meia de rede fina, que após toda a panóplia de execuções, esfregava os sapatos com força, e os deixava portadores de um brilho sem igual. Os sapatos, dizia-me, devem estar sempre bem engraxados. Podemos até estar impecáveis, que se o sapato não acompanhar, todo o resto fica estragado. Guardei-lhe este ensinamento para sempre, sendo que tenho até lá em casa, uma esponja embrulhada em meia de rede. Tenho dias que cumpro os passos todos. Tenho outros, quando o tempo me foge, como hoje e como em tantos, em que apanho a meia já encardida, mas ainda assim milagrosa, e esfrego o sapato até ele brilhar. E brilha, tal e qual brilhava o do meu avô.

domingo, 23 de outubro de 2011

Ide, sim?

Pela cidade passeiam-se por ora uma série de jovens, magros e enfiados, ainda muito novos. Chegou a hora de saírem de suas casas, e enveredarem por um ensino mais técnico, longe dos olhos do pais. Manda a tradição, um pouco manienta, a julgar-se grande, mas ainda muito prematura, que ponham um penico colorido na cabeça, e um avental branco a tapar-lhes as vestes largas, normalmente compostas de t-shirt e calças de treino. Precisam de permanecer assim até Janeiro, ou algo do género, não sei bem. Sei só que é muito. Durante os dias, encontro-os amiúde por aí. Contam pedras na calçada, dançam para que chova, cantam nas madrugadas frias do Outono. Sobem-me as escadas do prédio, mesmo para a porta do lado. Alguns e algumas, que sorriem, correm, gritam. Trazem-me memórias as pestes. Não percebo, nem nunca percebi muito bem, o rancor que encontro em alguns olhares que os miram. Já em tempos vislumbrei este sentimento, em olhos bem próximos, que não gostavam de ver sorrir. Quase parece, que por a vida se tornar pesada, com os anos, as agruras, as desgraças, estas se deviam estender a toda a gente, a fim de que não houvesse permissão para tantas alegrias. Chego a julgar, que de tanto azedume, e a terem poder de mudança, escolheriam o mal ao invés do bem. Apre. Vão de retro, pode ser?

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Quando ali atrás, num poste ao qual dei o nome de Crises Ocultas, falei do Homem e da facilidade de entrar em caminhos perigosos, numa visão aliada à crise, falava exactamente no que poderia por ora falar, numa abordagem subjugada à morte da semana. Em outra dimensão, entramos exactamente no mesmo princípio. Não é difícil a passagem. A fronteira é ténue, volto a dizê-lo. E o nosso instinto animal é uma coisa perigosa, que se encontra normalmente adormecida pelos meandros da sociedade. Mas pode acordar. E quando acorda deixa-nos à mercê de terrenos perigosíssimos. E o que de fora condenamos, olhamos de revés, e julgamos impróprio, poderia constituir outra realidade, se a nós nos tocasse de perto. Sim, mas eu também quero acreditar que não.

O que tem de ser

Existem coisas que temos dificuldade em iniciar. Processos que não conhecemos, que julgamos menos bons, e dos quais gostamos de fugir. Por vezes nem bem conhecemos o porquê, pois nem sequer trata nenhum absurdo, trata, apenas e só, algo que nos assusta ou que nos afasta. A vida por vezes parece perceber isso, e eis que nos coloca em situações que nos forçam a exercer esse mesmo comportamento, do qual sempre fugimos. Podemos, é certo, reiterar o sentimento inicial. Mas cada vez mais me convenço, de que na maioria das vezes, nos impulsiona para terrenos não antes percorridos, apenas por receio do desconhecido, da quebra, da perca. Mas que não deixam de ser caminhos perfeitamente transitáveis. Sou do nosso arbítrio, nada ligada a realidades inacessíveis a nós. Porém, esta capacidade forte da vida, externa a nós, fascina-me. E aligeira-me o pragmatismo. No seu percurso habitual, regido não sei por quem, trata de nos levar contra a nossa vontade. É o que tem que ser, que afinal de contas existe. E não é necessariamente mau.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Crise é...

Encontrar na porta de uma loja de roupa, um tapete de casa de banho.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Assincronias, princípios de fins, ou coisas que se podiam evitar...

Ele- O que é que tens?
Ela- Nada.
Ele- A sério?
Ela- Não.
Ele- Então?
Ela (claro)- Então o quê?

Logo depois...

Ela- Não estou bem, é isso.
Ele- ?
Ela- Problemas...
Ele(claro)- Não sejas parva. Isso passa.

