O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
terça-feira, 31 de maio de 2011
Ausências
Ando em algumas ausências. Do blog, mais ou menos. Dos blogs alheios nem tanto, mas, por culpas que me transcendem, não me deixam dar por lá sinais de vida.
segunda-feira, 30 de maio de 2011
Rissóis com carne
Deram-me rissóis de carne para o almoço. Há coisas que não combinam, pronto. Dourados com batata frita, sandálias com chuva, arroz de tomate com bifes, noites quentes com casa, rissóis com carne.
Impossíveis
Calço uma chinela de enfiar no dedo e dou-te a mão. O elevador de madeira leva-nos aos dois numa descida vertiginosa. Não gosto de alturas, e tu sabes disso. Olhas-me nos olhos, como que para me dizer que tranquilize. Eu não sabia, mas agora já sei, que tu voas e nunca me vais deixar cair. Ao longe, o mar mistura umas tantas cores, entre azul e verde, enquanto no céu, umas nuvens mirradas se tentam insinuar no calor do dia, as pobres, que nada podem perante um sol redondo e laranja, que as engole de vez, mal se lhe aproximam. Enquanto desço, pergunto-me para onde vou, eu, que nem sou de ir sem destinos. Ia em tempos, quando fui criança, e tenho saudades de ir sem medo. Hoje, e após muitos caminhos incertos por estradas perdidas, julguei-me capaz de certezas para sempre. De mapas com rota, de bússulas, na dúvida. Afinal, vai-se a ver, e a dúvida persegue-nos para sempre. Chegamos. A praia estava vazia, para além de mim e de ti. Possivelmente, poderia estar mais gente, mas eu não a consegui ver. A areia estava quente e queimava-me os pés, e resolvi correr para a água, fresca e limpa, onde apenas se boiavam uns limos, muito fininhos e dispersos. Sentamos, enquanto as ondas nos pincelavam os pés de alegria, de uma alegria doce e sincera, quase mágica e impossível. Gosto desta palavra. Quando acordada, teima em fugir-me, mas quando durmo, não pertence a mais ninguém.
Silencios urgentes, ou então, simplesmente, algum cuidado...
Algumas conversas deveriam ser caladas. Cada um opina o que bem entende, é um facto, que a sociedade é livre em fazê-lo. Eu própria, também me manifesto, mantendo porém, por questão fazer em tal acto, alguma moderação no que digo. Já cá falei do caso, trago-o de novo, porque me merece alguma reflexão. Já ouvi prós, já ouvi contras, no que refere às detenções, no caso da jovem agredida. Não me manifesto em relação a quem a decretou, que me parece ter feito o seu trabalho, à luz de leis claras e objectivas q.b. Manifesto-me apenas, quanto à opinião pública no geral, que se julga no direito de considerar, de forma insensata e algo irreflectida, sobre o caso em questão. Se não vejamos. Conhecem os meandros? Sabem o que levou aos actos? São detentores, a fundo, das realidades envolventes? Que conhecimentos dispõem, que os leve a decretar, a legitimidade de tal procedimento? De que pedagogia são conhecedores, que os constitua privilegiados para tais avaliações, difíceis até, para os entendidos na matéria? Por diversos locais encontro reflexões ao caso, que deambulam ente a concordância, pelo exemplo dado, à discordância, por se tratarem de jovens, e por não ser inédito. Deixo então outras questões. E não é verdade, que a violência nos marca os dias? E não é verdade que se encontra amiúde, onde menos se espera, como de pais para filhos, de filhos para pais, esposos, e outros? E não fica essa, totalmente impune, na grande maioria dos casos? Mas, e por outro lado, e pegando na vertente oposta, não servirá de exemplo à geração jovem, a consciência de que podem vir a ser responsabilizados, pelos actos cometidos? Não constituirá essa uma medida urgente, dada a dimensão do problema? Não será essa uma atitude sensata, e carente de adopção, em outros contextos do género? Controverso o assunto, julgo poder dizer. Talvez por isso me choque, que seja tratado com alguma leviandade por tantos, quando no fundo, mesmo quem nele se venha a debruçar de forma séria e isenta, vai ter dificuldades em fazer análises sensatas, pelas dificuldades adjacentes.
domingo, 29 de maio de 2011
Ostílio
Ostílio vivia em Benfica. Enviuvou cedo demais, que a pobre mulher que lhe aturava as andanças durou pouco, deixando-o sem descendência e companhia. Nem trata este facto estranheza, que a pobre, já fraca de cabeça, num ápice sucumbiu à maldade de seu marido, um bêbado enfadonho e velhaco, que via nela uma propriedade onde poisar, de forma embrutecida e desprovida de qualquer afecto. Ela, morreu de desgosto, diz-se por lá. Foi-se mingando, a pouco e pouco, perdendo devagarinho partes de si. Primeiro a força, depois a destreza, logo a seguir, a fala, que se sumiu de vez perante tamanho agoiro que a vida lhe tinha dado. Tudo isto, se esvaiu em prol da necessidade, não me restam dúvidas. A força foi-se-lhe porque já era pouca, a destreza porque de nada lhe valia, a voz, porque sempre se calava, por mor da inferioridade. Por vezes, nem percebemos isto, que julgamos-nos capazes de crescer de todos os lados, como se de todos os lados pudéssemos vingar. Tamanho disparate, que a envolta, detém um poder quase absoluto, deixando-nos apenas a réstia do interior genético, muito fraco perante o resto. Hoje passei-lhe na porta. Lá dentro, sem ver, imagino. O velho barbudo e velhaco a cheirar a vinho. A empregada novinha em folha que guardou o lugar para si. A alma da esposa, invisível, como sempre.
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Banir
Todos os dias quando se levanta, tem a mesma sensação. Não importa o que dorme, que pode ser muito ou pode ser pouco, que o cansaço, esse, é sempre igual. Vai directa à cozinha e engole algo frio, que a refresque por dentro da noite quente, que consegue nos abafos de conforto com que se rodeia, e sem os quais não pode sossegar. Enquanto a fresquidão a percorre acorda de vez, e olha pela janela uns prédios feios e azuis apinhados de gente que desperta para a manhã, quer lhe apeteça, quer não. A vida tem destas coisas, e tanto que lhe ocorre por vezes pará-la. Segurá-la em determinados pontos para que dali não saísse, ou que, se saísse, o fizesse devagarinho, e não na pressa dos momentos, que se seguem uns nos outros, sem qualquer espécie de intervalo. Enfia-se na banheira e enquanto se esfrega, passam-lhe na cabeça instantes passados, vividos e guardados na impossibilidade da repetição. Não gosta deste seu aparte, e tenta mantê-lo vago, não para criar espaço, mas para que se mantenha numa ausência saudável. Ainda assim, sabe-o repleto de demasias, daquelas que já lhe deveriam ter saído do corpo, nem propriamente por serem impossíveis ou por deixarem de sê-lo, mas porque lhe fazem falta e não estão lá. Não somos perfeitos, conclui. O nosso corpo, esse sim, sabe cuidar-se, que na ausência de doença séria, liberta-se do que não precisa, ingere o que lhe faz falta, armazena o que lhe pode valer. Na nossa mente, nada assim é, e fazemos avessos amiúde. Ingerimos muito do que não devemos, guardamos o que deveríamos expulsar, e vivemos emergidos em desperdícios ácidos e venenosos, que deveríamos banir das entranhas. Depois, por vezes, banimos.
...
Olha-me por detrás de um balcão cinzento e frio, recheado de nada. O sorriso povoa-lhe a cara, nem sei de onde lhe vem assim, franco e sadio, não obstante as agruras que teimam segui-la. O cabelo, curto e liso, emoldura-lhe uns olhos verdes lindos de morrer, muito cansados mas brilhantes. Dois dedos de conversa, o trivial. Na saída, diz-me que quer dois beijos e uns parabéns, esquecidos por mim, como sempre. Ninguém merece estes esquecimentos, que o dia em que nos meteram ao mundo, é sempre digno de festejo. Ela, não merece mesmo nada. É tão grande, mas tão grande, que não tenho dúvidas de que vai ficar para sempre. Só lhe esqueço o virar dos anos. Deixa querida. Em minha benesse, é certo, mas daqui a muitos, continuarás nos trinta :)
quinta-feira, 26 de maio de 2011
Gira que se farta...
