quinta-feira, 22 de março de 2012

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Foram sempre unidos, sem filhos, como se a vida do próprio fosse apenas e só a vida do outro, quase uma receita de felicidade, embora haja quem possa considerar uma anulação. Não me pronuncio, abstenho-me, respeito muito. Foi há cerca de sessenta anos que escolheram este caminho, e a partir daí deram-se com umas mãos infinitas, um cuidado extremoso, uma cumplicidade forte, intercalada por um ou outro dia menos bom, onde provavelmente algum se lembrava de si mesmo. Esta noite ela resolveu deixá-lo. Foi perdendo a respiração devagarinho, de forma calma e tranquila, enquanto ele a segurava pela mão. No final de tudo, e já pela manhã, disse-me, componham-na, não quero que a vejam feia. Tapamos-lhe os orifícios do corpo, vestimos-lhe o que escolheu, pintamos-lhe o rosto e ornamentamo-la com o que nos pediu. Existem momentos, únicos, singulares, em que o nosso corpo verga e deixa de se poder dar. Acontece quando a vontade já não nos pertence, e o respirar se apaga aos poucos, tanto para o mundo como para nós mesmos.

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