Pesos

Era hábito o sorriso sair-lhe do rosto. Era pouco frequente a má disposição, que surgia apenas dois ou três dias durante o mês, uma sina que lhe tinham dado à nascença, capaz o suficiente para a inquietar, coisa que nem é bem dela. Nasceu Mulher. Sem saber como, que a vida tem interiores ocultos, muito próprios e inacessíveis para nós, cresceu inundada de uma certa áurea que a mantinha protegida, julgava ela, uma vez que tinha em si reunidas vontades suficientes para dar a volta a todo e qualquer sentimento que tivesse a ousadia de lhe entrar pelo corpo. Os que aproveitava para si, os que lhe davam alegria e bem estar, tentava acolhe-lhos, bem trata-los, acomoda-los, deixa-los entrar sem qualquer tipo de limitação e guarda-los para sempre. Os outros, que também os havia, tratava a todo o custo de expulsar, fosse pela boca, fosse pelos poros, fosse por que sítio fosse. Houve um dia em que porém se estranhou. Lá dentro daquele corpo amarfanhado pelo tempo, começou a encontrar intrusos que não conhecia, bichos pequenos que não conseguia expulsar, e que a fustigavam devagarinho, todos em conjunto, deixando-a num estado de agitação importante. Não percebeu o que se passava, mas tentou a todo o custo descobrir. A pouco e pouco, encontrou perdidos nas entranhas do seu corpo, todos os males que acreditava ter expulsado. Os desgostos, a desavenças, as ingratidões, que tão bem julgava abater, estavam todos ali acomodados, mesmo ao lado das boas causas, numa espera tranquila, discreta, imperceptível. Tinham querido acordar. Como em todas as coisas neste mundo, qualquer que seja o âmbito ou a dimensão, quando a carga se acentua, o peso é mais forte. Temos portanto o uso de dividir tudo em bocadinhos leves, a fim de aligeirar as costas, fracas, limitadas. Por vezes, e num terrível engano, cremos consegui-lo na perfeição.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

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O livro ali em baixo está um bocado grande. Não me levem a mal, não sou nada dada a informáticas, e não consegui encolhe-lo...

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Parece que é de há muito, mas só saiu agora. Andou perdido, e em tempos, nem sequer quiseram edita-lo. O escritor chegou a zangar-se e a deixar de escrever. Ele há com cada uma...

Crises ocultas

A fronteira é tão pequena que chego a assustar-me. Nem devia, bem sei, que o susto é uma grandeza sentimental forte e agressiva, que de nada nos vale em termos de solução de problemas. Poderá em alguns âmbitos mover mentes e passos, mas ainda assim, e na questão que por ora abordo, em nada consegue agir, pelo que o considero de facto inútil, sendo que o melhor que faria seria nem me sujeitar. Admito. Mas ainda assim, e de tanto sentir essa ligeireza de limites, fico um tanto ou quanto impotente. Talvez assustada, é isso. Temos dentro uma enorme proximidade entre o bom e o mau, o razoável e o exagerado, o inofensivo e o perigosos. Todos somos potencialmente ofensivos, em determinadas circunstâncias, e por muito que tenhamos arestas bem definidas. Uns mais depressa do que outros, é um facto. Mas a nossa natureza, defensiva, vingadora, dota-nos a todos de um instinto de sobrevivência suficientemente forte, para que em caso de necessidade, raiva ou revolta, sejamos capazes do que numa situação normal seria impensável. Todos nós. Isto estende-se a grandes dimensionalidades da nossa existência, que não vêm por ora ao caso, não por não serem importantes, mas porque hoje me preocupam outras questões. Hoje preocupa-me especialmente esta situação, esta facilidade de transbordo, quando a mesma se analisa à luz do estado de dificuldade em que se encontra o País. As atitudes cometidas pelos cidadãos poderão, sem entrar nos exageros que atrás refiro, começarem a integrar-se em patamares não desejáveis, numa tentativa de, desse modo, se superarem dificuldades. O que não se faria, pode tornar-se banal. Este caminho, aguçado por alguma ausência de objectivos e valores que já venho notando há tempo nos nossos jovens, só pode preocupar-me. A par e passo com a crise económica, perturba-me esta. Não tão evidente, mas tão ou mais assustadora.