Gira gira é a trovoada lá fora. E a minha chinela castanha, que ainda por cima escorrega.
Distâncias
Bichana-lhe aos ouvidos coisa boas de se ouvirem. Vive disso, de bichanos miudinhos e longínquos, que lhe pingam no corpo e lhe entram pelas orelhas, de forma muito doseada. Em tempos, não havia distância. Estava perto, e o descomedimento do tempos e dos espaços, levaram a uma proximidade sem fim, como que fundida. Nem bem assim se entendia, que o constrangimento de tal cercania, deixava-a lassa, quase que sem saber onde começava e onde acabava, num misto fusional e descabido, que era preciso controlar. A vida tratou-lhe disso, sem lhe exigir a ela qualquer esforço de impulsão. Julgou o final do mundo quando o moço partiu. Foi-lhe para longe, por mor do trabalho, e vem a casa uma vez por mês. Todos os dias, de manhã cedo, lhe apita um telefone teimoso na mesinha de cabeceira. Já sabe, exactamente, o que vai ouvir do outro lado. Se dormiu, dormiu, bem ou mal, bem, está frio ou chuva, depende. As perguntas repetem-se do lado de cá, com a mesma tonalidade do hábito, muito constante. O dia corre, entre afazeres diversos. As filhas são três, e é necessário cuidá-las, ser mãe e pai ao mesmo tempo. Levantam-se, vestem-se, levam-se, buscam-se, lavam-se, deitam-se, entre outros preâmbulos diversos, capazes de lhe levar o tempo, que sempre lhe falta. Julga que os dias poderiam ser maiores, que as horas poderiam ser mais e que os minutos indefinidamente superiores, que sempre lhe iria faltar. É à noitinha, que se repetem as palavras. Como correu o dia de trabalho, como estão as pequenas, o que jantaram. Às vezes, falam com elas, outras vezes não. O beijo vem no final, enviado ao longe, do outro lado de um País que se diz vizinho, para estar distante de mais. Incongruências da língua. Quando ele vem, ficam todas muito felizes. Nesses dias, os ditos soam mais perto, os afagos sentem-se, os abraços, afinal, envolvem. O telefone, sossega.
quarta-feira, 25 de maio de 2011
Dos remedeios
Preocupa-me a violência, não só por ela em si, mas pelo que reflecte. Vejamos o cenário. Três moças discutem, enquanto uns outros jovens do género oposto, se mantém impávidos, como se nada fosse. Ou melhor, e muito embora tenha visto o vídeo num computador sem som, parece-me até detectar alguns risinhos ou gestos de instigação, que deixo em ressalva, por deles não estar certa. A coisa descamba, e duas delas agridem a outra de uma forma brutal e desumana, denunciando uma total ausência de limites, o que se pode verificar pela forma como são infligidos os golpes, que tingem a outra veementemente. Nem bem sei porque pararam, mas parece-me ter sido porque calhou, que a não calhar, o ataque poderia ter continuado. Não conheço os casos, mas quase apostaria que a violência, seja ela de que forma for, povoa os dias daquelas jovens, dado que a usam indiscriminadamente, evidenciando uma total ausência respeito ao próximo. Na minha análise pessoal, parece-me que isto ultrapassa, e muito, a normal relação dos adolescentes. Não sei quais serão as medidas aplicadas, mas a mim, parece-me ser necessário um adequado encaminhamento da situação, com medidas concretas ao nível de um acompanhamento que possa colmatar e reconstruir, algo que me parece em severa descompensação. Ninguém organizado agride assim outro alguém. É destes receios, entre outros, que falo, quando por cá vou deixando textos onde revelo alguma preocupação com a sociedade. E são tantas as que aqui se reflectem. A violência, mais do que óbvia. A passividade da assistência, por demais notória. O que leva ali, mais encoberta, mas para mim, a mais séria de todas, por ser aí a real carência de intervenção. Na falta dessa, vamos então remediar. Que o consigamos depressa.
terça-feira, 24 de maio de 2011
Sentido de oportunidade
Tenho um apuradíssimo. Sempre que chamo o meu filho para o banho, ele encontra-se em tarefas importantíssimas e inadiáveis.
Piccadilly
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A minha ausência forte e forçada, de uma das mais lindas cidades que conheço, faz com que nem lhe tenha ainda sentido a falta. Soube hoje, da transladação para local neutro, de uma das míticas Alfaiatarias da nossa capital, e lastimo-a. Nem sequer sou Homem, é certo. Mas aprecio, e muito, um bom Alfaiate. Assim como prezo drogarias e retrosarias. Os dias que correm nem são propícios as estes locais, bem sei. Ainda assim, não deixo de os sentir como um fecho de história.
segunda-feira, 23 de maio de 2011
Judiarias do coração
As unhas dos pés estavam-lhe cravejadas na carne. Os pobres, cansados de sustentá-la, assim se manifestavam, a ver se conseguiam um descanso merecido, que se via tardio. Achavam-se eles na hora do sossego, e por isso, atafulhavam-lhe o corpo de dores insuportáveis, que vencia a cada dia como se de um martírio se tratasse. Já em nova assim era, que nunca o seu corpo lhe venceu a vontade. Manhã cedo, de chuva ou de sol, era vê-la na beira do rio, a lavar e a corar nas pedras polidas das bordas, os lençóis brancos onde se deitava à noite, os cueiros dos rabos dos filhos, as vestes brancas do marido. Era também ali que lavava as tripas dos bichos que enchia de carne a arroz, que atamancados com linha grossa se ferviam horas, e se comiam a gosto, em Domingos e dias santos. O caminho dos dias prosseguia para longe, para um vale de nome Carril, onde a horta germinava a bem da prole, que sem ela, nem haveria sustento que chegasse, que os tostões eram poucos, e as bocas algumas. Um deles, foi em tempos levado a casa de uma tia, para que a dita lhe desse albergue e mesa, julgo até já o ter cá trazido. Mas o pobre, já encolhido e mirrado, ainda mais se definhou, que a retirada do seio era muito para o seu corpo suportar, pelo que ficou sem pio, de noite e de dia, semanas a fio. Olhava fixamente para um sítio e ali se ficava, sem qualquer tipo de pestanejo que denunciasse sinal de vida, como se a dita, se estivesse esvaído nos ares do Inverno, que agrestes e fortes, a tinham levado sem dó. Foi feito o regresso, e ela, afinal, estava ali no de sempre, tendo-se-lhe de novo aninhado na alma, já mortiça, e quase apagada. No final dos dias, rezava orações de sustento por todos e mais alguns, fossem filhos, netos e bisnetos, e até, vejam só, pela saúde da nova vizinha, moça viçosa, a quem o marido deitava o olho escondidinho. É que por isso, e dado o ânimo espicaçado, dava-lhe agora a ela sorrisos satisfeitos, ao invés do ar azedo com que a brindava antes, todas as horas, sem haver excepção. Era magra e direita, não obstante o mal dos pés. Para além desse, tinha outros que enrodilhava dentro do corpo, havendo porém um mais forte, e que tratava o coração, que não suportava gente do seu lado esquerdo, sob pena de palpitação. Foi esse o único que nunca venceu. Foi ela, a primeira a dizer-me, que com este órgão não se deve judiar.
Um dos poisos de sempre...
