domingo, 9 de janeiro de 2011

Do dia

Era hoje. Mais coisa menos coisa, que poderia ser uns dias antes, ou uns dias depois, dependendo do calendário, festa que é festa, necessita de aproveitar os dias de descanso, a fim de ser possível a folia das gentes, que em tempos idos, usava delas para vestir o vestido de seda, colocar o chapéu de aba, e rumar com a família, a fim de ouvir a alvorada matutina, a banda da aldeia, ver a procissão pela tardinha, e o bailarico noite dentro. O bailarico era local privilegiado da mocidade da época, onde os homens catrapiscavam as moças casadoiras, e as levavam a um pé de dança, por vezes válido por si só, noutras, simples pretexto para uma proximidade ansiada, quem sabe já de há muito. Recusa de moça a moço, nem sequer era bem vista, que os pobres, pagavam entrada, a fim de poderem dar azo aos sonhos e ambições, coisa que às moças, nem era exigido, que podiam entrar sem qualquer tipo de contribuição, pedia-se-lhes apenas isso, dois passos de aconchego rotativo, nariz nos cabelos, e pronto, que por norma, os olhares paternos andavam perto, e se não fossem os paternos seriam os maternos, o certo, era que alguns eram, que disso, não haja dúvida.
Eu, vivi-a de perto em várias idades, desde a bebé vestida de anjo, com asas e todo o apanágio digno da procissão, à pequenez ingénua, onde tirava rifas da quermesse e comia fios de pinhão, para chegar à adolescência travessa, onde o objectivo supremo, era, e já numa era mais recente da que atrás refiro, a dança da música lenta, de nome slow, com o moço de olho azul, que tocava na banda e era lindo como só ele. Talvez até o tenha conseguido, não importa agora, nem vem ao caso.
Na casa que acolhia os festejos, existia uma escada directa a um piso superior, um tanto ou quanto mais recatado, predilecto de moços e moças, embora, e antes que se percam em devaneios descabidos e totalmente infundados, pela impossibilidade de o serem, o acesso fosse livre a toda a gente, pelo que com uma assiduidade implacável, o terreno era percorrido por um ou outro pai mais cauteloso, não fosse por lá passar-se algo de índole mais pecaminosa. Era naquele piso, que rapazes e raparigas se refugiavam dos olhos da censura, dura, como só ela sabe ser, e se atreviam a uns passos de dança mais próximos, onde o ritmo se acompanhava de palavras nos ouvidos, e pouco mais, pelos motivos que atrás refiro.
Nesse dia, vinham da capital os primos e os tios, sendo que tudo almoçava na casa de Dona Maria Carmina, borrego no forno e batata assada.
Hoje, não fui. Vozes altas se levantaram. Não que tivesse vontade propriamente dita. Acarta-me apenas uma doce melancolia, com pequenos pontos onde me centro com especial incidência, e que me deixaram saudade. Aqui, na mesa onde me encontro, tenho um elefante mealheiro, saído em rifa, que me acompanha desde uma. Os olhos azuis, também cá ficaram.

1 comentário:

  1. :):):)Por estes teus textos se vê a diferença abismal que existia entre a vida da aldeia e a da cidade...

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