sexta-feira, 27 de maio de 2011

Banir

Todos os dias quando se levanta, tem a mesma sensação. Não importa o que dorme, que pode ser muito ou pode ser pouco, que o cansaço, esse, é sempre igual. Vai directa à cozinha e engole algo frio, que a refresque por dentro da noite quente, que consegue nos abafos de conforto com que se rodeia, e sem os quais não pode sossegar. Enquanto a fresquidão a percorre acorda de vez, e olha pela janela uns prédios feios e azuis apinhados de gente que desperta para a manhã, quer lhe apeteça, quer não. A vida tem destas coisas, e tanto que lhe ocorre por vezes pará-la. Segurá-la em determinados pontos para que dali não saísse, ou que, se saísse, o fizesse devagarinho, e não na pressa dos momentos, que se seguem uns nos outros, sem qualquer espécie de intervalo. Enfia-se na banheira e enquanto se esfrega, passam-lhe na cabeça instantes passados, vividos e guardados na impossibilidade da repetição. Não gosta deste seu aparte, e tenta mantê-lo vago, não para criar espaço, mas para que se mantenha numa ausência saudável. Ainda assim, sabe-o repleto de demasias, daquelas que já lhe deveriam ter saído do corpo, nem propriamente por serem impossíveis ou por deixarem de sê-lo, mas porque lhe fazem falta e não estão lá. Não somos perfeitos, conclui. O nosso corpo, esse sim, sabe cuidar-se, que na ausência de doença séria, liberta-se do que não precisa, ingere o que lhe faz falta, armazena o que lhe pode valer. Na nossa mente, nada assim é, e fazemos avessos amiúde. Ingerimos muito do que não devemos, guardamos o que deveríamos expulsar, e vivemos emergidos em desperdícios ácidos e venenosos, que deveríamos banir das entranhas. Depois, por vezes, banimos.

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