Incertezas futuras
Nos últimos tempos, e à medida que oiço falar o meio circundante, quer no geral, quer na minha profissão, iniciei um processo de alguma preocupação quanto ao estado geral da população. Que o País está numa fase difícil, todos sabemos. Que daqui em diante, e durante um período de tempo indefinido, a situação poderá agravar-se, é outra realidade. Que é necessária uma urgente intervenção política, capaz de fazer frente ao desafio, é opinião generalizada. Mas e a população no geral? Constituiremos nós um povo, capaz de responder com a exigência necessária? Seremos nós detentores de uma estrutura mental capaz de encarar as exigências que se nos fazem todos os dias, de forma sã e capaz? Ou ficaremos, ao invés, num impasse preocupante, capaz de nos colocar numa inércia doentia, ou até, quiçá, em estado de perturbação ainda mais sério? Honestamente, nem oiço falar sobre isto, a não ser, em meios muito específicos de intervenção. Bem sei que a preocupação geral é a travessia, que já tanto nos exige. Mas ainda assim, julgo que nos andamos a esquecer de que o após também existe. E que as condições a que lá chegaremos, poderão ser delicadas e determinantes, para uma adequada reorganização social. O que propunha, e sendo conhecedora da ausência de milagres ou mágicas soluções, era o debruce sério com as gentes, tal e qual como se faz com os números. A criação de respostas efectivas de suporte, para manter à tona as pessoas dum País, em real risco de tombar. Não solucionaria tudo, mas ajudaria muito. Ao se não, daqui a uns anos, seremos detentores de gente frágil a necessitar de sérios remedeios. O embate a que estamos sujeitos é forte, e nós, precisamos de estar tão ou mais fortes do que ele. Enquanto ser social, sinto-me na obrigação, e dentro do meio onde me movimento, de intervir de alguma forma, e é o que faço. Uma ínfima migalha, é um facto, mas que também a mim me fortalece. Sim, preciso muito.
domingo, 22 de maio de 2011
Rotas
Disseram-lhe um dia que a vida era fácil. Comer, dormir, trabalhar, uns dias de sol, outros de chuva e assim se seguiria, sem afins ou outros senãos. Acreditou. Aquilo tinha-lhe sido dito à boca cheia, vindo de gente vivida, paracia-lhe bem. Tentou fazer-se a tal fado, sem discussões ou compreensões, que o género fácil soava-lhe a doce, e as dificuldades nem se lhe afiguravam meigas, para quê chama-las? Assim se girou até que um dia avessou. O crescimento sério, por vezes, nem se procura, instala-se, mesmo que a ele se fuja como se foge de um cão raivoso, capaz de morder-nos contra a nossa vontade, e que a fazê-lo, nos marca para sempre, com uns dentes fininhos e não só, que também o faz com a substância. Nem bem sabe que voltas deu, que rumos tomou, mas sabe, isso sim, que as benesses vividas por quem se deixava ir sem discórdia, lhe escorrem agora das mãos, dos olhos, do corpo, como se rompida estivesse, e lá dentro, apenas lhe restasse a questão, a vontade, a curiosidade, coladas a ela como umas sanguessugas esfomeadas, que a levam de arrasto, sem qualquer tipo de compaixão. E que faça agora, meu Deus? Revira-se por dentro, desmantela-se e volta a compor-se, refaz-se e dorme, acorda outra vez. Queria, a todo o custo, uma regressão. Nem pensa a fundo, acharão em engano, que nada para além disso tem feito. Precisa, com força, de remendos, que a peguem e atamanquem de vez, para que de novo se cinja a si e a nada, por nada mais precisar. Teme carecer de um caminho inverso, que nem se procura. Ou pode até procurar-se, mas jamais se fará.
sábado, 21 de maio de 2011
sexta-feira, 20 de maio de 2011
Vales de arroz
Estão sentados debaixo de uma sombra. O pai, beberica cervejas umas atrás das outras, enquanto conversa com alguns outros semelhantes. A mãe, embala uma criança de colo, enquanto a empanturra de leite, na hora do jantar. Falam dos apoios que o estado cortou, e da aflição, maior ainda, em que se vão encontrando a cada dia que passa. Não ouvi a seguinte conclusão, mas já a vi, diversas vezes, em contextos miseráveis: Qualquer dia a criança não tem leite. Para o pai, haverá sempre cerveja. É por estas e outras, que eu sou quase a favor, dos vales de arroz.
Comodismo
Abro a porta a um, saíram-me outros. Dois, e diziam Meo na camisola. Não estava muito para ali virada, e a coisa foi rápida, até porque aguardava o outro um. Eles deram uma ajuda. Resolveram chamar-me, ainda que discretamente, de comodista, porque tenho Zon e gosto, e não me apetece experimentar outra. Até lhes desculparia outros nomes. Tantos, que nem sei. Comodista, é pá, isso é que não.
quinta-feira, 19 de maio de 2011
Maria entrou
Maria morreu e pediu-me para entrar. Ainda hesitei, é um facto, que a ideia de deixar uma morta penetrar-me deixava-me em náuseas, como se a pobre, já fria e endurecida, algo de terrível me pudesse fazer, e não constituísse apenas uma pluma de alma, perdida no universo, muito levezinha. Quero mostrar-te uma coisa, diz-me, conhecendo a minha curiosidade excessiva, capaz de me deixar em ânsia perante algum facto desconhecido, que ao invés, devesse conhecer. Fê-lo em engodo, não tenho disso qualquer dúvida, certa de que desta forma, o ingresso em mim estaria garantido. Entrou. Deixei-a instalar-se em conforto e fundir-se em meu corpo, ainda jovem ao pé do dela, já muito enrugado e quebradiço. Demorou algum tempo, julgo que em experimentação dos recantos e das sensações encontradas, muitas delas, talvez até já esquecidas, ou ainda, poderá ser, nunca antes vividas. Ousei chama-la, que o nobre motivo que aqui a trouxera, era levar-me em viagem a mim, e não o desfrute de um corpo que nem é seu, e que numa audácia desmedida tenta agora aproveitar, servir-se, devagarinho, como se eu a ela pertencesse. Seguimos então adunadas, e entramos numa casa de pedra maciça, muito velha e arejada. Era noite, e num canto, meia dúzia de pessoas choravam de mãos dadas. Num leito quente encontrava-se um homem estendido, já velho e enfraquecido, que se aninhava numa almofada e numas mantas de lã, enquanto lhe davam chá doce para beber. Estava num fim, que entretanto chegou. Senti um frio a subir-me as entranhas, numa sensação já conhecida, que Maria estava cá dentro de mim, e deixou-me capaz de reconhecer, o que por ela já passou. No meio de choros e afagos, o velho, em casa, partiu. Nem bem percebi o que por ali fazia, pelo que Maria me introduziu apenas e só numa breve explicação. Tratava-se aquele homem de seu avô, morrido em tempos longínquos. Iríamos por ora, explicou-me, rumar até à morte dela. Tive medo, confesso. A ideia de sentir outra vez de perto, aquele gelo que me entorpeceu os sentidos, deixou-me num terror estranho e muito pouco usual. Ainda assim, arrumei-o com jeitinho e fui, que de resto, nem bem hipóteses tinha de recusa, que Maria queria muito levar-me, e tinha-se apossado de mim. Levou-me. Reconheço de imediato o sítio onde entramos, que de resto, sabia ser aquele o lugar de sua morte. Na fila de camas seguidinhas, entre outras duas velhas cinzentas e magras, estava Maria, sózinha, numa aflição sem igual. Senti-lha de perto, posso dizer-vos, que esbracejava com força, enquanto lá dentro, sentia um vazio muito forte, e uma ausência de tudo. Queria chamar por socorro, queria que alguém lhe valesse, ou que ao menos, e dada a força do chamamento que lhe vinha de longe, e contra o qual nada podia, queria uma mão intima que a segurasse de perto, e lhe acompanhasse aquela ida. Nada disso lhe surgiu, que as velhas da envolta estavam adormecidas, a enfermaria estava vazia, e ela, estava sozinha. O frio acentuou-se e acabou por leva-la. Foi assim, diz-me. E agora, precisava do teu corpo para to dizer. Poderia ter escolhido outro, mas escolhi o teu. Para que sentisses o que senti, e para te deixar, em réstias apenas, a cor negra da solidão. Deixei-a sair, e corri para fora. Agora, sou quase só eu outra vez.
