sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

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A loirinha é ela. Já vos contei a história, pelo que não a repito. Digo apenas e só, que faz parte das grandezas da minha vida. Faz hoje 25. É grande, muito grande. É minha.

Os votos

Se me perder em análises, concluo algumas evoluções, outras desilusões, várias estagnações, enfim, uma panóplia de coisas que fazem parte da vida, que ela é mesmo assim. Se a queria diferente, queria. Se a queria igual, também queria. Queria acima de tudo, e porque a cada dia que passa, mais essa necessidade se me insurge, manter a estrutura. Ela às vezes abana, mas até hoje, nunca caiu.
Que todos consigam o que pretendem, são os meus votos.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Costureira

Ontem ouvi-a. Nem acontecia há muito, julgo ter a noite, de se encontrar de feição, a fim de ser possível tamanho acontecimento, pelo menos, com a precisão necessária para que a credibilidade, em nada óbvia e declarada, nos entre cá dentro, e nos deixe a sensação de que alguém, naquele exacto momento, costura ali ao lado. Era ela, a minha Elisa, que a ouvia sempre, nas horas de insónia, em que esperava o marido. De noite, no silêncio da cidade esquecida, em prol do sono que inunda as gentes, a dita, castigada por Deus, ou por qualquer um outro ser de índole divina, pelo facto de ter trabalhado em dia de descanso, emerge do nada para a costura sem fim. Ninguém a mandou, quebrar as regras da vida, que Domingo é para descansar, e todos os outros para trabalhar, sendo que nem bem se percebe, o porquê de se desobedecer tal ordem, conhecida desde sempre, e labutar em dias em que a tarefa, é o agradecimento por se cá andar, o descanso e a oração.
Ora todos sabemos, que o Senhor não perdoa assim sem mais nada, por certo, todos nós, nem que seja num pequeno momento da nossa existência, já pegamos a bíblia, ou qualquer um outro livro religioso, que depressa nos conduz ao castigo, como forma de punir quem erra, sendo que muitas das vezes, o erro poderá nem constituir uma coisa muito séria, ou seja, poderá nem ser um erro que atente a nobreza do homem, mas que ainda assim, não deixa de ser um erro, pelo que o castigo terá de surgir, e o homem terá de pagar, o pecado que tão levianamente cometeu, por despeito, por desleixo, por maldade, ou, apenas e só, por um pequeno descuido, sendo exactamente aí, que poderemos encaixar a pobre da costureira, que por trabalhar indevidamente, costura eternamente, nas noites do mundo.
Gosto de ouvi-la. Chego, e se a tenção for redobrada, a percebe-la parar e arrancar de novo, num preceito nunca abandonado, o que só demonstra, a pureza daquela mulher, que a ser uma outra, de intenções menos nobres, realizaria um trabalho sem mérito, típico de quem o faz por obrigação, e não por devoção.
Um dia, deveria ela ser perdoada.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Carta