sábado, 15 de outubro de 2011

Austeridade

As medidas de austeridade têm de ser tomadas, sim senhora, que o País precisa de se arribar. Não sou funcionária pública, logo trabalho só mais meia hora por dia, mais ivas e afinidades, mas continuo a receber subsídios. Se calhar sou suspeita para falar, mas arrisco. Não ando em excessos de preocupação, mas penso muito sobre a actual situação do País. Compro menos coisas, não tenho outro remédio, que os tostões não são para esbanjar. Tenho porém muita pena por uma coisa. Que não se consiga aplicar medidas de austeridade às mentes das pessoas. Umas medidas severas, capazes de incutir nos espíritos respeito, bom senso, capacidade de esforço. Que possibilitasse, sem ginásticas do governo, que os necessitados fossem só mesmo os necessitados, e que não fossem os necessitados e mais muitos. Que possibilitassem às pessoas, sem hipóteses prévias de aprenderem um ofício, que o aprendessem, mas que depois não aprendessem outro e mais outro e ainda outro, apenas para serem muitos e porque é muito mais fácil ir à escola, do que ir ao emprego. Que permitisse a estrondosa capacidade de usufruir de um subsídio de desemprego ou de inserção, apenas e só enquanto dele eventualmente carecessem, mas que assim que possível, quando surge uma oportunidade, que pode nem ser bem o que se quer, mas é qualquer coisa, as dotasse de capacidade de tomar as mãos ao caminho e aproveitar, que o descanso ocioso não dá sustento a ninguém. E que permitisse ainda que os funcionários, públicos e sem sê-lo, se empenhassem verdadeiramente naquilo que fazem, e não precisassem do café das dez, do das três e das conversas telefónicas na hora do labor, e do telefone do trabalho. E que permitissem também que a honestidade regesse as avaliações, as progressões e os prémios de mérito, para aqueles que verdadeiramente têm mérito, e não para os que lambem botas muito bem. Ou são bonitos, ou jeitosos. E permitisse ainda que as pessoas fossem sérias nos juízos que fazem, quando têm que os fazer. E decentes, imparciais. Entre muitas outras do género. E isto tudo aliado a algumas outras medidas, de carácter mais prático, que continuam a ser esquecidas, como se não fossem importantes. E aí sim, talvez seguíssemos um caminho coerente. E não o caminho dos coitadinhos que gostam muito de o ser, sem desprimor dos que o são mesmo, claro. Não subestimo a gravidade da crise, como fazê-lo? Encaro-a, respeito-a, faz-me lembrar a que ouvi em tempos, pela boca dos meus avós. Percebo-a muito mais abrangente do que aquilo de que aqui falo. Mas ainda assim, nada me convence de que cota parte da culpa, não está centrada na nossa mente, na nossa postura. Pena tenho, volto a dizê-lo, que a austeridade não abranja tanto.

Desejos

A minha vizinha de baixo faz sopa de feijão com chouriço. Sei disso, porque lhe passo na porta e lhe sinto o cheiro, um cheiro característico, forte e salgado, apetitoso. Por vezes, chega-me até à entrada de casa, seguindo a tendência da subida que os cheiros usam. Gosto muito de sopa de feijão com chouriço. Daqueles chouriços de carne bem temperados, e com feijocas vermelhas a boiar no caldo, grosso e saboroso. Há muito que não como uma sopa de feijão com chouriço. Se a minha vizinha não fosse uma senhora chata, das que me escuta os passos e me tenta controlar as entradas, um dia, pedia-lhe um prato. Mas ela é, e eu não gosto nada disso. Tenho dias em que quase a amaldiçoou, quando me espera na soleira da porta, e me questiona porque não me calcei mais tarde, imediatamente antes de sair de casa, e pus nos pés os saltos precocemente, para lhe atormentar o espírito. Julgo que a velha tem qualquer coisa de bruxa. Descobriu-me o fraco, e retribui-me a maldição em forma de desejo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Outono

Há dias em que gostava muito de acordar em outro lugar. Outro lugar que não aquelas quatro paredes, salpicadas de pingos de bolor preto e frestas acentuadas. Pela janela, gostaria de ver outra coisa senão umas oliveiras sem folhas e sem frutos, mirradas pelo sol de Outono, quase tanto como ela mesma. O sol de Outono tem na natureza, mais ou menos o mesmo efeito que o Outono da vida trás aos corpos, um ressequimento acentuado e interno, que pode até passar despercebido por muito tempo, mas que quando aparece, quando verdadeiramente se deixa transparecer, ganha um fulgor forte, impossível de negar ou de esconder. Ali já houve vida. Ainda se lembra, tal e qual como se fosse hoje, das oliveiras onde colhia azeitonas verdes e pretas, que subiam uma encosta em escadinha, seguidas umas nas outras, respeitando o preceito da distância considerada indicada para que o crescimento se desse de feição. Era pequena, e dona de um balde preto e deformado pelo sol, que lhe era entregue em mão, com a responsabilidade de o fazer cheio, por aquelas que encontrasse caídas no chão, mas ainda na sua devida saúde. Os panos verdes guardavam a lida das mulheres, que com umas varas grandes sacudiam a oliveira, e deixavam cair por terra muito daquele precioso fruto, que depois de moído, nos tempera o pão e o bacalhau. Se ao menos fosse uma dessas, a que da janela se vê, e poderia até gostar de ali acordar, que era de imediato transportada para as tardes já frias de Novembro, vividas em tempos, mas não. A sua avó, já há muito lhe disse, que não se pode nunca voltar atrás.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Conselhos

Aconselho vivamente, a quem gostava do escritor. E sou até capaz de aconselhar, a quem não gostava assim tanto.