quarta-feira, 18 de maio de 2011
Da relatividade
Alfredo acordava todos os dias bem cedo. A sua loja, única da aldeia, vendia tudo aquilo que qualquer pessoa pudesse necessitar, desde o açúcar ao arroz, passando pela batata e a alface, estendendo-se ainda ao âmbito das higienes, de corpo e de casa. Nada ali parecia faltar, e se tal facto ocorresse, que por espacejado que fosse, sempre acontecia, nem era tarde, nem era cedo, que de imediato Alfredo rumava ao telefone, para fazer frente a tal necessidade, encomendando directamente dos seus fornecedores a urgência, que nunca por nunca ser, alguém ficaria sem ser servido, em seu prontíssimo estabelecimento. Era uma questão de principio. Sua mulher era quem o ajudava, cuidando afincadamente da lida da casa e da educação dos filhos, fazendo-lhe ainda as ausências ao balcão, mais do que muitas, que todos os dias ou quase, era necessária a deslocação à cidade mais próxima, a fim de comprar isto ou aquilo, tratar deste ou daquele papel, ir a um ou a outro serviço público. Tudo parecia correr sobre rodas. Tudo se realizava a seu tempo, sem que ambos se perdessem em grandes conversas acerca das tarefas do outro, que cada um tinha as suas, que tanto afazer já lhes davam. A haver palavras, coisa que nem acontecia amiúde, guardavam-se os ditos para outros assuntos, de interesse do casal, como o que se comeria no dia seguinte, ou quando arranjariam tempo para rumar a casa da sogra, ora de um, ora de outro. Um dia, inesperado, como sempre o são estas fatalidades, eis que Alfredo se empoleira em um banco redondo, daqueles que coxeiam de perna, mas no qual ele depositou uma confiança tamanha, para mal dos seus pecados. Numa reviravolta rebuscada, estatela-se o homem no chão, capaz de gritar e de gemer, mas incapaz de caminhar, que o seu pé, pobre dele, estava retorcido e revirado, quase parecendo, querer saltar-lhe do corpo para fora. Logo é acudido por sua pronta senhora, que toma as devidas diligências para que a cura se efective em condições, que o pé de seu esposo carece de sérios cuidados, e de grande recuperação. Enquanto as mezinhas e curas tomam caminho, é a ela que agora cabe toda a vida. Desde a casa e os filhos, como sempre, à loja, desde exactamente agora, altura em que o seu Alfredo deu cabo da extremidade inferior da perna. De manga arregaçada, e enquanto o dito descansa em sossego, é ela que limpa e que cozinha, que lava e que educa, que compra e que vende, que paga e que resolve, e que ainda ouve em paciências, as vozes que na envolta, lhe choram o pé do marido, coitado.
Notas
Vi o debate de Francisco Louçã com Passos Coelho, e gostei especialmente da postura de ambos, facto que destaco como muito positivo, pela raridade com que acontece, neste tipo de andanças. Não simpatizo particularmente com nenhum deles, um, por considerá-lo um tanto ou quanto utópico dentro das linhas que defende, que não obstante terem um fundo social importante, são impossíveis de concretizar. O outro, porque me parece, e já o por cá disse, o protótipo do político frágil, demasiado fácil de derrubar. Não é preciso muito, nem grande artimanha, para que desarme ao ponto de se notar a olho nu o incómodo sentido, e a ausência de argumentação válida. Encarando o último debate programado, frente a José Sócrates, como um tanto ou quanto decisivo em termos de resultados eleitorais, temo que algo lhe possa correr menos bem. E que na sequência, tudo isto corra muito mal a todos nós.
terça-feira, 17 de maio de 2011
Calor
Todas as noites dormia com a janela entreaberta. Precisava de ar, que os cinquenta trouxeram-lhe um calor constante, imune a temperaturas, fossem elas frias, fossem elas quentes. Não suportava qualquer tipo de abafo, que se a tal coisa se sujeitasse, teria por certo o afrontamento, que desde essa altura em diante nunca mais a largou. Tinham-lhe dito que com o tempo passava, que com o suceder dos anos e o alívio das hormonas, o seu corpo encontraria de novo o sossego, mas nada, que é velha como um raio, e o calor perdurou. Ainda se lembra em tempos, de dormir guardada por uma touca de rede que lhe preservava o penteado, possibilitando assim o adiamento das idas à Dona Rosa, cabeleireira da aldeia, mestre em toucados armados a rolo, muito duradouros, quando atados pela rede. Agora, basta-lhe uma noite volvida, para os caracóis perderem a graça, que o espojo na almofada cor de rosa, que lhe serve de aconchego, chega para lhe desmanchar o penteado no instante de uma noite. Lutou contra, mas de nada lhe valeu, que a enfiar a toca na cabeça, ganha de imediato um incómodo sem igual, capaz de lhe tirar o sono por largas horas, que chegava a vir sim, mas só lá para a madrugada, com a fresquidão dos ares matutinos, que lhe entravam pela janela. Teve portanto de deixa-la, e de se sujeitar aos caracóis amassados, que compõe com um pentinho de plástico comprado para o efeito, e com uma baforada de laca cheirosa, deitada em abundância. Ouve porém uma noite, em que deveras se assustou. Por entre a janela entreaberta, entrou uma coruja majestosa, que delicadamente se poisou na porta de madeira do guarda fato, e ali se ficou. Nem deu pela entrada, que apenas a detectou já na manhã, quando ensonada se levanta, e se prepara para dar inicio aos procedimentos de higiene, olhando primeiro para o espelho, pregado na parte de dentro da porta do roupeiro, seu hábito de sempre. O bicho majestoso olhou-a e manteve-se imóvel, mas ela, nem só de medo, mas também de susto, mandou um berro estridente, e assustou o pobre do animal, que voou pela janela ensandecido. Ficou para morrer, por a tal perigo se ter sujeitado, poderia até, quiçá, o animal ter-se enraivecido, e ter-lhe saltado para a vista, deixando-a estendida à sua sorte, sem cor, sem caracóis, quem sabe até se sem olhos.
Na noite seguinte, e após muito pensar, decidiu fechar a janela de madeira, sujeitando-se ao calor sufocante que lhe atazanava o corpo, mas a segurava da bicharada. O sossego encontrado, pelo sentimento de estar protegida de qualquer mal, levou-lhe o afogo.
Na noite seguinte, e após muito pensar, decidiu fechar a janela de madeira, sujeitando-se ao calor sufocante que lhe atazanava o corpo, mas a segurava da bicharada. O sossego encontrado, pelo sentimento de estar protegida de qualquer mal, levou-lhe o afogo.
segunda-feira, 16 de maio de 2011
Factos
Não me interessa lá muito a vida sexual das pessoas. Não deixa porém de me inquietar, a conduta inapropriada para quem se destaca em termos políticos ou outros, que de resto, é inquietante em qualquer âmbito. A provarem-se as acusações, claro, que a tal não acontecer, ingressamos em outros campos, desta feita, com factos imputáveis a nós, mulheres. Transgridam o que quiserem, mas convém manter o respeito pelo outro. Forçar? Agarrar? Obrigar? Confesso, que a meu ver, é o mais claro sinal de fraqueza de alguns homens, que na falta de um intelecto capaz, subjugam mulheres, sob a sua força física. Não consigo tolerar. Até porque, tudo quanto nos é dado (? arrancado...) por imposição, não trás o sabor da satisfação, mas sim o da superioridade, ainda que fictícia. Não deve ser bem a mesma coisa. Tornam-se tão grandes que ninguém os vê. Eu, pelo menos, não consigo vê-los. De todo.
domingo, 15 de maio de 2011
Clara
Chama-se Clara, mas não o é, que é escura como breu. Talvez o tenha sido em tempos, de corpo e de alma, mas uma vida forte estrugiu-lhe a pele e o espírito, pelo que hoje, ambos se encontram ressequidos, e sem qualquer réstia de graça. É Domingo e resolveu fazer um doce. Pode ser que lhe adoce as entranhas, que desde sempre ouve dizer, que se há coisa que nos acalma, são as comidas que enfiamos dentro do bucho, que uma vez cheio, nos dá uma sensação de conforto, passageira, é bem certo, mas ainda assim, muito real. Não lhe ocorre enchê-lo de pão seco ou algo do género, que o que precisa mesmo, é de acalmar o amargo de boca, e para isso precisa de açúcar. A amargura é uma coisa medonha, que quase sem querermos, nos invade com uma habilidade pouco vista, normalmente aproveitada pelos menos nobres propósitos, tal e qual este que refiro. Quando despertamos, pegou-nos o corpo todo, por dentro e por fora, e a iminente tarefa, consiste-nos pois no remedeio, coisa essa de difícil execução, tal a força contra qual se luta. Mas não é impossível, ela sabe disso.
