segunda-feira, 2 de maio de 2011

Justine

Possidónia não tinha nome de gente. Tinha nome de uma tia ensandecida, que morreu nova e sem deixar descendência, quem sabe até, se tal mal não a apanhou, pelo grave desgosto com o nome que tinha. Sua mãe, em homenagem, resolveu baptizar a filha com tal desgraça, horripilante e impronunciável, capaz de afugentar os mafarricos do mundo, quanto mais as gentes de boa fé, que nunca por nunca ser, se haveriam de aproximar dela. Resolveu lutar contra ele, que unir-se a tal infortúnio, nem lhe parecia futuro com augúrios detentores de prosperidade, pelo que passou tempo considerável, na busca de uma alcunha com a qual pudesse auto denominar-se, e sorrateiramente espalhar pela aldeia, por forma a dar-se a conhecer com outra graça. Pensou muito, mas nada lhe ocorria. Marias, Auroras e Anastácias, existiam por lá a cada esquina, Lenas e Chicas, constituíam diminutivos de nomes mais ou menos jeitosinhos, mas que a ela não se aplicavam, que era gorda, mal enjorcada e de nome Possidónia, pelo que o que precisava mesmo, era de um nome pomposo e chique, e não de um qualquer mísera denominação, vulgar e desenxabida. Um dia, porém, e sem qualquer trabalho de sua parte, quando andava em desleixo, numa aceitação profunda da sua realidade atroz, por falta de alternativas, eis que surgiu na aldeia um mercador, detentor de uma carrinha recheada de mercearias e outras preciosidades, que vendia de porta em porta, anunciando com uma corneta a chegada. Possidónia, ao ouvir o chamamento saiu a correr, para ver o que traria de arrasto tal apregoo, digno de referência, tal a intensidade do som. O senhor, enquanto anunciava a mercadoria trazida às mulheres que chegavam, ia tirando algumas delas, que considerava merecedoras de mostra, a fim de publicitar o negócio. No meio de todos os artefactos, destacou uma água de colónia rara, guardada em frasco de vidro, onde se lia Justine. Nunca ninguém na aldeia tinha ouvido tal nome, de um poder e riqueza extraordinário, num perfume que vinha aninhado numa embalagem transparente, onde se molhavam os dedos para depois se passarem no pescoço e nos punhos, a fim de perfumar o corpo. Possidónia, nem queria acreditar no que ouvia, seria isso possível? Era aquela a fina graça que se lhe destinava, a ela, moçoila desajeitada de nome e de figura, uma pobre, amargurada em jeito de homenagem. Correu a solicitar sua mãe, para que a compra daquele frasco se efectuasse em forma de dádiva, para que o seu novo nome fosse adoptado por si, que tanta vontade tinha em tê-lo. A mãe, sem perceber tamanha ansiedade, segue a ver do que se trata, e quando toma o devido conhecimento, chama-a de louca, e diz-lhe que sossegue. Que assim se chamava porque assim tinha de ser, e que todo aquele sonho descabido, mais não era do que um devaneio de cabeça tonta, muito vazia e desastrada, que necessitava era encher-se de afazeres, como esfregar o chão ou engomar a roupa. Possidónia, cabisbaixa, acatou e entrou. Por entre uma fresta da janela, ficou a olhar o mercador, que lhe lera nos olhos uma tristeza sem fim, que julgou fácil de tratar, ainda que ao nome, não lho pudesse mudar. No dia seguinte, no muro da casa, dentro de uma caixa de papelão enrugada, Possidónia encontrou o frasco transparente da fragrância, deixado em jeito de prenda, por tão amável pessoa. De ali em diante e sempre que adormecia, perfumava o corpo, emaranhava-se nos lençóis, e dormia a sonhar que se chamava Justine.

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