"Olhas-me com ar de parvo, como se fosse óbvio aquilo que dizes, e fosse eu, a burra, ou assim, que não entendesse peva, porque tu explicas-te e muito bem explicadinho. Ora parando para pensar no que dizes, até que nem posso tirar-te a razão, que bom nas palavras, és tu que chegue, e só num aparte, que poderás considerar nem vir ao acaso, mas que me apetece por ora salientar, és bom noutras coisas também, é o que te vale. Numa imensa presunção a tua, caminhas na vaidade, por ser um caminho que percorres sem medo, no qual te encostas porque és bom como um raio, quando te vestes, quando te ris, quando falas, ai, quando falas então, julgas-te o supra sumo da humanidade, como se mais ninguém pudesse chegar-te, como se as tuas palavras, arrancadas lá de dentro de ti, fossem constelações iluminadas, de ideias e coisas interessantes, que só tu proferes e mais ninguém, porque mais ninguém consegue fazê-lo tão bem como tu. As tuas decisões também acartam qualquer coisa de grandioso, porque na envolta, esteja quem estiver, venha quem vier, ninguém te contesta, fazer o quê, tu és uma qualquer espécie magnânima, comparada, quiçá, áquele político, também ele fantástico, que nunca se engana, e ainda por cima, aquando do pensamento, raramente tem dúvidas. Nem importa o nome dele, que isso agora nem vem ao caso, importa sim, e muito, a capacidade de decisão, plena, concisa e precisa, que determinadas pessoas que são muito grandes, detém em seu poder. E isto ao ponto de toda a gente concordar, por nada haver para discordar, até porque, e se por mero acaso, algum lapso, improbabilíssimo, houver, depressa a tua capacidade de convicção, convencerá todos e mais um, de que o céu não é azul não senhor, mas sim de um creme acinzentando, uma cor quase indecifrável, que nem todos os olhos vêm, vêm os teus, que são especiais, os outros, pobres de Cristo, só vêm a banalidade. És grande, portanto. Gostaria ainda de dizer-te, que ao contrário do que pensas, a tua grandeza exacerbada, às vezes chateia, porque afinal de contas, bem vistas as coisas, e nem sequer és tão grande assim. Pronto, és grande mais ou menos, por assim dizer. E ainda, que existem algumas mulheres no mundo, não muitas, mas algumas, as suficientes, que acredito no equilíbrio, que são bem capazes de aturar um homem vaidoso por tempo indeterminado, por uma coisa chamada cama, na qual, aí sim, és de uma grandeza suprema. E isto para não me armar agora em Miguel Esteves Cardoso, que bem merecia aqui um elogio. Mas sou muito, muito, muito púdica com as palavras. Caso ainda não tenhas percebido."

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Só assim, por não dizer que não peço nada...

Sonhos

Era mais ou menos por esta altura, que começava a pensar nos desejos pretendidos para o novo ano, como se a mudança de um mero número, me pudesse transportar a novos sonhos, uns possíveis e concretos, outros por demais ambíguos, mas que ainda assim eu queria tanto. Tanto, ao ponto de desperdiçar uma, ou várias passas de uva em vão, das doze que me eram destinadas para que os pedisse, com toda a força do universo. Tal e qual a mesma força com que os idealizava, quando deitava uma moeda de vinte nas grutas de Santo António, ou ainda quando vislumbrava uma estrela que caía do céu nas noites claras. Recordo também, e aí num terreno muito mais específico, onde cabia apenas e só a paixão, os ditames que descobria das rezas dos nomes, nas quais tinha de cortar letras, a fim de conseguir um número, que se traduzia numa percentagem de probabilidade de vir a namorar com tal pessoa. Existiam ainda os jogos de papel, nos quais se pintavam símbolos diversos, e que dariam beijos, festas, enfim, uma panóplia de situações apetecidas, a quem ainda vivia na terra dos sonhos. Quem me lê, pode até nem acreditar, mas ela existe. Ou melhor, existiu em tempos, tendo-se sumido para sempre, como se somem outras coisas, que a vida nos dá de bandeja, para depois nos tirar. Talvez a terra dos sonhos seja pequena, e a imensidão das gentes, sedenta dela, não saiba gerir-lhe as dádivas. Alguma entidade suprema, trata portanto de dividi-la. Deixa-la a quem de direito, que pode ser por idade, por mérito, por ingenuidade, por crença. Ainda assim, julgo que ninguém a detém para sempre, e que apenas e só nos pertence, em momentos específicos da nossa existência.
Hoje, já nem sequer como passas de uva à meia noite. Estrelas cadentes, não tenho visto, e morro de medo de entrar em grutas. Dos jogos de papel, poderemos falar mais vezes. Eu, escolho uma bolinha azul. Lembro-me exactamente, do que sempre lhe escondia dentro.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Pertenças