Inicia então o processo, mexendo ovos devagarinho, aos quais junta leite e açúcar, para depois levar ao forno em banho Maria, a fim de fazer um pudim delicioso, que cobre com calda doirada, tal e qual fazia a sua avó. Tem o devido cuidado relativamente à casca de limão perdida, que não quer encontrá-la no meio de uma dentada doce, estragaria tudo. Após a cozedura, e com uma escassa meia hora de arrefecimento, senta-se na varanda e degusta-o devagarinho. No final, jura que se sente bem, de tal forma, que quase iliba o pudim do processo, não pode ter sido só ele, o responsável por aquele estado tranquilo. Mãos divinas, por certo, ali andarão. Ou então talvez até possa, que é terno, delicado, e conseguiu ainda povoar-lhe o corpo todo, para além do estômago fraco. É simples, talvez seja isso. E às vezes o simples é que chega. Guarda o resto, devidamente condicionado. Quem sabe logo, precisa de mais.
Noites
"É noite. As caixas amontoam-se perto, arrumadas a preceito, formando uma parede frágil e lassa, que serve apenas para lhe segurar o que vai lá dentro, através dos olhos, que para o de fora, bastaria um sopro diligente de um qualquer vento que passasse, para que o abrigo se esvaísse, e o corpo lhe ficasse à mercê. Tem disso consciência, é certo, mas ainda assim, prefere-as na guarda, ainda que fraca, do que a ausência, capaz de o deixar aberto aos olhos de um mundo cruel, que vai-se a ver, e ao invés de o olhar, desolha-o, como se de uma aberração se tratasse. Deita-se, aperta-se nos cobertores recolhidos pelas mãos da Dona Natalina da Igreja, e esconde o nariz e a boca, para que o ser arfar lhe sirva de aconchego. Tem frio. Respira mais depressa, mas não lhe chega, que o rigor do Inverno faz-se sentir, pelo que se levanta, enquanto pensa por dentro como aquecer aquele corpo, fraco e combalido, totalmente incapaz perante a agrura de um Inverno, que desde sempre parece segui-lo. Nos entretantos, acende uma beata mirrada das que recolheu durante o dia na porta da Câmara. Não há porta melhor para as apanhar, que os Homens e Mulheres entram e saem a toda a hora, dão dois bafos e largam-nas no chão. É aquela a preciosidade que lhe acalenta o espírito nas noites, enquanto os outros, os que lhe deram o primeiro préstimo, se aquecem enroscados no sofá da sala ou na cama quente. Em tempos, chegou a ambicionar companhia, em momentos solitários como este, mas desistiu. Recordou-se de sua vida e da amargura sentida em cada minuto, e julgou prudente a solidão, sabendo-a fria, é certo, mas muito segura." ...
sábado, 14 de maio de 2011
Da barba e afins. Pequena consideração
Os Homens fazem a barba e queixam-se disso, como se fosse uma penosidade tamanha, como se por tal facto, imputado pela extrema necessidade de a fazer todos os dias, fosse um martírio matutino, que lhes rouba uns bons cinco minutos a todas as manhãs, sejam elas de verão, de inverno, de trabalho ou de descanso. Já pensei convidá-los ao esquecimento de tal tarefa, a todos no geral, disporem-se a ela apenas um dia entre outro, poupava-lhes trabalho, aumentaria a boa disposição, e o ar conseguido só abonaria em seu favor, independentemente da indumentaria ser livre, ou atafulhada de gravatas. Opiniões. Ainda assim, gostaria de desafia-los a ingressar na nossa pele medonhamente susceptível às variações hormonais, que num dia brilha muito e no outro não brilha nada, que num dia tem um pelo no buço, no outro umas sobrancelhas de bicho, enfim, uma tormenta, rematada com jeito e graça por uns cabelos no alto da nuca, que se querem escuros, mas que teimam em ficar brancos, com os quais travamos uma luta medonha, que vencemos momentâneamente, mas que acabamos sempre por perder, passados uns dias. Temos ainda as pernas, as quais usamos em nosso belo proveito e muito bem usadas, mas com as quais temos de ter um cuidado especial, que num pequeno descuido, e é vê-las minadas de pilosidades inestéticas tamanhas, a necessitarem de remoção imediata, de forma adequada e dolorosa, pela raiz, se é que me explico. Vamos nós rapa-las, tal como fazem à vossa barba, e ao invés de dois pedaços de seda macia, ganharemos dois troncos forrados a lixa, dos quais apetece manter distância, que esta coisa de gostos por barbas rijas, é cá pra nós, e nem bem sei o porquê. Ora perante esta explicação, que nem sequer vai longa, mas que assim se ficará, já dispomos de matéria suficiente para rematar, em jeito de conclusão, que a injustiça do mundo começou exactamente nestes míseros pormenores, que bem feitas as contas, e no final da vida, o tempo útil por nós gasto, nessas futilidades necessárias, seria suficiente para nos regalarmos em outras ocupações, que tudo bem somadinho, e ficaremos a anos luz de distância, em dispensa de horas, dos vossos minutitos gastos a contragosto, na hora do despertar. Somos umas mártires, esquecidas por Deus. Só por isso, merecíamos que baixassem sempre o tampo da sanita.
Divisões
Cá dentro, estamos divididos. De um lado, encaixamos a compreensão, a racionalidade, o entendimento. Do outro, temos o sentir. De nada nos vale um sem o outro, que a subjugarmos-nos a apenas uma das vertentes, entramos num circulo sem fim, totalmente direccionado e desfasado da realidade, que de ambos necessitamos para um Eu coerente, sensato, adaptado. Encontramos-nos porém, muitas das vezes, num dilema. Quando entendemos e compreendemos, mas depois, numa tamanha afronta do nosso Eu mais profundo, entramos em sofrimento, porque o nosso sentir, pobre de si, não se satisfaz com estas teorias concretas, boas de escrever e de analisar, mas tão, tão distantes do que nos move cá dentro. É nessas horas que entendemos os afastamentos, ao mesmo tempo que os choramos, que percebemos o cansaço quando trememos por descanso, que contemos o nosso interior, quando lá dentro ele transborda. Há dias, em que me canso de entendimentos, e de linhas certas e muito coerentes. E em que me apetece, numa leviandade exacerbada, ingressar no meu corpo, e tirar cá para fora o que sinto lá dentro. Sem correcções, compreensões, ou quaisquer outro tipo de deveres. Provavelmente, chegaria ao caos, trazido pela total ausência de razão. Ainda assim, e pudesse um dia escolher um deles, temporariamente que fosse, sentiria em plenitude. E deixar-me-ia levar por num embalo doce, totalmente livre e meu. Temeria apenas o despertar, que mais não faria do que trazer-me de volta ao mundo real, corroído por ambos os extremos, que se atropelam por incompatibilidades diversas.
Aflições
Cheguei a pensar ter sido banida pela minha conta, cansada de me aturar. Afinal, não chegou a tanto.
quarta-feira, 11 de maio de 2011
Mãe anda... Mãe vou...

Ontem deu-me mais um, como se preciso fosse. Cresce a cada dia, e os factos acumulam-se em peso, não vão haver dúvidas. Cresce por dentro e por fora, e eu, inquieto-me. Encontro-lhe o caminho precioso da vida e orgulho-me nisso com um orgulho maior. Queria-o porém, num rasgo de puro egoísmo e loucura, debaixo da minha asa. Ou então, um despertar mais lento, mas sei, logicamente, que tal não é possível. Resta-me a mim a adaptação. Vou na procura, mas nem encontro onde sossegue. Por vezes, deparo-me com caminhos destes, onde deambulo perdida algures em lado nenhum, porque a coerência da vida, não encaixa com a do coração.
