segunda-feira, 27 de agosto de 2012

O saber não ocupa lugar

Ao senhor dos biscates faz todo o sentido colocar-me ao corrente de todas as manobras que executa para concluir as suas obras. Elevações, batimentos de martelo, canalizações diversas e parafusos de aço inoxidável, realidades que em tempos me eram totalmente desconhecidas, fazem hoje parte integrante dos meus conhecimentos. De nada me vale dizer-lhe amavelmente que não preciso dos trâmites, chega-me o resultado, que ele não se satisfaz. Faço questão de lhe explicar, diz-me, enquanto gesticula efusivamente à minha frente, verdadeiramente ufano das capacidades infindáveis que reúne no corpo. É uma pena que nem todos tenham tanto orgulho nas obras que constroem. E certeza, e vontade. Ainda há pouco, e a propósito de um cano, fiquei sabedora da existência de umas peças de nome joelho que fazem ligações perfeitas em caso de ruptura. Sei a posição do encaixe, o material utilizado, o preço e o tempo de execução. Estou ainda informada sobre a previsão da duração do reparo, que segundo consta será de uma vida, e também das consequências nefastas para a parede, caso o remendo não seja prontamente executado. Pensando bem e analisando as coisas a fundo, só posso ganhar com tremenda explicação. O meu bisavô sempre me disse que o saber não ocupa lugar e ele era bem capaz de ter razão. Começou a fazê-lo perante a minha insistência em renegar o almanaque Borda d'água, um livro utilíssimo que a mim não me dizia coisa alguma. Queria lá eu saber das luas, das meteorologias, dos santos e de qual era a melhor altura para a plantação da alface, do pepino ou da batata. O velhote, esse, passava os dias a olhar para ele, um guia para a vida do qual retirava informação de carácter diverso que ajudaram a transformá-lo no sábio lá da aldeia. No inverno já ele sabia como ia ser o verão, de manhã já ele conhecia as previsões para a noite, mal plantava qualquer coisa e já arriscava o resultado da colheita. Passeava-se nos tempos mortos pelas estradas do mundo, um mundo curto nos dias de hoje mas grande em épocas de outrora, nas quais vendia cortiça, sabedoria e produtos hortícolas. Era também ele que dava as injecções do reumático, dos males do fígado e do intestino, entre outros diagnósticos e curas diversas, ainda que de medicina só conhecesse a popular. Dizia-me sempre e desde que me lembro, que não chegava à próxima primavera. Um disparate daqueles que as bocas gostam de proferir, mesmo as mais sábias, mesmo as mais nobres. Provavelmente aprazia-lhe ouvir que não era assim, que era tolo, que nos fazia falta cá deste lado, ao cimo da terra. Sete palmos, filha, sete palmos e era já. Esta previsão saiu-lhe furada tempos infinitos. Um dia, não sei bem como, acertou.


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