segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ana

Cheguei a inquirir-me da veracidade daquela paixão. Como se a mim fosse dado o direito, de me inquirir sobre os amores alheios, quase parecendo, que os meus se encontram arrumadinhos, resolvidinhos, no seu devido lugar, sendo que a monotonia é tanta, que me posso dar ao luxo da deambulação externa, por nada ter que fazer, no que respeita ao meu caso, preciso e concreto. Ana veio de longe. Viveu uns anos na capital, sitio ao qual nem nunca muito bem se adaptou, dizia ela, que os prédios e as ruas de calçada, eram o maior martírio que Deus lhe colocou no caminho, e que o que verdadeiramente a deleitava, eram os campos e as matas, bem como todo o género de animais, selvagens ou domésticos, aos quais lhe fosse possível deitar umas mãos de cuidado, a fim de os alimentarem, curarem, enfim, um sem número de acções que lhe acalmavam o espírito, e que iam desde a tosquia, à colheita do leite para a manufacturação do queijo, à apanha do ovo, o que fosse, que nem bem importava o acto, desde que envolvesse o contacto directo com a bicharada. Diz ela, que este amor apaixonado, vem dos tempos de residência no campo, que seus pais, e muito embora tenham trocado o mesmo, pela pacatez da cidade de Lisboa, que essa sim, é pacata, quando comparada com a correria da vida do campo, lá habitaram em tempos, fazendo da sua vida uma roda viva de emoções, com a criação da quantidade de gado que detinham na quinta, e que ia desde vacas, a galinhas, a patos, e a um conjunto sem fim de bicharada, da qual era necessário o zelo, sete dias por semana, trinta e um no mês, ou seja, sempre, em qualquer dia, que Deus ao mundo tenha deitado. Foi na época de sua educação, que a família julgou prudente a mudança, ou não fosse a sua menina, habituada a vidas de campo, perder-se na grande cidade, pelo que o melhor, a fim de a proteger de algum infortúnio perdido numa esquina da vida, era acompanha-la, e assim garantir um percurso adequado, nas palmas da mão vivido. Assim foi. Dos muitos pretendentes aparecidos, já licenciatura concluída, nada lhe fazia luzir o olho, que de resto, nada do que pudesse palmilhar aquela cidade sem brilho e sem cor, lhe poderia despertar qualquer tipo de interesse fulminante, e justificativo de entrega, da sua própria pessoa.
Foi apenas e só quando regressou ao campo, no mesmo dia, posso dizê-lo, sem correr o risco de errar, na exacta hora em que o guarda da floresta lhe atravessou o caminho, que o seu coração despertou ao mundo, parecendo-lhe até, que se encontrava adormecido há tempo demais. Assim teria de ser, que só o profundo e desmedido adormecimento, permitem por ora um despertar tão sublime, com um amor como nem sabia existir, que surgiu lá no meio da serra, das árvores e dos pequenos pássaros, de bicos amarelos e de nome rouxinóis. À minha pergunta, matreira, confesso, sobre o que sentiria, se o seu amor lhe tivesse surgido na fonte da Madragoa, ao invés de na esquina da estrada de terra, perde-me a voz, porque nem sabe que me responder. Hoje compreendo-a.

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