terça-feira, 25 de outubro de 2011

Sapatos

O preceito era sempre igual, como todos os preceitos. De manhã cedo, e logo após a feitura da barba com uma lâmina recarregável, molhada vezes sem conta no lavatório branco de mármore polido, envergava uma camisa impecavelmente engomada, composta por uma gravata de nó fino. Na cabeça parca em cabelos, colocava uma boina aos quadradinhos, de bom corte e material, que ajudavam a compor a postura, sempre irrepreensível. A última coisa, invariavelmente, era o sapato, polido até brilhar como um espelho limpo. Lá em casa existia um armário de utensílios para tal tarefa, digno de um bom sapateiro. Escovas, graxas de todas as cores, panos de lustro, auto brilhantes, e um outro, realizado sobre sabedoria antiga, que sempre me intrigou. Uma esponja, embrulhada numa meia de rede fina, que após toda a panóplia de execuções, esfregava os sapatos com força, e os deixava portadores de um brilho sem igual. Os sapatos, dizia-me, devem estar sempre bem engraxados. Podemos até estar impecáveis, que se o sapato não acompanhar, todo o resto fica estragado. Guardei-lhe este ensinamento para sempre, sendo que tenho até lá em casa, uma esponja embrulhada em meia de rede. Tenho dias que cumpro os passos todos. Tenho outros, quando o tempo me foge, como hoje e como em tantos, em que apanho a meia já encardida, mas ainda assim milagrosa, e esfrego o sapato até ele brilhar. E brilha, tal e qual brilhava o do meu avô.

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