Mãos

Ainda me lembro de a ver a lavar cabeças, uma das quais a minha, quando eu me aventurava ao Salão da Cidália, coisa rara, exercida apenas nos momentos de maior precisão. Nunca fui muito dada a essas coisas, falta-me o tempo, a paciência, ou talvez arranje sempre algo mais interessante para fazer. Tinha uns cabelos compridos e pretos, e saia sempre mais ou menos à mesma hora, na direcção da pastelaria da esquina, que dentro, numa mesa redonda, muito pequena e sem graça, tinha um homem que a esperava. Pedia um café e ali ficava por uns quinze minutos, enquanto recebia do amor da sua vida umas festas no cabelo, que ironicamente, tinha um ar de desprezo notável. Ambos sorriam. Soube-lhe entretanto do casamento, que nos pequenos sítios do mundo, mortes e uniões são partilhas do povo, dificilmente passíveis de se darem na descrição. Surgiram-lhe os filhos, e hoje é padeira na padaria da esquina. Mantém o mesmo cabelo, o mesmo corpo, acentuou-se-lhe o ar cansado, desapareceu a esperança. O marido frequenta agora, de quando em vez, o sítio onde trabalha, mas ela não se senta, não pode fazê-lo. Por vezes, ele espera-a na entrada da porta, daquelas modernas, que abrem automaticamente, e seguem os dois, sem qualquer contacto ou cumprimento. Os pequenos saltitam na frente, enquanto o olhar vigilante dos pais se centra neles. São a alegria das suas vidas. O resto, os risos, os toques, parecem ter ficado esquecidos, imersos num tempo distante, quiçá já perdido. No outro dia, juro que o vi tentar dar-lhe a mão. No exacto momento em que ela levanta a dela, e sacode o cabelo.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Admirações

Admito questões de mau feitio congénito, ou quiçá, algum recalcamento, aliado ao que a seguir descrevo. Mas confesso que não simpatizo nada, com o facto de me dizerem que admiram, quem, tal como eu, tem paciência para aturar velhos. Como se fosse, nem sei bem, uma qualquer dotação que uns temos e outros não, isto porque ninguém os suporta. Aos velhos, claro. Neste mundo e a bem ser, deveríamos todos admirar-nos uns aos outros. Eu por exemplo, também deveria admirar o carteiro que me admira a paciência, e que se passeia todos os dias na sua mota, faça chuva ou sol, a distribuir cartas e a entrar dentro das casas ou sítios onde pode, a fim de tecer considerações forçadas, que julga enaltecerem-lhe a imagem. Mas de facto, tenho de admitir que não admiro.

Livros de auto-ajuda

Nas minhas incursões em livrarias, constato com frequência, que cada vez mais nascem livros de auto ajuda, que supostamente devem ter um efeito direccionado para a mente da pessoa, a fim de lhe trabalhar a postura, a atitude, a forma de ver a realidade. Não vale este meu parecer mais do que uma opinião, que eu mesma chego a discutir. Mas a meu ver, não passam de livros mornos, que não atingem nem de perto nem de longe o objectivo a que se propõem. Que nos livros podemos encontrar muitas das vezes, histórias de vida importantes, de onde retiramos isto ou aquilo que a nós bem se aplica, faz-me sentido, no patamar da partilha de experiências, do crescimento social. Agora um conjunto de conselhos, muitas das vezes pessoais, transformados num meio para que se aliviem processamentos mentais, individuais e únicos, soa-me sempre a abuso. Por outro lado, e confrontando mais uma vez a debilidade deste meu parecer, encontro-os amiúde, em algumas estantes de algumas casas, num lugar de destaque. Nessas alturas, volto sempre a questionar esta minha visão, e reconsidero a sua real utilidade, senão para mim, para qualquer outro alguém. Posso eu julga-los fracos, mas poderá haver quem os considere pertinentes, e os coloque num lugar de destaque, suportando neles as suas decisões. No fundo, e nos caminhos dos dias, o importante nem será o meio. Também não julgo que seja apenas o fim, independente dos trajectos e do respeito pelo outro. Não, isso nunca. Cada vez mais, e à medida que o tempo passa, julgo que o que importa mesmo é o sentimento que se vai experimentando até lá chegar. Nem sei bem onde, mas honestamente, e para minha tranquilidade interna, julgo que vou para algum lado. Nunca me senti bem a caminhar no vazio.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Filhos da lua

