domingo, 15 de maio de 2011

Clara

Chama-se Clara, mas não o é, que é escura como breu. Talvez o tenha sido em tempos, de corpo e de alma, mas uma vida forte estrugiu-lhe a pele e o espírito, pelo que hoje, ambos se encontram ressequidos, e sem qualquer réstia de graça. É Domingo e resolveu fazer um doce. Pode ser que lhe adoce as entranhas, que desde sempre ouve dizer, que se há coisa que nos acalma, são as comidas que enfiamos dentro do bucho, que uma vez cheio, nos dá uma sensação de conforto, passageira, é bem certo, mas ainda assim, muito real. Não lhe ocorre enchê-lo de pão seco ou algo do género, que o que precisa mesmo, é de acalmar o amargo de boca, e para isso precisa de açúcar. A amargura é uma coisa medonha, que quase sem querermos, nos invade com uma habilidade pouco vista, normalmente aproveitada pelos menos nobres propósitos, tal e qual este que refiro. Quando despertamos, pegou-nos o corpo todo, por dentro e por fora, e a iminente tarefa, consiste-nos pois no remedeio, coisa essa de difícil execução, tal a força contra qual se luta. Mas não é impossível, ela sabe disso.

Inicia então o processo, mexendo ovos devagarinho, aos quais junta leite e açúcar, para depois levar ao forno em banho Maria, a fim de fazer um pudim delicioso, que cobre com calda doirada, tal e qual fazia a sua avó. Tem o devido cuidado relativamente à casca de limão perdida, que não quer encontrá-la no meio de uma dentada doce, estragaria tudo. Após a cozedura, e com uma escassa meia hora de arrefecimento, senta-se na varanda e degusta-o devagarinho. No final, jura que se sente bem, de tal forma, que quase iliba o pudim do processo, não pode ter sido só ele, o responsável por aquele estado tranquilo. Mãos divinas, por certo, ali andarão. Ou então talvez até possa, que é terno, delicado, e conseguiu ainda povoar-lhe o corpo todo, para além do estômago fraco. É simples, talvez seja isso. E às vezes o simples é que chega. Guarda o resto, devidamente condicionado. Quem sabe logo, precisa de mais.

1 comentário:

  1. Quase sempre o simples é o essencial, nós é que temos tendência a complicar :)

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