domingo, 22 de maio de 2011

Rotas

Disseram-lhe um dia que a vida era fácil. Comer, dormir, trabalhar, uns dias de sol, outros de chuva e assim se seguiria, sem afins ou outros senãos. Acreditou. Aquilo tinha-lhe sido dito à boca cheia, vindo de gente vivida, paracia-lhe bem. Tentou fazer-se a tal fado, sem discussões ou compreensões, que o género fácil soava-lhe a doce, e as dificuldades nem se lhe afiguravam meigas, para quê chama-las? Assim se girou até que um dia avessou. O crescimento sério, por vezes, nem se procura, instala-se, mesmo que a ele se fuja como se foge de um cão raivoso, capaz de morder-nos contra a nossa vontade, e que a fazê-lo, nos marca para sempre, com uns dentes fininhos e não só, que também o faz com a substância. Nem bem sabe que voltas deu, que rumos tomou, mas sabe, isso sim, que as benesses vividas por quem se deixava ir sem discórdia, lhe escorrem agora das mãos, dos olhos, do corpo, como se rompida estivesse, e lá dentro, apenas lhe restasse a questão, a vontade, a curiosidade, coladas a ela como umas sanguessugas esfomeadas, que a levam de arrasto, sem qualquer tipo de compaixão. E que faça agora, meu Deus? Revira-se por dentro, desmantela-se e volta a compor-se, refaz-se e dorme, acorda outra vez. Queria, a todo o custo, uma regressão. Nem pensa a fundo, acharão em engano, que nada para além disso tem feito. Precisa, com força, de remendos, que a peguem e atamanquem de vez, para que de novo se cinja a si e a nada, por nada mais precisar. Teme carecer de um caminho inverso, que nem se procura. Ou pode até procurar-se, mas jamais se fará.

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