quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Costureira

Ontem ouvi-a. Nem acontecia há muito, julgo ter a noite, de se encontrar de feição, a fim de ser possível tamanho acontecimento, pelo menos, com a precisão necessária para que a credibilidade, em nada óbvia e declarada, nos entre cá dentro, e nos deixe a sensação de que alguém, naquele exacto momento, costura ali ao lado. Era ela, a minha Elisa, que a ouvia sempre, nas horas de insónia, em que esperava o marido. De noite, no silêncio da cidade esquecida, em prol do sono que inunda as gentes, a dita, castigada por Deus, ou por qualquer um outro ser de índole divina, pelo facto de ter trabalhado em dia de descanso, emerge do nada para a costura sem fim. Ninguém a mandou, quebrar as regras da vida, que Domingo é para descansar, e todos os outros para trabalhar, sendo que nem bem se percebe, o porquê de se desobedecer tal ordem, conhecida desde sempre, e labutar em dias em que a tarefa, é o agradecimento por se cá andar, o descanso e a oração.
Ora todos sabemos, que o Senhor não perdoa assim sem mais nada, por certo, todos nós, nem que seja num pequeno momento da nossa existência, já pegamos a bíblia, ou qualquer um outro livro religioso, que depressa nos conduz ao castigo, como forma de punir quem erra, sendo que muitas das vezes, o erro poderá nem constituir uma coisa muito séria, ou seja, poderá nem ser um erro que atente a nobreza do homem, mas que ainda assim, não deixa de ser um erro, pelo que o castigo terá de surgir, e o homem terá de pagar, o pecado que tão levianamente cometeu, por despeito, por desleixo, por maldade, ou, apenas e só, por um pequeno descuido, sendo exactamente aí, que poderemos encaixar a pobre da costureira, que por trabalhar indevidamente, costura eternamente, nas noites do mundo.
Gosto de ouvi-la. Chego, e se a tenção for redobrada, a percebe-la parar e arrancar de novo, num preceito nunca abandonado, o que só demonstra, a pureza daquela mulher, que a ser uma outra, de intenções menos nobres, realizaria um trabalho sem mérito, típico de quem o faz por obrigação, e não por devoção.
Um dia, deveria ela ser perdoada.

1 comentário:

  1. Deveria ser duplamente perdoada! Quanto mais não seja por ser uma sobrevivente.
    Tanta falta que me faz uma costureira! daquelas ao sério, capazes de fazer pequenos milagres com os tecidos. Ainda tenho cortes de pano, lindos!, que trouxe de Goa e não tenho quem me transforme aquilo em vestidos :(:(
    Um grande 2011 para ti :)
    Bêjos

    ResponderEliminar

Deixar um sorriso...


Seguidores