sábado, 24 de março de 2012

Palavras

A tal da palavra surge de novo. Poderosa, certeira a quem a souber usar, mas por demais dúbia para grandes crenças. Lembro-me com frequência da prima Lídia. Uma beata de gema, que batia a mão no peito no acto da contrição. Que comungava aos Domingos e dias santos com uma devoção de suserana, e que, se a falta surgisse ao serviço religioso por um motivo de força maior, nunca por nunca ser voltaria a comungar sem primeiro se ajoelhar no confessionário do Padre António, a fim de ser perdoada de tamanho desdouro. A filha acendeu paixão por um pobre. Daqueles pelos quais ela rezava, que são gente, apregoa-se e reza a bíblia. Mas gente para a filha não era gente daquela. Gente para a filha seria gente de outra, embora as gentes diz-se serem iguais, com as tais das palavras que se deveriam engolir e provocar azia, mas não, que são fáceis de digerir. Fossem elas como a morcela que nos irrita o estômago, que nos acautelaríamos mais, que grande lacuna da natureza humana temos aqui. Arrumam-se clandestinas, aqui e acolá, logo após terem sido proferidas, manifestando bem alto o fraco poder da nobreza do Homem. A tal da palavra, surge como uma vanglória. Um poder que se tem sem se ter, um dito que não se sente, uma promessa que não se cumpre. Frouxa como só ela, assume-se com delicadeza numa sociedade que a usa em prol de si, num uso abusivo e falso, quase me fazendo crer, que falsa não é a palavra, mas quem tão mau uso faz dela. O que me dizes, a nada me vale se nada fizeres. A ti, que por contrário me fazes, ainda que em silêncio, um grande bem haja.

( Post de Junho de 2010. Continuo a sentir tudo isto. E talvez por isso cada vez mais aprecio o silêncio e até a solidão, em detrimento das palavras, das promessas, e de muitas pessoas. )

2 comentários:

  1. Também gosto de refletir com as palavras. Em boa hora aqui vim, enviada pelas Crónicas do Rochedo.

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