Invasões são coisas para me tirar do sério. Não invasões permitidas, que também as há, e que acartam sentimentos bons e cúmplices, numa descoberta consentida por quem se deixa descobrir, num processo doce e prazeroso, que pode ser rápido, ou pode ser lento, depende, de um conjunto de factores definidos por quem descobre o por quem se deixa descobrir. Tenho para mim, ser um dos mais nobres caminhos do homem, um caminho constante, de evolução, de crescimento. São as outras, as tentadas à nossa revelia, como se direitos houvessem a quem está de fora, de tentar entrar para dentro, contra a nossa vontade, ou, num caso menos flagrante, mas não menos sério, despercebidamente, como se o interno de cada um, fosse coisa para se tomar de assalto, por não constituir propriedade efectiva, devidamente declarada. A declaração não existe, mas devia existir. Um livro, poderia ser, constituido por milhares de páginas, onde cada um, pudesse depositar o que lhe pertence, que esconderia onde bem entendesse, guardado a sete chaves, e longe da podridão. Vale-me tanto, tudo o que tenho cá dentro. Que trata coisas de mim, do que me circunda, do meu passado, do meu futuro, das minhas metas e ambições. Só a mim pertence, salvando-me o direito, de deixar transparecer o que eu bem entender, a quem eu bem entender, se eu bem entender.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Ana

Cheguei a inquirir-me da veracidade daquela paixão. Como se a mim fosse dado o direito, de me inquirir sobre os amores alheios, quase parecendo, que os meus se encontram arrumadinhos, resolvidinhos, no seu devido lugar, sendo que a monotonia é tanta, que me posso dar ao luxo da deambulação externa, por nada ter que fazer, no que respeita ao meu caso, preciso e concreto. Ana veio de longe. Viveu uns anos na capital, sitio ao qual nem nunca muito bem se adaptou, dizia ela, que os prédios e as ruas de calçada, eram o maior martírio que Deus lhe colocou no caminho, e que o que verdadeiramente a deleitava, eram os campos e as matas, bem como todo o género de animais, selvagens ou domésticos, aos quais lhe fosse possível deitar umas mãos de cuidado, a fim de os alimentarem, curarem, enfim, um sem número de acções que lhe acalmavam o espírito, e que iam desde a tosquia, à colheita do leite para a manufacturação do queijo, à apanha do ovo, o que fosse, que nem bem importava o acto, desde que envolvesse o contacto directo com a bicharada. Diz ela, que este amor apaixonado, vem dos tempos de residência no campo, que seus pais, e muito embora tenham trocado o mesmo, pela pacatez da cidade de Lisboa, que essa sim, é pacata, quando comparada com a correria da vida do campo, lá habitaram em tempos, fazendo da sua vida uma roda viva de emoções, com a criação da quantidade de gado que detinham na quinta, e que ia desde vacas, a galinhas, a patos, e a um conjunto sem fim de bicharada, da qual era necessário o zelo, sete dias por semana, trinta e um no mês, ou seja, sempre, em qualquer dia, que Deus ao mundo tenha deitado. Foi na época de sua educação, que a família julgou prudente a mudança, ou não fosse a sua menina, habituada a vidas de campo, perder-se na grande cidade, pelo que o melhor, a fim de a proteger de algum infortúnio perdido numa esquina da vida, era acompanha-la, e assim garantir um percurso adequado, nas palmas da mão vivido. Assim foi. Dos muitos pretendentes aparecidos, já licenciatura concluída, nada lhe fazia luzir o olho, que de resto, nada do que pudesse palmilhar aquela cidade sem brilho e sem cor, lhe poderia despertar qualquer tipo de interesse fulminante, e justificativo de entrega, da sua própria pessoa.
Foi apenas e só quando regressou ao campo, no mesmo dia, posso dizê-lo, sem correr o risco de errar, na exacta hora em que o guarda da floresta lhe atravessou o caminho, que o seu coração despertou ao mundo, parecendo-lhe até, que se encontrava adormecido há tempo demais. Assim teria de ser, que só o profundo e desmedido adormecimento, permitem por ora um despertar tão sublime, com um amor como nem sabia existir, que surgiu lá no meio da serra, das árvores e dos pequenos pássaros, de bicos amarelos e de nome rouxinóis. À minha pergunta, matreira, confesso, sobre o que sentiria, se o seu amor lhe tivesse surgido na fonte da Madragoa, ao invés de na esquina da estrada de terra, perde-me a voz, porque nem sabe que me responder. Hoje compreendo-a.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Roupa velha