Fraquezas minhas
Estavam no parque de estacionamento. Ela, sentada na bagageira de um Saxo, lambia um Cornetto de Morango, enquanto ele, de pé, bebericava uma mini fresca, que gotejava pingos de água para o chão. Nem os teria visto, ou não fosse a indumentaria, que nada do que faziam despoletava interesse, curiosidade, ou qualquer um outro tipo de sentimento, emergido de alguma conduta inapropriada. Eram eles em si. Nos escassos segundos em que lhes pus os olhos, saltou-me à vista a ausência de cabelo dela, no sítio do qual se encontrava uma cabeça lisinha, onde estava tatuado um qualquer bicho com muitas patas, que lhe envolvia a totalidade da mesma, até bater nas orelhas, carregadinhas de piercings. Vestia uma blusa florida, muito decotada, onde um crucifixo pousava, pendente numa corrente grossa e prateada. Dos braços, emergiam umas outras tatuagens, que não consegui decifrar, tal a quantidade. As calças de ganga, curtas e rasgadas, deixavam aparecer umas meias lilás, atafulhadas dentro de umas botas da tropa atadas até quase ao joelho. Tinha um risco negro nos olhos. Ele, contrariamente a ela, usava uma farta cabeleira unida em rastas untadas a sebo, montes delas, atadas num rabo de cavalo peçonhento, no alto da nuca. Vestia em tons cinza, umas roupas largas e sujas, e calçava um chinelo castanho de enfiar no dedo. Tinha uns óculos de sol redondinhos e espelhados. Olhei-os sem conseguir evitar, confesso. Não com alguma diferença de alturas, que os olhos são todos, sempre, ao mesmo nível, e nem me presto a qualquer um outro tipo de visão. Só não consegui evitar em mim, um ligeiro, mas ainda assim mesquinho, sentimento de estranheza. Fiquei furiosa.
terça-feira, 10 de maio de 2011
Sinais dos tempos
Tiraram-me o juízo até os conseguir lançar. Cheguei a ser Maria Rapaz, é isso. Logo após a fase de treino exaustivo, ganhei-lhe um gosto sem igual, e poucos me batiam na mestria do lançamento, em rapidez e duração. Acho que se pegar num, ainda me desenrasco. O meu filho não lhes liga nenhuma. São feios, sem cor e dão trabalho. São baratinhos, e basta um, que são todos iguais. São resistentes.
Cá em casa, bailam destes pelo chão. São coloridos que se fartam, e têm um adaptador milagroso que os faz girar até à exaustão, sem qualquer tipo de treino ou esforço. São caros como um raio, e eu, também os acho todos iguais ou muito parecidos, mas ele, acha que não. Facilmente perdem peças e ficam inutilizados. Ontem tropecei num. O velho e os pombos
Sentado num banco do jardim, depena um naco de pão seco, devagarinho, a fim de que renda, e vai dando aos pombos que se lhe abeiram. São uns quantos, branquinhos, que lhe saltitam a envolta, quase parecendo que dançam. Enverga umas vestes pretas e quentes, ainda abafadas por um casaco de malha espesso, que lhe aquece um corpo frio, no qual o sol já não entra. Os óculos, deixam antever umas lágrimas teimosas que lhe escorrem no rosto. Em tempos lutava contra elas, mas hoje já se cansou. O orgulho em ser Homem com H muito grande foi-se esvaindo no tempo, e hoje, mais não é do que um homem de h pequenino, quem sabe até já sem ele, que se encolheu até não ser visto. Ninguém o vê, é isso, e como tal, já pode chorar. Antigamente, chegou a julgar-se gente, que era pessoa grande e forte, capaz, usava dizer-se. Não havia dias, que não fossem os ditos santos, em que não trabalhasse de sol a sol, a fim de dar à família o sustento necessário. Nessa altura, toda a gente o via, o sentia, o ouvia, enfim, um conjunto de sentidos que despertava na envolta, pensava ele que por estimação. Erro crasso, que o que profere hoje, é que os sentimentos nos emergem das nossas necessidades e não dos nossos corações. Esses, os genuínos, tem ele lá dentro, que ainda que no abandono, se mantêm acesos aos ponto de lhe fazerem doer. Haverá por aí mais quem os tenha, haverá quem não. Ele não dói a ninguém, sabe bem disso, e como tal, a tarefa dos dias é distribuição do pão pelos pássaros, um bocadinho de cada vez, que assim que o dito acabe, é vê-los voar para longe. A natureza, afinal, está longe da perfeição.
(Eu sei que me deveria manter longe de jardins. São muito procurados por gente triste, intercalada com o oposto, claro. Ainda assim, não lhes resisto. Só ainda não sei se por gosto, flores, caridade, alegria ou solidão)
(Eu sei que me deveria manter longe de jardins. São muito procurados por gente triste, intercalada com o oposto, claro. Ainda assim, não lhes resisto. Só ainda não sei se por gosto, flores, caridade, alegria ou solidão)
segunda-feira, 9 de maio de 2011
Amola tesouras

Ele usava tocar ainda ao longe, nas portas da aldeia. Vinha numa bicicleta de roda larga, e nas traseiras da mesma, arrumava a preciosa máquina que permitia às Donas da costura, o uso de uma tesoura em condições. Todas o esperavam com anseio, e mal o ouviam ao longe, apressavam as lides, a fim de regressarem a casa depressa, não fosse o dito passar em vão. Mais um mês se esperaria, coisa deveras insensata, que a roupa, a precisar de ser costurada, necessitava de uma boa tesoura, artefacto imprescindível, para que a tarefa saísse em perfeição. Lá vem o amola tesouras, ouvi vezes sem conta da boca de minha avó, que cortava peles a eito, para proteger casacos, calças e outros que tais, ou não fosse ela, da terra dos curtumes.
Não sei a que veio. Nem sei se em sonho, se verdadeiro, que por vezes, no calor da noite, fico na dúvida, mas quase, quase que o juro real. Ouvido ao longe, tocado não sei por quem, o som do homem que amolava tesouras. Provavelmente, a profissão já se extinguiu, e por certo, o som que ouvi, virá de algum artefacto que o imita, usado por algum jovem a quem a noite deu para aquilo. Ou então, terei sonhado.
sexta-feira, 6 de maio de 2011
...
Desabafos
Há dias em que me sinto correr. Como se o tempo me escoasse do corpo, e em mim não se albergasse. Como se não me chegasse para o que quero, como se precisasse, imprescindivelmente, de dias maiores. Nesses dias, tal como hoje, sinto saudades de o matar. Com isto, aquilo, com tudo e com nada, apenas para distrair.
quinta-feira, 5 de maio de 2011
Viagens e propósitos
Às vezes sente que alguém a pegou. Por pegar entende que a levaram a contra vontade, e a depositaram num qualquer sitio onde não conhece nada nem ninguém, e onde nem sequer queria estar. Hoje ficou na porta de uma igreja, muito velha e esburacada, onde decorria um enterro. Na porta, um casal pegava uma garota pela mão, enquanto bichanavam aos ouvidos um do outro, coisas que ela não conseguia ouvir. Lá dentro, uma dúzia de velhos sentados em bancos estreitos, rezavam ao toque do pároco, que encomendava aquela pobre alma pecadora, que sucumbiu à doença e partiu, vá lá saber-se para onde. De tanta viagem amaldiçoada que a ela já chegou, e ainda cá neste mundo, julga poder crer que aquela, muito mais profunda e transcendente, será também atribulada, e capaz de nos levar aos mais diversos lugares do mundo, ou até, quem sabe, fora dele. A morta está depositada no caixão forrado a branco, e tem as duas mãos juntinhas ao peito. Tem uma cara de tranquilidade inigualável, daquelas que pouco encontra em vida, pelo que conclui que a viagem estará a ser boa. Apesar disso, saiu depressa. Lá fora, de um lado um jardim, do outro o cemitério. Sabe ser-lhe possível escolha, pelo que se emaranha no jardim, não por qualquer pudor desenvolvido a sítios onde se deposita gente sem vida, normalmente locais muito enfeitados e verdejantes, mas apenas porque prevê, que dai a poucos minutos, os velhos do cortejo começarão a chegar aos magotes, e tirar-lhe-ão o sossego, do qual necessita para analisar o porquê de ter pousado ali. No jardim, minado de carreirinhos estreitos ladeados a flores, encontram-se bancos de madeira e ferro pintados de verde, que se confundem com a imensidade, e onde se encontram uma ou outra pessoa, sentadas ao sol. No meio da relva, um conjunto de pássaros debicam qualquer coisa ali deixada, provavelmente ao acaso, que lhes serve de precioso alimento. Segue em frente até ao precipício. Ao longe, vê um rio, ladeado por areias e logo depois por casas, brancas e pequenas, muito juntinhas umas às outras. Consegue distinguir gente, embora pouca, que mais parece formigas, a andar depressa de um lado para o outro. Resolve senta-se no muro, por mor da reflexão. Retira um cadernito florido da mala, e escreve o que lhe vem à ideia, logo a seguir aos ditos da viagem anterior. E nesses, nos que já lá estavam, lia-se assim, " vejo um conjunto de pessoas que se atropela umas na outras. Acabou de nascer aqui um bebé, que grita e esbraceja, e que é de imediato colocado no colo de uma mãe, que lhe ganha um amor sem fim. Ali, naqueles instantes, consigo ler eternidade. Sim, estou capaz de jurar que ela existe."
