sexta-feira, 29 de junho de 2012

Velhos

Acordava muito antes do tempo, aconteceu inúmeras vezes. Acordar antes do tempo permite antever perigos, antecipar acções, precaver atitudes e não ter de chorar por elas. No oposto, castra. Incute uma prevenção no viver que nos leva a plenitude da entrega e que nos deixa sempre aquém. Ela sabe disso. Consciêncializou-se de tal facto há muito, num dia em que o sol lhe bateu mais em cheio e a deixou viver os caminhos aquecida por aquele embalo luzidio em forma de raio quente que lhe acertou no peito. Não consegue dizer o que de concreto a remeteu para aquele despertar, sabe apenas que foi ali, naquele exacto momento intimo entre o sol e ela, onde nada mais conseguiria entrar. A intimidade dos momentos é uma coisa muito bonita. Pode ser vivida por todos e por todas as coisas, entre pessoas, entre pessoas e coisas, entre lugares, e por ai a fora. Não me canso de senti-los, aprecio-os como quem aprecia um chá quente numa noite de inverno para logo depois sossegar no embalo da noite e do crepitar da lareira. Gosto especialmente de alguns, como o que experimento por exemplo com as palmeiras do meu jardim, que se vergam sobre o banco onde me sento e me deixam numa sombra que naquele momento apenas a mim vai pertencer. Aprecio também verdadeiramente a individualidade que o mundo me possibilita. Desde o que sinto, ao que vivo, roçando no que toco e no que pressinto, passando até pelo que acredito. A realidade assume-se então como uma coisa muito minha, situações que reúno num corpo pequeno e enfezado, que me possibilita a existência e o ser. Julgo que tenha sido assim que ela abriu os olhos de novo ao mundo. Apercebeu-se de que o sol era dela e de mais ninguém, exactamente como ela, e naquele exacto momento, apenas a ele pertencia. Não definiu dali mudanças concretas de fundo. Consciencializou porém que a reserva em demasia nos guarda, e que as guardas excessivas nos podem fazer ficar velhos. Ficar velho não tem nada a ver com a nossa idade. Ficar velho é fecharmo-nos para o mundo onde habitamos, como se ele já não tivesse nada para nos dar e o nosso corpo fosse já detentor de tudo. Ou então já nada quisesse. Enquanto queremos ser, nunca ficamos velhos. Poderemos até morrer de velhice sem nunca chegarmos a sê-lo.

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