Todas as manhãs o trajecto era igual. Abria a porta, recolhia o pão deixado pelo padeiro no saco predestinado a esse efeito, onde se podia ler, em bordado manual, de um preceito indescritível, pão, e iniciava assim o seu dia. Sempre foi prendada, que sua avó, Dona Maria do Céu, fez questão de lhe ensinar todas as artes de bordadeira, desde os Arraiolos, ao ponto pé de flor, passando pelo cruz e pela máquina, despachada, quase perfeita, mas muito menos admirada, que trabalho para ser valioso, era das mãos ou do corpo que deveria nascer, tal e qual nasce um bom cozido, ou qualquer outra boa obra. Ela aprendeu com gosto, chegando até a saber fazer tapetes entrançados, arte essa ensinada pela sua bisavó, que passava tardes a fio a entrelaçar tiras de pano, enquanto o seu bisavô, fiel agricultor, se entretinha com o Almanaque Borda D'água, trazido para a aldeia pelas mãos do Pitrolino, que o vendia a 25 tostões. Lembra-se bem desses tempos, e recorda amiúde a vida dos seus bisavós. A sala onde ambos se descansavam na hora da sesta, tinha um soalho feito de madeira esburacada, onde os ratos, de quando em vez, davam um ar de sua graça, ou não fora cheirar-lhe a sementes, guardadas em sacos de serapilheira, prontas para serem lidadas. Dali daquela casa nasceram uns cinco filhos, todos homens, muito embora o velho tentasse o feitiço da lua, saber antigo e segundo consta verdadeiro, que gostaria muito de vos fazer chegar, com vista a que o aproveitassem para o que bem entendessem, coisa que com muita pena minha não vou poder fazer, que lhe desconheço o preceito. Tal como afinal o velho, dado que de nada lhe valeu. No entanto, e segundo ouvi, por bocas antigas e sabedoras, tenho para mim que não lhe deve ter dado o devido experimento, que diz quem sabe, que quando tentado as vezes suficientes, para que a lua se envolva ao processo, o efeito surge quase sem se dar por isso, numa qualquer noite em que na janela entra alguma luz mais intensa, capaz de cortar o frio da noite e sossegar o calor do quarto. Não fosse por coisas, e ela ainda um dia se aventurava. Seria Alice, sem qualquer dúvida. O nome mais doce do mundo.

Stress

Gosto muito quando determinadas pessoas, e perante alguma assertividade mais marcada da minha parte, concluem que estou stressada. De facto, nunca usei de tal artimanha, que é capaz de resultar na perfeição em algumas gentes. Estou tentada a experimentar. Pode ser que consiga incutir aquele bichinho da culpa, que tentam depositar no meu corpo. Ou consigo, ou deixo o meu interlocutor exactamente como eu estou agora.

domingo, 9 de outubro de 2011

Ignorância

Por vezes repugnam-me certos comportamentos. Como se em mim residisse o direito à indignação sob as atitudes alheias, ainda que me toquem de perto. Normalmente nessas alturas, realizo um exercício interno de utilidade considerável, e ultrapasso a repulsa. É que por norma, encontro sempre elementos justificativos o suficiente, para a execução de determinadas atitudes. Que são necessárias aquela pessoa, fazem-lhe falta ao equilíbrio. Quanto mais não seja, e em caso extremo, a ignorância.

Constatações

Tenho o estranho hábito de viver na reserva. Não uma reserva social, de ausência ou de afastamento, posso até dizer, sem qualquer fuga à verdade, e para a quem isso possa interessar, que sou extremamente sociável. Sempre fui. Desde pequena, e ainda na aldeia, sempre me dei a toda a gente, desde os colegas de escola, às velhas que ordenhavam vacas, e às quais eu levava o balde de alumínio, seguro com força pela asa de arame e madeira, sob as minhas mãos magras e frágeis. Todas gostavam de mim, e eu garanto-vos que gostava delas, e daquele cheiro entre o azedo e o adocicado, que lhes emanava do rosto, do corpo, da roupa. Gostava também muito de toda a vizinhança, tendo sido adoptada dias infinitos, por algumas das solteironas do lugar, que me levavam em passeios formidáveis, que muito me agradavam. Nunca fui género acanhada, reservada, fugidia. Fui crescendo, mantendo a atitude, e hoje continuo igual, mas pode até parecer que não. Simplesmente porque agora, e enquanto adulta, vivo mais para dentro, um tanto ou quanto mais resguardada. Porque existem coisas que não me apetece partilhar. Isto começou há tempos, quando comecei a perceber que o mundo é um sítio cruel e relativo. Cruel nas gentes, relativo na essência. O que quero dizer, e para que me faça entender, é mais ou menos o seguinte; as pessoas, na sua generalidade, são um tanto ou quanto egoístas. Aproximam-se por vezes, para noutras se afastarem, normalmente, de acordo com as necessidades. Encontro excepções, claro, que me confirmam a regra, mas não tantas quanto as que eu gostaria. Esta reserva, para os que me lêem, e logo após esta minha explicação, entrará por certo no âmbito da minha auto protecção, mas não creio nisso. Centra-se essencialmente, na relatividade da qual também falei. Já encarei a dubiedade do ser humano e do mundo. O que agora se verifica, daqui a pouco já não. Naturalmente. Não constitui portanto uma protecção, mas uma simples constatação de fenómenos.

sábado, 8 de outubro de 2011

35...

Não sei se é um número bonito se não. Mas a partir de hoje, e durante um ano, é o meu.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Mulheres

Não é um orgulho feminista que sinto, ao olhar as galardoadas com o Nobel da Paz. É um orgulho simples e claro, centrado no óbvio. Elas são grandes, que o são de facto. Lutam por causas importantes. Causas que porém, nem deveriam existir. Temo que nunca lá chegaremos. Não tenho dúvidas de que a chegarmos, será fora da minha era. Muito fora.

