quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

A velha com nome de santa

No sofá da sala, encontra-se estendida, depositando suavemente a cabeça branca, na almofada castanha. A barriga, proeminente, repousa exactamente ao lado dela, coisa que até pode parecer descabida, para no fundo não ser, que a envergadura da mesma, quase que a coloca num lugar à parte, como se todo o restante corpo fosse um, e a barriga outro, que não encaixa no primeiro pela desconformidade do tamanho, totalmente contrastante com o restante ser, frágil, velho, magro e definhado.
Tem nome de santa, coisa que muito a orgulha, que a reza sempre fez parte dos seus dias, começando logo pela manhã, com o agradecimento pelo sossego da noite, continuando na hora da refeição, num elogio à fartura, para terminar já noite dentro, hora em que o terço é corrido de fio a pavio, faça sol ou faça chuva, num agradecimento sentido por mais um dia que passou. Quem lhe cuida a existência, ainda que em alguma distância, é a nora, uma senhora lindíssima, de fino trato e traços delicados, que a zela com respeito e carinho, que despoletam na velha com nome de santa, um conjunto de sensações fortes, pelo que é vulgar a ofensa, directa ou não, à pobre senhora. Tudo, porque ela não lhe deu um neto. Deu-o a outra qualquer, de um primeiro casamento que teve algures, com um outro marido que não o seu adorado filho, criatura sem descendência, apenas e só, pelo terrível facto de se ter embeiçado por uma mulher vivida, de segunda, já desposada em tempos, que não deveria ser boa rês, que a ser, não teria assim sido largada, ao Deus dará. O seu filho, alma bondosa, para infelicidade dele, foi quem lhe pegou.
E diz-me então que lhe conhece a laia, viu-as de perto, destas e daquelas que por aí andam sem respeito a quem as guarda, que em tempos idos, e na tentativa de ganhar uns tostões, andou perdida no parque, onde os homens faziam fila para ela, que segundo reza a história, era das melhores da redondeza. Tão boa, que em poucos meses foi pegada pelo que veio a ser seu marido, que a levou num ápice para casa da que veio a ser sua sogra, e dali, nunca mais saiu, tendo-se tornado numa senhora de família e de respeito.
Afinal, até sabe do que fala, a velha com nome de santa.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Deixar um sorriso...


Seguidores