Era hoje o dia em que se comia roupa velha. Hoje e alguns outros no decorrer do ano, que os tempos eram de fome, e a abundância era coisa que não havia. Qualquer sobra, por norma de bacalhau, mas que também poderia ser de outra coisa, constituía a base para um refogado de azeite a alho, ao qual se juntava batata às rodelas, e tudo o que apetecesse. Diz quem a comia amiúde, com frequência assídua, por assim dizer, que o pitéu estava longe de ser saboroso, e que constituía apenas e só, uma maneira de pôr cobro à malvada da fome, fiel perseguidora de outras épocas, enquanto se dava uso aos restos da véspera. A minha avó falava-me dela, eu, nunca a comi. Estranhamente, ouço-a de novo, quase como se o hábito voltasse. Quem o trouxe, diz que por terras do norte, nunca se sumiu.

Restos


Findo o Natal, repousa por ora um Bolo Rei na minha mesa. Afronta-me, o bandido.

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Feliz Natal, é o que desejo


Nas minhas utopias, desejava ainda o espírito distribuído em partes iguais, por todos os Homens. Para sempre. Seríamos todos muito mais felizes.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Votos

Encontro-a logo pela manhã. O céu estava de um cinza escuro, e deixava escoar uns pingos grossos e frios, como se deles precisássemos, terrível engano esse, cometido por quem deles se encarrega, que geladas, estávamos nós. O casaco leopardo de um bom gosto irrepreensível, aperta-lhe o corpo, com a ajuda das suas mãos arrefecidas e frágeis, que mais parecem, querer esconde-se também. Entre o bolso, que lhe sossegaria os dedos, e o aconchego do pescoço, prefere deixa-las a elas de fora, são as que mais sofrem, logo a seguir ao rosto, as pobres. O desejo de boas festas, a quem sabemos que não vai de todo tê-las, soa-me mal. Não propriamente a cinismo, conversa de circustância, ou qualquer uma outra atitude de caracter menos nobre, na qual possamos encaixar estes votos. São sentidos, muito sentidos. Mas pela sua inutilidade, que nunca, por nunca ser, serão cumpridos. Chego a ponderar o silêncio, que de resto, julgo-o tantas vezes um aliado importante, que aqui, neste preciso contexto, não me teriam deixado mal. Ainda assim, arrisco o desejo, ao qual ela me olha de ar impávido, e balbucia um obrigado circunstancial, que me deixou num desconforto considerável.
Volto a olhar-lhe para as mãos, que por ora, apertam o casaco com mais força. Não sei se já vos disse, mas a ser uma parte do corpo, sê-las-ia. Não por desejo, mas por vocação.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Ufa

