sábado, 10 de março de 2012

Interiores e inconveniências

Causa-me sempre um enjoo profundo aquelas pessoas que entendem que podem penetrar dento dos meus pensamentos, e senti-los de igual para igual. Como se fosse fácil soltarmo-nos do nosso corpo e entrar dentro de outro que não nos pertence, que não é nosso é externo, vive outra vida, outras realidades, outras dores e outros prazeres, dos quais nunca nada sabemos. Já há muito que Homens estudiosos se perdem a compreender a imensidão do corpo, a explicar o sangue que nos corre nas veias, os ossos que nos seguram direitos, as doenças que nos atormentam e que nos podem atingir o coração, o estômago, o intestino, o fígado, entre outras milhentas partes que nos compõem e que nos permitem ser gente com vida que corre, que gira e que evolui. Tiro o chapéu a todas essas pessoas que me ajudaram a perceber os pormenores biológicos da minha existência, do meu nascimento, das minhas doenças, das minhas vitórias, da minha morte. Fico-lhes eternamente agradecida por me terem dado a saber que de acordo com a minha genética fico arqueada muito cedo, coisa que me mentalizou convenientemente para este sinal precoce de envelhecimento, e me preparou a tempo e a horas para o facto de que muito nova seria curvada, torta, vergada. Isto entre outras coisas de igual ou ainda maior interesse, que os caminhos da compreensão são os únicos sensatos de serem trilhados, a fim de conseguirmos prever algumas fatalidades, remediar alguns tormentos futuros, alterar várias condutas perigosas.
Com isto tudo não quero dizer que no que toca à mente as coisas deverão ser descuradas, esquecidas, quase como se de nós não fizessem parte. Até porque se existe particularidade humana que aprecio é essa mesmo, a que nos rege a vontade e a diligência, e nos torna muito diferentes uns dos outros, únicos, singulares, individuais. Mas ainda que admire quem na mente se debruça, ainda que eu própria tente, em abuso declarado, perceber o que nos move e o que nos direcciona, não posso deixar de considerar o quanto estou longe de toda a verdade, uma vez que ela nem sequer existe, assim, de forma pura e absoluta. O que poderá consistir uma certeza boa dentro de um corpo, alojado num cérebro único e pensante, poderá significar uma desprezivel falsidade para um outro corpo que albergue tal sentir, transformando as sensações em terrenos frágeis, de tão únicos e intransmissíveis. E é por isso mesmo que saíndo de nós para entrar em outros, mais não conseguiremos do que uma mísera análise, fraca e sem sentido, abusiva e trémula. Somos grandes cá por dentro. Eu própria, e em auto análise, encontro-me em busca incessante de recantos que não encontro, de frestas estreitas e buracos profundos, brotuejas doridas e imensidões. Por que raio ousei julgar que poderia perceber o outro ainda antes de me perceber a mim mesma, não sei. Sei apenas que nunca lá chegarei, e talvez seja por isso que o que faço me estimula tanto. Entro a pedido, que se entenda, o resto são puros devaneios, nunca conclusões inconvenientes.

2 comentários:

  1. Tens toda a razão. Porque há muitos que dizem perceber-nos quando não se percebem a si mesmos. Excelente análise.

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  2. Como diria uma pessoa que muito estimo - Toma lá sorrisos :):):)

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