sexta-feira, 22 de junho de 2012

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Entro lá dentro e por entre a penumbra descubro alguns rostos que conheço. Existem dois especiais que me pertencem. Não são meus realmente mas são da minha história, logo fazem parte do que eu possuo dentro do corpo, e seguindo então as teorias que venero são verdadeiramente pertença minha, uma pertença respeitosa, cooperante, uma partilha de ideias e pessoas que já passaram e que viveram na vida de ambas as partes. É um privilegio partilhar os momentos. Relembrar os sorrisos, contar as histórias, falar na cor dos olhos e naquela vez que caímos na piscina, em pleno Novembro e com muito frio. Há coisas que todos deveríamos viver na adolescência. Coisas que fazem mal à saúde e que nos podem constipar ou até fazer com que incorramos alguns riscos, desde que estes sejam controlados ao ponto de não se excederem determinados limites razoáveis. Andar à boleia por exemplo não é um deles, que até devo considerar, agora que sou uma mãe de família, que o perigo pode estar iminente numa situação semelhante, mas é um dos que corri um dia acompanhada de uma amiga e de umas tendas pesadas, enquanto música nos esperava no meio do arvoredo denso cortado por um rio gelado onde se tomava banho e lavava dentes e outras partes do corpo, diversas partes do corpo.
E então falei com esses rostos durante muito tempo e tocamos uns nos outros, não sei se já vos disse que aprecio mesmo tocar nas pessoas de quem gosto. Não toques amorfos, que esses prefiro não tê-los. Mas toques de carinho por quem estimo, e que vão desde a mão na mão à mão nas costas, ou outros com devido respeito e de carácter semelhante. Não consigo imaginar-me sem tocar nos meus velhos, nas minhas pessoas, no meu filho, nos meus amores. Não gosto de amar só ao som das palavras e de um cuidado ao de longe, quando posso sentir a pele dos outros que me completa e me dá uma enorme vontade de viver. Sinto por vezes que existem pessoas que não tocam nas delas. Fazem um encostar tímido e incomodado, provavelmente influenciado por mal estares internos que pesam muito e que não deixam espaço para interacções. Uma vez conheci uma Inglesa que não gostava do toque. Precisava do espaço dela como do ar que respirava, como se a proximidade com algum ser que vivesse do ar fosse o suficiente para que o seu corpo definhasse devagarinho e ansioso, uma apropriação de espaço de meter dó. Soube entretanto que morreu mirrada e sozinha dentro de uma casa vazia de janelas abertas. Um horror. Já tive também eu pessoas minhas que o consideravam dispensável. Que se refugiavam dentro da pele para não deixar escapar cá para for alguma verdade escondida ou dor reprimida, e que por isso viveram sempre longe de mim. Sei perfeitamente que me amaram, num amor forte mas distante onde se sobrevivia do afecto longínquo e da preocupação. Sobreviver significa escapar e resistir.

( Tenho saudades de algumas pessoas e eles são duas delas. Um dia fui de boleia só com ele e cheguei a Lisboa num ápice, pensei que morria levada pelo vento. Ele morreu sozinho e depois, lentamente, num caminho já no seu final. Ela também quis ir com ele. Passaram quinze anos e ainda há pouco senti-os muito perto reunidos nuns olhos profundos e doentes, que nunca mais viveram. Só escaparam e resistiram.)

2 comentários:

  1. Bonito texto. Do tempo em que se podia pedir e dar boleias sem se ser mais íntimo do que excessivo, nem mais crente do que ingénuo.

    (às vezes as palavras escritas também nos tocam; não nas mãos ou nas costas, mas um bocado mais cá dentro)

    :)

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  2. :):) Sei que sim. Palavras escritas podem tocar-nos e muito.

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