quarta-feira, 4 de maio de 2011
Reflexão
Iniciou-se este meu processo nas últimas presidenciais. Não me conhecia em mim mesma esta insatisfação, que não creio estar inserida no meu espírito exigente, mas sim, na escassez de opções que se me apresentam. Encontro-me por ora num estado de análise completamente independente de cores políticas, anexo a alguns pontos que considero fundamentais, e permaneço num estado de preocupação sério. Não me incluo na classe populacional que resolve abster-se, por não concordar de todo com o principio, independentemente da falta de opções. Não obstante este facto, encontro-me emergida numa total incredulidade na classe política no geral, pelos graves índices de ineficiência, e pela carência de alternativas sólidas. Numa visão mais abrangente, julgo que deveríamos todos estar em cuidados. As pessoas que encabeçam as listas e, consequentemente, o país, não me parecem reflectir uma sociedade coerente, mas sim uma total inversão de princípios e valores. Mas onde se encontram os competentes? Serão um tanto ou quanto conscienciosos, e terão receio em embrenhar-se nas linhas perigosas que nos cosem a política? Serão abalroados pelos que julgam saber muito, e que numas ladinas artes os abafam? Ou, pior, será que nem existem? Honestamente pergunto-me, onde estão actualmente, grandes nomes políticos? Quais deles ficarão para a nossa história? Ou estaremos de tal forma condenados, que daqui a uns anos, nos livros, irão encontrar-nos num período cinzento e fundo, de onde nada sairá senão inércia e incompetência?
Paragens
No cais da pesca os barcos aninham-se um a um, misturando cores e nomes de gente e de peixes. Despertou-me especialmente o Camões, por o julgar uma homenagem lindíssima a alguém que tanto a merece. Uma vez, em criança, tive um cão com esse nome, que me surgiu em casa vindo sei lá de onde, e que via apenas de um olho. Na calçada da vila piscatória, as mulheres caminham com vista a umas coxas mais firmes, que o verão está à porta, e os excessos do frio saltam à vista, pelo que o remedeio constitui uma necessidade emergente. Velhas e novas juntam-se ao entardecer, e percorrem aquele caminho batido pelo salitre que se eleva da água, onde alguns limos de ondas mais aventureiras se depositam, já muito velhos e ressequidos. Enquanto caminham, cochicham umas com as outras acerca do jantar que irão fazer, do filho que já está crescido, do marido que está com ácido úrico, enfim, trivialidades. Os pescadores, ocupadíssimos e indiferentes a quem passa, recolhem as redes de pesca para mais uma noite no mar. Limpam os barcos do pescado da noite anterior, averiguam as circunstâncias de navegação, e aprontam-se para a saída, que a hora está próxima. Inunda-me uma estranha sensação de movimento da qual eu me excluo. Não me encontro, naquele exacto momento, a fazer o que quer que seja, que me passeio, num passo lento e mortiço, revelador de um cansaço que quase sempre escondo, mas que por vezes, muito pouquinhas, deixo emergir. Ainda considero misturar-me na multidão de mulheres, dar uma corrida, a ver se a mim mesma me engano, mas não, fico-me apenas a olhar, ciente de que naquela hora, o meu mundo está parado ali. De nada me vale o esforço, que mais não me trará do que maior fraqueza, num excesso de desgaste, completamente desnecessário. Por vezes, julgo que deveríamos ser portadores de um qualquer recipiente interno, capaz de nos aproveitar os excessos cometidos sem proveito, a fim de nos possibilitar uma reserva digna de referência, para quando dela necessitássemos. Quando nascer outra vez, trarei isso com toda a certeza. Ao fundo, no horizonte, chega um barco de passeio com gente lá dentro.
No meu caminho apagado, encontro uma esplanada e resolvo sentar-me. Preciso, com muita urgência, de poupar-me ainda mais. Encosto-me na cadeira e peço um gelado, é fresquinho e o tempo está quente. O mundo à minha volta, continua a girar.
terça-feira, 3 de maio de 2011
Cenários
Os cabelos são de um branco acinzentado, num corte jovial e alvoraçado, mais aceitável numa de vinte que numa de quarenta, mas hoje, as modas assim se prestam, pelo que o exibe com orgulho, enquanto sacode uns que propositadamente lhe povoam a testa. Julga que lhe dão aquele ar cobiçado do desleixo charmoso, uma ambição das mulheres. Quando as ditas o atingem de facto, a coisa é gira de se ver, dá uma certa graça, uma naturalidade tranquila, chamemos-lhe assim. Quando não se consegue lá chegar, muitas vezes arrisco dizer, incluindo esta que refiro, apenas para vosso conhecimento, incorrem numa ridicularidade exacerbada, visível aos olhos de todos menos aos delas. Toda a restante indumentaria, confirma o que atrás refiro. Segue de mão dada com o marido, um morenaço gordo e viçoso, que passa o seu tempo entre Angola e Portugal, e que quando cá vem, exibe com orgulho uma tez de pele curtida pelo sol, por baixo de uma camisa aberta até ao umbigo, onde deposita um crucifixo de oiro, muito amarelo, que se abanica entre uns pelos densos que lhe povoam o peito. Na cara, uma barba de três dias, guarnecem-lhe um rosto roliço, barba essa que se encontra com umas patilhas ali a meio do caminho, fartas e esbranquiçadas. A calça de ganga, minimamente normal, vem adornada com uns ténis pretos e amarelos florescentes, aos quais não consegui ver a marca. Sentam-se e pedem um café, enquanto sorriem uns risos miudinhos, e fazem festas na cara um do outro. Não se coíbem a elogios, que são feitos para isso mesmo, para se darem, pelo que de minuto a minuto, oiço umas tantas coisas, do género és linda, e outros que tais. Julgo que viver em continentes diferentes, pode dar nisto. Eu, por exemplo, nunca arriscaria uma coisa assim.
segunda-feira, 2 de maio de 2011
Dos ódios, ou de como hoje, este assunto me tira o sossego...
Os últimos acontecimentos, dos quais destaco as mortes na Líbia, e a de Bin Laden, não podem deixar de me fazer pensar acerca do mundo onde vivemos. Bem sei que os interesses do Homem são tudo menos nobres, que o circuitos se movem em torno de interesses e não de sentimentos, e que o ciclo tende a agravar-se, com a constante evolução das tecnologias, e um total desapego ao que verdadeiramente interessa. Independentemente de se tratarem de mortes significativas para a humanidade, nomeadamente a desta noite, que das outras, recuso falar de forma mais concreta, por atingirem patamares que desconsidero por completo, não deixam de ser a aplicação nua a crua de uma justiça mundana, deixada às mãos de quem se julga em direitos de acabar com o que acha errado ( e que é errado de facto), pelo renascimento do que se considera como certo( ?). E não constituirá isto, por si só um erro? Uma entrada em caminhos de ilusória evolução, que numa implacabilidade de guerras e mortes, nos leve para caminhos de destruição, ao invés de nos elevar a patamares mais sóbrios da humanidade? São apenas questões, das muitas que se levantam em relação ao tema. Nem bem julgo quem assim ousa governar o mundo, que mesmo em mim, misturo sentimentos antagónicos, pela necessidade de exterminar ódios, que sei existirem, intercalado com um sentimento de excesso de poder, do qual nos julgamos detentores, sem que isso nos seja possível. Gostaria que se tratasse efectivamente de um marco, do fim do terrorismo, coisa sem a qual, viveríamos muito mais plenamente. Temo porém o inverso, e que numa revolta poderosa de outros que não se exterminaram, nos surja um caminho de guerra e de ódio, impossível de aniquilar. Até porque, acabamos todos por entrar no ciclo da vingança, que gerará outra, e outra, e outra. A meio do caminho, por certo, já todos perderam a razão.