E para que não digam que o meu blog só diz desgraças, desta e daquela, deste e daquele, a quem o mal do mundo aterrou na cabeça em dia de fúria, conto-vos por ora os meus últimos dias, em versão mixada, que é para não se perderem cá em monotonias.
Sexta passada, festa de natal do rebento. Eu e a minha fantástica altura, armadas de umas botas altas até mais não, não conseguimos ver-lhe mais do que a testa. Tive sorte. Houve quem nem testas visse. No meio de tudo, ele viu-me assim que lá cheguei. Óptimo, para mim, é o mais importante. Dia seguinte, festa no estaminé. O vestido era de verão e o dia era de inverno, ninguém me manda a mim, encher-me de cerimónias no meio dos alertas dados em grande, pela meteorologia que zela o País. Rapar griso até mais não, cumprimentar as senhoras do coro sénior, uma a uma, bem como aturar os setenta miúdos da catequese, que vá lá saber-se o porquê, uniram-se naquele dia para me perseguirem aos magotes. Para além dos quinhentos mil familiares, alguns dos quais, eu nem nunca tinha visto. Ainda nesse dia, primeiro jantar natalício, com troca de prendas e essas coisas assim. Rebento começa a saga da tosse, já cá tardava a maldita. Desde aí até hoje, a gripe dele veio, foi, e deixou em mim o resquício. Gripe que é gripe, deixa descendência, não se esvai cá em dois ou três dias, como se nada valesse em termos de potência contaminadora. Deste cabo de mim no miúdo, então espera ai um bocadinho que já te apanho, e não julgues cá que a vacina te salva, que eu sou imune a essas coisas, e aquela picada que levas-te no braço há uns meses, de nada te vale contra a minha vontade em te subir pelo pêlo acima. Estou por ora a ver se a delego. Não está fácil. O tempo seria de férias, o despedimento impulsionado, sob vontade da própria, da colega que me acudia as ausências, fez com que já tenha sido chamada de emergência, com que amanha tenha que alombar com o dia inteiro, e vamos ver se ficamos por aqui. Era bom, mas não é garantido. Hoje, almoço de natal, mais um, para o qual não fui devidamente informada, da necessidade de levar uma prenda, coisa que nem era habitual com esta gente. Era preciso, eu não levei. Na hora da troca, assemelhava-me mais ou menos, a um puto desolado, enquanto todas desembrulhavam bolsinhas, lencinhos, creminhos e outras coisas interessantíssimas, das quais eu não senti nem o cheiro. O restaurante, normalmente bom, serviu-me umas batatas com natas, ao invés do tradicional bacalhau. Não sei o que aconteceu ao dito, deve ter fugido da panela, ou assim. Tive quase para fugir também antes de pagar, mas como é Natal, resolvi perdoar o chef, que não deixei de avisar pelo sucedido, não fosse o pobre não ter percebido a fuga. Agora tenho jantar, mais um, para este tenho prenda. Tenho um rebento que não me larga, a querer um embrulho enorme, que já não sei bem onde enfiar, a fim de o manter seguro das suas garras traquinas. Já tentei dizer-lhe que aquilo é um casaco para o avô, mas o sacana, não está a acreditar nisso. Tenho uma consoada para fazer cá em casa, com toda a inerência circundante, para a qual ainda me faltam consideráveis compras.
Julgo ter ainda mais factos interessantes para partilhar, mas por agora não me ocorre mais nada. Amanhã devo voltar. Provavelmente no discurso habitual.

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Ceifas

Existem pessoas que se destacam no meio de multidões. O destaque, a proeminência, o que queiram chamar-lhe, poderá emergir de inúmeros factores que distingam da normalidade, sendo que aqui teremos de considerar o conceito de norma, ainda que as gentes da minha classe o abominem, como se ele nem existisse. Não partilho. Embora admita tudo e mais alguma coisa, embora encare todas as situações e mais uma, não deixo de considerar a ideia, de uma regra mais usual, de uma situação mais plausível, enfim, um conjunto de coisas e situações, que poderão ser detentoras de carácter de vulgaridade, ou que poderão, ao invés disso, apresentar um carácter de excepção, não sendo aqui necessário catalogar excepções como aberrações, sendo que apenas e só, não serão tão usuais. Julgo ter-me explicado. Prosseguindo então, existem pessoas que se destacam. E poderá ser por inúmeros factores, como por exemplo, o facto de estarem bem ou mal vestidas, ou o facto de serem excessivamente bonitas ou excessivamente feias, e por aí fora, que todos nós já nos deparamos por certo, com multidões de gente, onde por isto ou aquilo, meias dúzia de incógnitos parecem ganhar vida, captando o nosso atento, que por perdido que estivesse, ali se concentra. Ele hoje destacou-se-me pela tristeza, folgaria tanto, que tivesse sido por qualquer outra coisa, ou até, quiçá, por coisa nenhuma, e que me tivesse passado despercebido, por nada ter que se lhe notasse. Num mundo de gente que corria, uns em compras, outros em labuta, surgem-me aqueles olhos verdes distantes do mundo presente, como se já cá nem andassem, ou melhor, como se andassem cá, mas não devessem andar, pelo que deveriam estar num outro sítio, que não aquele. Provavelmente, mudaríamos ainda a época, porque esta que corre, e por infortúnios vários, não me pareceria virtuosa, estivesse ele onde estivesse. Dar-lhe alento aos olhos e ao corpo, constitui por ora, nada mais, nada menos, do que obra de índole divina, que a existir, poderosa como dizem, conseguirá porventura remediar o que tão mal talhou, pelo menos, na luz dos olhos terrenos, que não possuo outros. Existem golpes, que ceifam algo mais do que a alegria. Ceifam a capacidade de acreditar de novo. Julgo existirem poucas ceifas tão duras como esta.

