terça-feira, 10 de maio de 2011

O velho e os pombos

Sentado num banco do jardim, depena um naco de pão seco, devagarinho, a fim de que renda, e vai dando aos pombos que se lhe abeiram. São uns quantos, branquinhos, que lhe saltitam a envolta, quase parecendo que dançam. Enverga umas vestes pretas e quentes, ainda abafadas por um casaco de malha espesso, que lhe aquece um corpo frio, no qual o sol já não entra. Os óculos, deixam antever umas lágrimas teimosas que lhe escorrem no rosto. Em tempos lutava contra elas, mas hoje já se cansou. O orgulho em ser Homem com H muito grande foi-se esvaindo no tempo, e hoje, mais não é do que um homem de h pequenino, quem sabe até já sem ele, que se encolheu até não ser visto. Ninguém o vê, é isso, e como tal, já pode chorar. Antigamente, chegou a julgar-se gente, que era pessoa grande e forte, capaz, usava dizer-se. Não havia dias, que não fossem os ditos santos, em que não trabalhasse de sol a sol, a fim de dar à família o sustento necessário. Nessa altura, toda a gente o via, o sentia, o ouvia, enfim, um conjunto de sentidos que despertava na envolta, pensava ele que por estimação. Erro crasso, que o que profere hoje, é que os sentimentos nos emergem das nossas necessidades e não dos nossos corações. Esses, os genuínos, tem ele lá dentro, que ainda que no abandono, se mantêm acesos aos ponto de lhe fazerem doer. Haverá por aí mais quem os tenha, haverá quem não. Ele não dói a ninguém, sabe bem disso, e como tal, a tarefa dos dias é distribuição do pão pelos pássaros, um bocadinho de cada vez, que assim que o dito acabe, é vê-los voar para longe. A natureza, afinal, está longe da perfeição.

(Eu sei que me deveria manter longe de jardins. São muito procurados por gente triste, intercalada com o oposto, claro. Ainda assim, não lhes resisto. Só ainda não sei se por gosto, flores, caridade, alegria ou solidão)

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