quarta-feira, 4 de maio de 2011

Paragens

No cais da pesca os barcos aninham-se um a um, misturando cores e nomes de gente e de peixes. Despertou-me especialmente o Camões, por o julgar uma homenagem lindíssima a alguém que tanto a merece. Uma vez, em criança, tive um cão com esse nome, que me surgiu em casa vindo sei lá de onde, e que via apenas de um olho. Na calçada da vila piscatória, as mulheres caminham com vista a umas coxas mais firmes, que o verão está à porta, e os excessos do frio saltam à vista, pelo que o remedeio constitui uma necessidade emergente. Velhas e novas juntam-se ao entardecer, e percorrem aquele caminho batido pelo salitre que se eleva da água, onde alguns limos de ondas mais aventureiras se depositam, já muito velhos e ressequidos. Enquanto caminham, cochicham umas com as outras acerca do jantar que irão fazer, do filho que já está crescido, do marido que está com ácido úrico, enfim, trivialidades. Os pescadores, ocupadíssimos e indiferentes a quem passa, recolhem as redes de pesca para mais uma noite no mar. Limpam os barcos do pescado da noite anterior, averiguam as circunstâncias de navegação, e aprontam-se para a saída, que a hora está próxima. Inunda-me uma estranha sensação de movimento da qual eu me excluo. Não me encontro, naquele exacto momento, a fazer o que quer que seja, que me passeio, num passo lento e mortiço, revelador de um cansaço que quase sempre escondo, mas que por vezes, muito pouquinhas, deixo emergir. Ainda considero misturar-me na multidão de mulheres, dar uma corrida, a ver se a mim mesma me engano, mas não, fico-me apenas a olhar, ciente de que naquela hora, o meu mundo está parado ali. De nada me vale o esforço, que mais não me trará do que maior fraqueza, num excesso de desgaste, completamente desnecessário. Por vezes, julgo que deveríamos ser portadores de um qualquer recipiente interno, capaz de nos aproveitar os excessos cometidos sem proveito, a fim de nos possibilitar uma reserva digna de referência, para quando dela necessitássemos. Quando nascer outra vez, trarei isso com toda a certeza. Ao fundo, no horizonte, chega um barco de passeio com gente lá dentro.

No meu caminho apagado, encontro uma esplanada e resolvo sentar-me. Preciso, com muita urgência, de poupar-me ainda mais. Encosto-me na cadeira e peço um gelado, é fresquinho e o tempo está quente. O mundo à minha volta, continua a girar.

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