Momentos...


Descubro ainda mais a minha inércia, quando a meio da noite pego no livro. O mesmo, há um considerável mês. Poder-se-ia dizer que nem o aprecio, não sendo de todo o caso. Aprecio, e muito. Quase tanto quanto ao escuro da minha sala.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Mãe

Dizia minha avó que já foi, que o dia era de um Inverno doloroso, já me parei para pensar, o porquê de tantas das mulheres da família, o escolherem para nascer. Poderíamos, e seguindo as teorias mais esotéricas da existência, ter preferido o verão, abrir os olhos no sol, ao invés de o fazermos na chuva, e sentir na pele o morno dos dias, mas não. É logo ali que escolhemos o pior caminho, sendo que algumas de nós, não mais o largaram.
O telhado da casa era de telha vã, o chão, de terra batida, forrado a cartão, e algures num canto, ardia num fogo fraco, uma panela de água fervente. Meu avô, nem sei bem por onde andava, mas tenho por certa alguma distância, quanto mais não fosse, a de segurança, que o protegessem dos gritos dados, por quem paria com dor. Nem bem sei o nome da parteira que a trouxe cá, mas seja ela quem for, esteja ela onde estiver, deixo-lhe um sentido bem haja.
A infância teve o seu quê de difícil, a pobreza insurgia-se sem medos, e cedo, bem cedo, a mãe que embalava os filhos, necessitou de deixa-los a cuidados alheios, a fim de pegar ao sol nascente e regressar ao poente, para logo depois seguir para a fonte, a fim de dar zelo à roupa, que água em casa, não era coisa que houvesse. Os tratos ministrados pela ama escolhida, eram descuidados e fracos, e diz minha mãe, que meu tio, mais criança do que ela, aquando desta situação, muito mais sofreu no corpo, as mazelas do escasso cuidado, que havia dias, em que o cueiro que lhe tapava o rabo, não via muda desde a manhã até à noitinha, tivesse o que tivesse, segurasse o que segurasse.
Quis estudar, seguir em frente, mas a escassez de recursos, aliada à dureza paterna, que nem via qualquer serventia para a sua continuação, fizeram com que o caminho fosse colhido a meio, deixando-a à mercê de uma vida aquém do que desejava.
Ainda assim, julgo-a feliz, senão plenamente, ao menos muito. Só isso permite a dádiva constante que incute na sua existência, que não há dia, hora, ou minuto, em que não se esqueça a si, para a nós se dar.
Faz anos, e é minha mãe.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Envelhecer