A Duquesa

Ontem vislumbrei umas coisas sobre a Duquesa de Alba. A Senhora, de aspecto um tanto ou quanto estranho, encontrou o amor aos oitenta e cinco, vindo de um corpo vinte e cinco anos mais novo. Um amor ainda de saúde, poderemos dizer. Acautelou a prol, e julgou possível cumprir o que lhe ia na vontade. E cumpriu. Se a digna Duquesa está a ser vítima de um qualquer embuste, capaz de a deixar na rua da amargura (no que confere ao coração, está mais do que visto que seria aí) não sei, e poderá ela também não saber. Mas se está feliz, não consigo deixar de a achar uma grande Mulher. Esta ideia pequenina, que quase todos temos dentro, de que a sociedade é que há-de escolher os nossos caminhos, carece de ser contrariada. Seja por quem for. Normalmente, é por quem seja capaz disso. Um bem haja à Duquesa. E que se calem as vozes alheias, de gente que ousa criticar, sem nunca conseguir ter a coragem de se evidenciar. Isso sim, é um problema.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Fascínios


As casas velhas e grandes causam-me um fascínio inexplicável. Provavelmente, e a sentar-me num divã psicanalítico, denunciaria um conjunto sério de recalcamentos, quem sabe de vidas passadas, inundados de cheiro a mofo e a naftalina. Basta passar-lhe por fora, na beira de uma qualquer estrada, para que as imagine por dentro. Hoje passei por uma, cor de rosa forte, de primeiro andar. E com um alpendre, que é outra das coisas que me encanta, segurado a traves de madeira grossa. Imaginei-a recheada de baús carunchosos, onde repousam roupas antigas, quem sabe até chapéus. Algumas delas estarão certamente comidas por traças, cravejadinhas de buracos pequeninos e incertos. As cómodas dos quartos, de espelhos grandes e trabalhados, deverão estar no seu sítio de sempre, encostadas à parede, defronte à cama, entre as cadeiras estofadas a veludo de cor forte. Na cozinha existirá por certo um fogão a lenha, que em tempos deixou na mesa da família sopas de feijão e chouriço. Essa mesa deverá ser comprida e larga, que a gente era muita, e sentava-se com certeza em bancos inteiriços, seguros a ferros entrelaçados. Na cave, uma adega, onde se guardava azeite e vinho, e onde o cheiro da humidade nos entra pelo nariz, chegando a todos os recantos do corpo. Gostei muito da história da família desta casa, que nem sei quem era, nem se terminava em Magalhães ou em Baptista. Não me importa isso. Todos os dias, a caminho do trabalho, passo por outra que me encanta. Tem na frente uma ceara enorme, e lá ao fundo, numa imensidão sem igual, repousa a dita, com uma porta principal de madeira escura, e com janelas corridinhas ao longo da parede, de um lado e do outro. A história desta família fica para outro dia, mas está prometida. Encaixo esta minha admiração, nos fenómenos um tanto ou quanto estranhos da minha existência. Na prática, nunca gostei de casas grandes, exageradas. Nunca na vida vou ter uma, por motivos diversos. Admiro estas antiguidades e grandiosidades à distância. Não as ambiciono para mim. Este outro facto estranho de imaginar o que lá se passou, deve ter a ver com a minha vocação constante em entrar dentro seja do que for. É um vício, um passatempo, como outro qualquer.

...

E eu sei que hoje é 5 de Outubro e era dia de falar de outras coisas. Olhem, paciência.

Da presença, num post um tanto ou quanto piroso ( fica o aviso, não vão querer saltar)

Sempre tive um bocado de despeito por aqueles homens que só acordam para a vida, quando sentem a mulher menos bem. No fundo, homens que estão apenas em alguma parte específica do caminho, como se na restante envergadura das horas, que enfrentamos de cara alegre, mesmo com carga significativa, não precisássemos de sorrisos ou de atenção. Meus carros, atentai-me por favor. Precisamos sempre, tal como vocês precisam de outras coisas, ou desta também, depende. E quando por qualquer factor, de natureza ou outra, não precisamos muito, quanto mais não seja porque já nos habituamos a não tê-la, também não é quando estamos murchas que precisamos mais. O que precisamos nessas alturas, será, eventualmente, de paz, sossego e distância. E não de uma sarna que acorda de mês a mês, apenas porque treme por dentro, não vamos nós estar na beira de um ataque de nervos. Sim, porque não me convencem de que a vossa verdadeira preocupação é o nosso bem estar. Nunca é. Por isso, o que se me acende com estes acessos de zelo, é uma profunda repulsa que tenho por os membros que assim se regem ( Deixa-me cá pôr aqui, numa ressalva pré ataque, que existem outros, sei disso, e conheço muitos. Mas infelizmente, acho que não são a regra). Julgo que não custa assim tanto, ter o devido cuidado no que respeita ao outro. Mas se custa, felizmente, e caso não saibam, nos dias que correm as obrigações já não são o que eram. Já não se casa para sempre, e já não se fica pegado até à eternidade, só porque se levou a honra da moça. A malta é livre, e se não é, num instante se põe. Mas se a escolha é partilhar vidas, na mesma casa, na mesma barraca, na mesma ponte, ou onde for, o melhor será estarem presentes, que isso sim, vale a pena, e sei do que falo. Estarem atentos, apenas para quando o estado descamba, éh pá, não. Atentos estamos nas aulas, no trânsito, na missa, ou numa série de televisão. Dexter, ou outra, sei lá.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