Bin Laden

Não deixa de ser um marco. Tenta-se acabar com cenários como este, uma das maiores atrocidades que vi, desde que me conheço como gente. Já dizem constituir uma viragem, com o princípio do fim do terrorismo, e eu gostava tanto de acreditar. Ainda assim, não consigo muito bem compreender, a pressa das cerimónias fúnebres por respeito à tradição, e o local de depósito do corpo. Não duvidando das palavras de quem nos fez chegar a notícia desta morte, obviamente. Constituirá uma prevenção para algum tipo de vandalismo, perfeitamente possível de ocorrer, em caso de sepultura localizada? Quererá conter-se a emoção de um mundo sedento de vingança, e capaz de cometer atrocidades, nesta sequência? Ficam-me estas questões, que honestamente, nem me emergem mais nenhumas.
Justine
Possidónia não tinha nome de gente. Tinha nome de uma tia ensandecida, que morreu nova e sem deixar descendência, quem sabe até, se tal mal não a apanhou, pelo grave desgosto com o nome que tinha. Sua mãe, em homenagem, resolveu baptizar a filha com tal desgraça, horripilante e impronunciável, capaz de afugentar os mafarricos do mundo, quanto mais as gentes de boa fé, que nunca por nunca ser, se haveriam de aproximar dela. Resolveu lutar contra ele, que unir-se a tal infortúnio, nem lhe parecia futuro com augúrios detentores de prosperidade, pelo que passou tempo considerável, na busca de uma alcunha com a qual pudesse auto denominar-se, e sorrateiramente espalhar pela aldeia, por forma a dar-se a conhecer com outra graça. Pensou muito, mas nada lhe ocorria. Marias, Auroras e Anastácias, existiam por lá a cada esquina, Lenas e Chicas, constituíam diminutivos de nomes mais ou menos jeitosinhos, mas que a ela não se aplicavam, que era gorda, mal enjorcada e de nome Possidónia, pelo que o que precisava mesmo, era de um nome pomposo e chique, e não de um qualquer mísera denominação, vulgar e desenxabida. Um dia, porém, e sem qualquer trabalho de sua parte, quando andava já em desleixo, numa aceitação profunda da sua realidade atroz, por falta de alternativas, eis que surgiu na aldeia um mercador, detentor de uma carrinha recheada de mercearias e outras preciosidades, que vendia de porta em porta, anunciando com uma corneta a chegada. Possidónia, ao ouvir o chamamento saiu a correr, para ver o que traria de arrasto tal apregoo, digno de referência, tal a intensidade do som. O senhor, enquanto anunciava a mercadoria trazida às mulheres que chegavam, ia tirando algumas delas, que considerava merecedoras de mostra, a fim de publicitar o negócio. No meio de todos os artefactos, destacou uma água de colónia rara, guardada em frasco de vidro, onde se lia Justine. Nunca ninguém na aldeia tinha ouvido tal nome, de um poder e riqueza extraordinário, num perfume que vinha aninhado numa embalagem transparente, onde se molhavam os dedos para depois se passarem no pescoço e nos punhos, a fim de perfumar o corpo. Possidónia, nem queria acreditar no que ouvia, seria isso possível? Era aquela a fina graça que se lhe destinava, a ela, moçoila desajeitada de nome e de figura, uma pobre, amargurada em jeito de homenagem. Correu a solicitar sua mãe, para que a compra daquele frasco se efectuasse em forma de dádiva, para que o seu novo nome fosse adoptado por si, que tanta vontade tinha em tê-lo. A mãe, sem perceber tamanha ansiedade, segue a ver do que se trata, e quando toma o devido conhecimento, chama-a de louca, e diz-lhe que sossegue. Que assim se chamava porque assim tinha de ser, e que todo aquele sonho descabido, mais não era do que um devaneio de cabeça tonta, muito vazia e desastrada, que necessitava era encher-se de afazeres, como esfregar o chão ou engomar a roupa. Possidónia, cabisbaixa, acatou e entrou. Por entre uma fresta da janela, ficou a olhar o mercador, que lhe lera nos olhos uma tristeza sem fim, que julgou fácil de tratar, ainda que ao nome, não lho pudesse mudar. No dia seguinte, no muro da casa, dentro de uma caixa de papelão enrugada, Possidónia encontrou o frasco transparente da fragrância, deixado em jeito de prenda, por tão amável pessoa. De ali em diante e sempre que adormecia, perfumava o corpo, emaranhava-se nos lençóis, e dormia a sonhar que se chamava Justine.
domingo, 1 de maio de 2011
Da maternidade...

Julgo nascerem-nos novas partes do corpo, para além do ser que nos brota de cá de dentro, e que expulsamos num puxo de vida e de dor, numa grandiosidade enorme, indescritível, diria. A partir desse dia, vimos tudo com outros olhos, tocamos com outras mãos, sentimos, sim, sentimos com outro coração, que todas estas partes se refinam, num despertar nobre e eterno. Nada se assemelha ao antes. Por vezes, o mundo encaixa-nos em outro patamar, onde nos apelida de frágeis, a nós mulheres, pela nossa sensibilidade, pela nossa doçura, pela nossa afectividade. Bem sei que todas elas se aguçam quando no nosso corpo geramos gente, mas de resto, que mais fazermos perante tal milagre, que nos assola e nos leva por completo, aquando do momento mágico a que somos sujeitas? Entendo a dificuldade de quem por tal coisa não passe, de nos perceber. Seria bom o respeito, que para nós, Mulheres, fica admiração mútua, por reunirmos em nossas entranhas tal capacidade, inigualável e inalterável, dentro do seio da natureza. Julgo ser essa a fusão que quem por cá nos deixou, ousou sonhar. Uma complementaridade única, entre diferentes dimensões, que poderão pelo entendimento profundo, originar o ciclo da vida. Somos tão, mas tão perfeitos, que nem percebo como esquecemos isso.
Acontecimentos
É sempre ao mesmo dia que celebram a devoção à Santa. Há muitos anos, a pedido desesperado de quem há muito se esvaia em fome e em doença, surge uma linda figura, no alto de uma árvore, e finda com aquele sofrimento de uma vez por todas, quem sabe até, por uma questão de sossego, que já nem os santos do céu poderiam por certo ouvir tanta prece. Somos porém detentores de uma espécie de comportamento dependente, que não nos chega o pedido e a sua satisfação, para necessitarmos do eterno agradecimento, nem bem sei se por verdadeira gratidão, se por receio do esquecimento por parte das lides divinas, sendo que nos mantemos em permanente graça, aos dias certos, aos Domingos, aos dias santos, e todas as noites, antes de dormir. Não consta este meu parecer dentro do âmbito da crítica, que se entenda tal facto, que a alienação é própria do ser humano, que dispõe, felizmente, de uma panóplia de grandezas às quais se pode render, precisa delas para o seu percurso e caminho. Constitui um simples pensamento, uma divagação, num dia em que um novo Beato nos nasce, sob as mãos sábias (?) do Vaticano. Não me cabe a mim julgar a dignidade de tal elevação, que de resto, nem detenho qualquer tipo de poder ou dom divino, que me conceda sapiência suficiente para avaliar o que me transcende, e por isso me centro nas gentes, sob as quais já percebo qualquer coisa. Num mundo um tanto ou quanto frágil, recheado de guerras, crises e confrontos, grandes acontecimentos são um bálsamo para alma, tal como o foi, o casamento real, numa dimensão totalmente diferente. Servem, acima de tudo, para reflexão, grandeza que tantas vezes esquecemos, como um caminho para a evolução. A anexar aos nossos pensamentos, poderemos ainda juntar os mais recentes acontecimentos da Líbia. São dignos de neles nos debruçarmos.
Um bom dia. Da mãe, do trabalhador, da beatificação. E de tudo o resto que queiram.
Um bom dia. Da mãe, do trabalhador, da beatificação. E de tudo o resto que queiram.
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