Abre a porta, mas ela não entra. Não é preciso, não há necessidade. Falam-se meia dúzia de palavras, e de repente, chamam-na de dentro, ela tem de ir. Fecha-se a porta nas suas costas, com um ruído estridente que a irrita, ou então será ela, que se encontra assim, em estado de irritabilidade, e o som até poderá ser mais ou menos normal, vindo de uma porta que se fecha, por certo, terá sido isso.
Tem um avental posto, e no fogão, fervilha qualquer coisa que tresanda a um guisado de carne forte. Limpa freneticamente uma mesa, nos escassos dois minutos em que ela se encontra dentro da casa. Está tudo estratégicamente arrumado. As almofadas no sofá da sala, as mantas para atenuar o frio da noite, dobradas, os livros que lhe entretêm a insónia, na mesa de centro, os bonecos do pequeno, no móvel. Na mesa da refeição, da divisão em anexo, repousa uma fruteira onde as bananas estão ordenadas, as maçãs seguidinhas, as uvas num canto isoladas. Nem bem a atende, que a azafama é de tal modo, que nem há tempo para mordomias, faça lá o que tem a fazer, fale lá o que tem a falar, que com sorte, no final, terá companhia até à porta da rua, serventia da casa pela qual ela quer passar tão cedo quanto possível. Nem pelo incómodo do espaço, ou da presença, nada disso, que factos desses já não chegam para lhe desassossegar a alma, também ela já por demais selectiva, sendo que não é qualquer sítio, gente, ou situação que lhe surja, que a perturbam, poderemos até dizer, ser este o lado bom, do estado de refinação.
É o excesso de arrumação, o zelo sem fim, a ordem exacerbada. Nunca, por nunca ser, se tinha visto uma coisa assim.
É o desarrumo interno...
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