...

Hoje foi um dia estranho. O tempo de manhã fugiu-me, o iogurte que usualmente como, com mel e sementes, sentada à janela, passou-me ao lado e fez-me falta. Agora o tempo sobra-me. O outro membro da casa, foi de mochila às costas para casa do pai, a sorrir dos pés à cabeça. Sorrio com ele, que está feliz. Ser grande também é isto. Viver com as faltas e com os sobejos. Muitas vezes misturados.

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Crescer

Sou completamente apaixonada pela nossa natureza, que conjuga em si um sem número de singularidades admiráveis, que vão desde a nossa capacidade de resistência, à nossa capacidade de amar, passando por muitas outras, onde me deleito, várias vezes, com tempo e paciência. Gosto também do crescimento e da aprendizagem que nos leva a ser gente, num intercâmbio dialógico e relacional, que nos transforma, a cada passo, em qualquer coisa sempre maior, sempre mais notável, sempre mais perfeita. Acumulamos cá dentro todas as conquistas, o que nos vai construir outra das minhas mais profundas idolatrações, a nossa individualidade interna. Uma das ambições que encerro, é conhecer a minha para além do limite do razoável, o que muito me ajudará nas tarefas dos dias, nos erros dos tempos, nas incertezas das coisas. Encontramos-nos envoltos a um mundo um tanto ou quanto cruel, que parece muitas das vezes querer testar as nossas forças, a nossa vontade em prosseguir, o nosso apetite interior. Poderia, ao invés disto, ceder-nos um terreno brando, mais ou menos coerente, de frestas pequenas, e sempre no mesmo sítio, para que assim nos movêssemos seguros, de crentes que estaríamos da candura dos caminhos. Mas assim não faz, que nos coloca com derradeira frequência em situações incertas, de fantasmas e terrores diversos, para além dos outros, disfarçados de bons, que nos agarram em braços, nos aninham e depois nos largam ao abandono, no sofrimento atroz que é a ausência, que sucede à pertença. Apesar de tudo, nos dias amargos sinto sempre um avanço tamanho, que me diz a mim mesma que se neles não caminhasse, se me retraísse e me acautelasse para das experiências me guardar, este eu que escondo dentro me estaria mais vedado, bem como vedada estaria, toda a minha destreza mental. Gosto dela. Tenho momentos árduos, muito secos e espinhosos, em que mudava coisas sem fim, e em que comandava a minha vida desprovida de coração, numa lógica que me salvaria de muitos dos males do mundo. Julgo até que nem sentia, levando ao extremo o apogeu da razão, prática e certa, sempre igual. Perderia porém a emoção que inunda todos estes caminhos que falo, e aos quais chamo crescer.

domingo, 2 de outubro de 2011

Cão

No Rossio voam pombos ensandecidos, enquanto no chão, julgando que a grandeza os assola, numa ignorância suprema da qual somos detentores, homens e mulheres espalham milho, para aqueles que, esses sim, são grandes e livres. Ela fica a olhar os pássaros, numa inveja real e forte, nada de um sentimento brando e passageiro, surgido no meio do nada, e por nada ser. Lembra logo ter lido Fernão Capelo Gaivota, uma das obras da sua vida, a par e passo com outras que lhe trazem grandes ensinamentos. Nem são muitas, são algumas, e são para sempre, frase que usa com cuidado e parcimónia, mas que aqui coloca com toda a tranquilidade. Para sempre. Para sempre. Olha por ali um bocado, com uns olhos atentos e abertos o suficiente, para perceber que naquele naco de Mundo, se encontram reunidas as condições para que realmente percebamos a nossa pequenez, perante uma série de cenários miseráveis, entre os quais o mendigo que se embrulha numa manta coberta de pelos de cão, seu fiel companheiro de todas as horas. Ambos, dono e cão, miram a dádiva do milho, com uns olhos estranhos, como se não pertencessem ali. Mas pertencem, só não são vistos. E olham sempre na mesma direcção. Continua e sobe o Chiado. Chegou a ter-lhe saudades, aquando do seu desaparecimento, na sequência do terrível incêndio que nos levou uma dos mais belos lugares de Lisboa. De um lado e do outro, encontra lojas recheadas de coisas bonitas, daquelas que toda a gente apraz pôr, porque vai parecer bem. Parecer bem é uma coisa muito boa. Lá no cimo, bem perto da igreja, um outro homem sentado e amarrotado dorme. Na envolta, tudo gira, e ninguém o vê, mas ele pertence ali. O mundo é um local estranho, povoado de gente que é vista, e de gente que ninguém vê. Este homem, não tinha cão. Deixou-lhe pena, e inflamou-lhe o sentido da desgraça. Quem tem um cão tem muita coisa. Quem o não tem, nem chega a saber o que lhe falta.

