domingo, 29 de maio de 2011

Ostílio

Ostílio vivia em Benfica. Enviuvou cedo demais, que a pobre mulher que lhe aturava as andanças durou pouco, deixando-o sem descendência e companhia. Nem trata este facto estranheza, que a pobre, já fraca de cabeça, num ápice sucumbiu à maldade de seu marido, um bêbado enfadonho e velhaco, que via nela uma propriedade onde poisar, de forma embrutecida e desprovida de qualquer afecto. Ela, morreu de desgosto, diz-se por lá. Foi-se mingando, a pouco e pouco, perdendo devagarinho partes de si. Primeiro a força, depois a destreza, logo a seguir, a fala, que se sumiu de vez perante tamanho agoiro que a vida lhe tinha dado. Tudo isto, se esvaiu em prol da necessidade, não me restam dúvidas. A força foi-se-lhe porque já era pouca, a destreza porque de nada lhe valia, a voz, porque sempre se calava, por mor da inferioridade. Por vezes, nem percebemos isto, que julgamos-nos capazes de crescer de todos os lados, como se de todos os lados pudéssemos vingar. Tamanho disparate, que a envolta, detém um poder quase absoluto, deixando-nos apenas a réstia do interior genético, muito fraco perante o resto. Hoje passei-lhe na porta. Lá dentro, sem ver, imagino. O velho barbudo e velhaco a cheirar a vinho. A empregada novinha em folha que guardou o lugar para si. A alma da esposa, invisível, como sempre.

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