quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Reflexão intensa para aproveitar a véspera do 15 de Agosto, que segundo consta vai deixar de ser de descanso. Não se percebe não, logo aqui, no pino do verão...


( Post comprido, em caso de enfartamento abordar a meio. Esforços e simpatias de circunstância não são para aqui chamados, que eu não aprecio. Nem um, nem outro.)

Para o meu pai eu teria escolhido os números, utilidade que poderia aplicar na vida considerando que nunca  nos falham, nunca nos traem, nunca nos enganam ou tentam ludibriar, sendo que ainda nos dão um preparo considerável na gestão dos dias. Estaria por esta hora entregue a uma secretária cravejada de papéis, local onde eu e o meu caos nos encontraríamos diariamente com vista à manutenção de uma relação que teria por certo todos os contornos com excepção da salubridade. Ainda estive vai não vai, ainda considerei o assunto de forma séria e ponderada, a única possível aos dezassete anos de idade, altura em que deveremos fazer escolhas para a vida mais definitivas do que um casamento, ou no mínimo, de mais difícil e morosa resolução em caso de engano efectivo. Estamos capazes, é um facto consumado, pelo que vamos então optar.
O meu avô, um velho hipocondríaco de nascença, tentou enfiar a minha fraca inteligência nas ciências medicinais. Não teve sorte, valeu-lhe a minha irmã, que  muito embora não seja médica é enfermeira, uma profissão de nobreza maior, não obstante desvalorizada vezes consideráveis. Para além da minha fraca capacidade do foro intelectual, também não me via diariamente a acudir a mazelas de reumático, a infecções virais, a administrar medicamentos para a agonia ou para a falta de apetite, e ainda, agora mais do que nunca, a passar receituários por via informática ou em papel, em caso de excepção justificada, de comprimidos milagrosos capazes de combater os efeitos da crise, traduzida em males diversos do corpo e da alma. Não, não dava para isso.
Ponderei pela minha parte as leis e as casas. As leis por nada de especial, nem sequer por nenhuma veia nobre de reposição de justiça, mas apenas porque me seduzia muito a indumentária apresentada por senhoras altas e magras, normalmente morenas e de cabelos impecáveis, que se empoleiravam em cima de saltos altos e envolviam o corpo esbelto em tailleurs irrepreensíveisamigos das mulheres e da vista dos homens. É claro que isso me passou depressa, até porque o meu ar anafado, a minha aparência tacanha e a minha postura deselegante e ligeiramente corcunda, ainda complementada por espaços intra dentais, pernas escanzeladas e joanetes teimosos a sair das sandálias consideráveis, nada ganhariam com tais artefactos, que só conseguiriam deixar-me numa figura ridícula e nada agradável à vista, quiçá comparada a uma Angela Merkel, versão piorada. Desisti, pareceu-me sensato,  e passei então para as casas, um território onde são permitidas versões mais descontraídas e complacentes com as limitações do meu corpo. Desenhar espaços onde os outros viriam a morar seriam então um sério desafio, não fosse a minha incapacidade, atestada e declarada, para tudo quanto fossem geometrias, fórmulas de engenharia complexas, e ainda uma verdadeira limitação no que toca a desenhar duas linhas paralelas uma à outra, sendo que havia sempre uma situada ligeiramente ao lado do sítio onde deveria estar.
Foram tempos difíceis estes, que finaram no dia em que se me fez luz, e em que descobri que as ciências abstractas que estudam o homem tomavam conta do meu corpo. Nelas conseguia verdadeiramente sentir-me em casa, coisa que convenhamos, nos dá um sossego do caraças. Podia fazer tudo o que me apetecesse, encaixando sempre os meus comportamentos, por bizarros que fossem, dentro de alguma justificação completamente aceitável, podia ouvir tudo o que possam imaginar, que nada me soaria a estranho ou a descabido, podia ainda perceber filósofos, teólogos, pensadores e alucinados, que todos me faria sentido. E podia ainda extrapolar sobre tudo isto, que haveria sempre uma teoria que iria albergar de forma plausível toda e qualquer barbaridade que me saísse da boca em forma de pensamento.  Ora isto foi uma descoberta considerável, apaziguadora, abrangente o suficiente para que a partir desse dia eu me movimentasse muito mais liberta, e verdadeiramente mais leve.
A única coisa onde infelizmente ainda não consegui resultados, mas onde me aprazeria muito atingi-los, foi no comando efectivo do meus pensamentos mais viscerais. Mas nesta ordem de ideias e encarando a abrangência da mente, tal não deve ser de todo impossível, sendo que pode ainda dar-se o caso de um dia eu conseguir lá chegar. Se tal feito acontecer, se tal realidade ocorrer dentro deste meu fraco e limitado ser, registarei a patente e vendo o acesso baratinho, que nestes tempos de crise temos de ser uns para os outros. E isto já a minha avó dizia, uma senhora sobrevivente de uma crise de outrora, aquela onde as pessoas cresciam a dividir uma sardinha, uma banana apodrecida, ou, e só aos Domingos, o parco chispe do almoço familiar.

4 comentários:

  1. Revi-me, em parte, nesta tua reflexão...
    Também senti na pele a responsabilidade que é tomar uma decisão tão definitiva! A família não opinou, sempre me apoiou no sentido de eu seguir para uma área que gostasse... tudo seria mais simples caso eu não gostasse de áreas tão distintas... a decisão foi difícil mas estou muito satisfeita! :)

    Bom feriado!

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  2. Estas decisões são tramadas, pela idade em que se toma, pela dificuldade real de mudança, que muito embora não seja impossível, não é fácil. Também andei perdida por vários, tal como disse, mas julgo ter escolhido bem :)

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  3. Nunca duvidando que escolheste (e, principalmente, nunca te arrependeste) a profissão certa, não vejo essa fase da vida como determinante para qualquer escolha. Acredito, piamente, que enquanto vivermos estamos sempre a tempo de decidir o que quer que seja. Há muitos anos que escolho e decido coisas diferentes e... é tão bom! :)

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  4. Sabes, sempre me pareceu prematura a escolha profissional, muito embora entenda que não há como adiá-la muito. Ainda assim, julgo que se faz muitas vezes sem grande ponderação, e ai deveria fazer-se qualquer coisa. Quanto às escolhas, claro que escolhemos e claro que é bom. Não existem coisas definitivas nem irreversíveis, e ainda bem que assim é. É uma das coisas que faz a vida, vida. Beijinho Paulo.

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