Freud

Li-lhe a Psicopatologia da Vida Quotidiana, a Interpretação dos Sonhos, a Teoria da Sexualidade. Todos eles rebuscados, subjugados a uma vertente profundamente psicanalítica, apaixonante para alguns, excessiva para outros. Detenho algumas das suas obras, e já as li segunda vez, porque acabam por me remeter para acontecimentos que ali explico e justifico, não constituindo porém a linha base onde trabalho. Não conhecia a existências das cartas de amor entre ele e a sua mulher, enquanto noivos, agora descobertas e prestes a serem publicadas em livro, onde parecem surgir algumas fragilidades sérias, aliadas ao mago do Inconsciente. Nem constitui este facto estranheza, que os mestres, todos eles, ainda que grandes, não deixam de ser gente. Mas não deixa de ser interessante o efeito de choque que nos trás essa descoberta. Enquanto pessoas, críticos, apaixonados pela arte, ou por qualquer outra grandeza terrena, ganhamos simpatias, ilusões, criamos gente que colocamos em algum local bem visível, ao qual acedemos de quando em vez, a fim de encontrarmos qualidades que gostamos, quiçá, que ambicionamos. Classificamos estas pessoas numa esfera onde a falha não tem grande cabimento, e onde tudo nos parece fluir, ou porque ela canta, ou porque pensa, ou porque inventa, ou simplesmente, porque gostamos dela. Uma necessidade que temos, que nos permite alguma idealização da perfeição, necessária para que caminhemos, vivamos, cresçamos. Por vezes, e ao longo do caminho, vamos invertendo os ídolos e as grandezas, de acordo com o nosso patamar de existência, mas nunca deixamos de admirar. Já extrapolei para além de Freud, mas foi para onde me remeteu a leitura, encontrada no Público de ontem, e que vale a pena, para os interessados. Não que eu o considere, e levando a linha que atrás refiro, excepcional. Devo-lhe o respeito pelas teorias que criou, com as quais tenho alguma simpatia, nada mais. Ainda assim, não o fazia inseguro, ciumento, enfim. Uma série de fenómenos internos que povoam o inconsciente do Mundo. Até o de Freud, que o conhecia como ninguém.

sábado, 1 de outubro de 2011

Desabafo

Já por cá falei delas, coisa que confesso, nem me apraz escrever, pelo que deixemos isso para quando for mesmo preciso, pode ser até que nem seja. Sinto-as amiúde, em qualquer esquina, por vezes inesperada. Dantes eram muitas, hoje, são cada vez menos, que esquina para me apanhar desprevenida, deverá ser munida de grandes capacidades, jeito e cuidado, e ainda assim, nunca é fácil. Mas existem dias, perdidos no meio dos outros habituais, onde deambulo mais em mim do que na envolta, em que ainda me dou desmesuradamente. Em que me preocupo, em que cuido, esquecendo de que o mundo, muitas das vezes, nada disso vê. É mais fácil apontar uma crítica forte, detectar um erro, enaltecer um ponto fraco, do que retribuir um sorriso, reconhecer, verdadeiramente, é bem que se diga, uma atenção. Sei disso, perfeitamente. Nem sequer sou de esperar grades retornos, acreditem, nem me dou à espera da troca. Gostaria apenas de sentir que todas as minhas acções têm sentido, e não apenas as menos boas, que parecem sempre maiores. E existem, claro, que sou gente.

Nesta sequência, neste caminho, sinto-as fortes, e chego por vezes a entristecer. Nos entretantos abro os olhos e reestabeleço, que já aprendi o suficiente para perceber que tudo o que espero do mundo, não devo esperar. São momentos ilusórios apenas.

Poderá, admito, o discurso parecer queixoso, exagerado e quase denunciador de alguém que vê um mundo escuro. Não é o caso, tem cores e ainda as sinto. Em algumas gentes, em alguns caminhos. Muitos ainda, poderei dizer, se não quero faltar à verdade. Mas vejo-o real e isso dói como um raio, e cansa. Talvez por isso, tenho momentos em que chego a invejar, quem ainda o vê de outra forma. E consegue mover-se leve, impávido e expectante, usando do que lhe dão, sem preocupações de maior. Não ganha bem estar, é um facto, mas também não ganha desilusões. E falo de injustiças, se é que ainda não tinham percebido.

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