terça-feira, 11 de outubro de 2011

Filhos da lua

Todas as manhãs o trajecto era igual. Abria a porta, recolhia o pão deixado pelo padeiro no saco predestinado a esse efeito, onde se podia ler, em bordado manual, de um preceito indescritível, pão, e iniciava assim o seu dia. Sempre foi prendada, que sua avó, Dona Maria do Céu, fez questão de lhe ensinar todas as artes de bordadeira, desde os Arraiolos, ao ponto pé de flor, passando pelo cruz e pela máquina, despachada, quase perfeita, mas muito menos admirada, que trabalho para ser valioso, era das mãos ou do corpo que deveria nascer, tal e qual nasce um bom cozido, ou qualquer outra boa obra. Ela aprendeu com gosto, chegando até a saber fazer tapetes entrançados, arte essa ensinada pela sua bisavó, que passava tardes a fio a entrelaçar tiras de pano, enquanto o seu bisavô, fiel agricultor, se entretinha com o Almanaque Borda D'água, trazido para a aldeia pelas mãos do Pitrolino, que o vendia a 25 tostões. Lembra-se bem desses tempos, e recorda amiúde a vida dos seus bisavós. A sala onde ambos se descansavam na hora da sesta, tinha um soalho feito de madeira esburacada, onde os ratos, de quando em vez, davam um ar de sua graça, ou não fora cheirar-lhe a sementes, guardadas em sacos de serapilheira, prontas para serem lidadas. Dali daquela casa nasceram uns cinco filhos, todos homens, muito embora o velho tentasse o feitiço da lua, saber antigo e segundo consta verdadeiro, que gostaria muito de vos fazer chegar, com vista a que o aproveitassem para o que bem entendessem, coisa que com muita pena minha não vou poder fazer, que lhe desconheço o preceito. Tal como afinal o velho, dado que de nada lhe valeu. No entanto, e segundo ouvi, por bocas antigas e sabedoras, tenho para mim que não lhe deve ter dado o devido experimento, que diz quem sabe, que quando tentado as vezes suficientes, para que a lua se envolva ao processo, o efeito surge quase sem se dar por isso, numa qualquer noite em que na janela entra alguma luz mais intensa, capaz de cortar o frio da noite e sossegar o calor do quarto. Não fosse por coisas, e ela ainda um dia se aventurava. Seria Alice, sem qualquer dúvida. O nome mais doce do mundo.

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