Encontrei-a ontem, já nem a via há muito. Perdida algures numa terra onde as lendas dizem ter morrido um lobo, encontra-se num estado de conserva estranho, principalmente a termos em conta a avançada idade, sendo que foi portadora de um raro fenómeno, que nem muito se vê por aí. Esse fenómeno, constitui num envelhecimento um tanto ou quanto precoce, aguçado vá lá saber-se por que meandros, para depois se entrar numa estagnação descabida, em nada natural e evolutiva, quase parecendo, que o tempo se lhe acelerou outrora, para no fim perceber, que o melhor, seria o abrandamento, não fosse a moça entrar num estado de velhice profunda, ainda antes da meia idade. Terrível coisa seria essa.
Sua mãe, viúva há muito, refez a vida lá para os lados do oeste, que de resto, ficar sozinha e perdida na terra do lobo, nem era para ela, mulher por demais decidida e vivaça, que rápido tratou de se reestabelecer de marido, ou não fosse fazer-se tarde.
A filha, já também ela mãe, largada em prol de uma juventude loira, tenra e viçosa, entregou-se desmedidamente à aldeia que a viu nascer, quase esquecendo, que na envolta o mundo prossegue, podendo ela, prosseguir também. Ao invés disso ficou, enraizando-se de corpo e de alma na casa da beira da fonte, onde as paredes e as portas lhe trazem à memória as histórias de sempre, tantas que foram, das quais vive todos os dias, como se apenas disso, se fizesse respirar. Ao restante mundo recusa-se. Não por receio, não por vergonha, não por inércia. Mas porque apenas e só o que já foi, a consegue transportar ao limiar de algum sentimento bom, sendo que de todas as vezes, que tentou outros caminhos, mais não conseguiu do que sensações de angústia extrema, de um desconforto sem fim, de um mau estar insustentável. E fechou-se então à vida. De tal forma, que se lê no rosto tal ausência, que está igualzinho há anos a fio, com as mesmas rugas, os mesmos traços, as mesmas cores. Afinal, nem foi o tempo que se baralhou.

Concordâncias

Temos o dom de aprender, facto inegável e corrobado ao longo da nossa existência, que nascemos a pouco ou nada saber, para ao longo do crescimento assimilarmos o que nos circunda, o que nos permite com o tempo a sobrevivência independente. Deveríamos porém, aprender tudo de igual forma, ou seja, deveríamos apresentar a mesmíssima capacidade de assimilação, quando se trata de uma coisa óbvia, ou quando se trata de uma que pode não ser tão óbvia, mas que, devido à força da repetição, já deveríamos encaixá-la nesse campo.
Porque se para nós é fácil perceber e não errar, que quando temos fome, necessitamos de comer, quando temos sede, necessitamos de beber, quando temos frio, necessitamos de agasalho, ou, que quando estamos cansados, necessitamos de dormir, também deveria ser fácil a consciencialização plena e concreta, de determinados fenómenos de carácter emocional e psíquico, como por exemplo o facto, de que quando demais esperamos de quem pouco nos pode dar, sairemos defraudados. E que se preste atento, que frequente se torna, imputar culpas a quem o tal pouco nos deu, quando por vezes, muitas vezes diria mesmo, o erro crasso se encontra na esperança exacerbada, e totalmente infundada, que insistimos em dependurar em outros que não em nós. Ora constituindo isto uma realidade irrefutável, ainda me encontro em perseguição de resposta perfeita, que me justifique esta estranha necessidade de repetição penosa.
Seria tão mais fácil esperarmos exactamente o que o outro nos pode dar. Que pode até ser muito, ou pode até ser pouco, nem bem importa aqui dissertar sobre quantidades. Importa apenas e só, a concordância suprema, utópica, bem sei, mas tão, tão apaziguadora.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Vitórias


Há muito que ouve falar dela. Jaqueline, veio do Brasil há algum tempo. Ingressou na escola da cidade, numa turma que a acolheu. O filho dela ganhou-lhe amizade, que de resto, é criança de amizades fáceis. Ela chega a recear-lhe a bondade, demasiado evidente para uma adequada sobrevivência nos dias que correm. Ainda assim, acredita-a como uma qualidade infinita, das mais puras que existem no mundo, que não obstante o trazer riscos, definem-no como alguém bom, do qual ela sente um orgulho para além de grande. O de mãe, nascido do óbvio, e o que vem inerente a um conjunto de virtudes que lhe encontra, para além desse óbvio.
Jaqueline chegou já as aulas tinham começado. Pouco percebia, e ele fez sempre questão em ajudá-la. A amizade foi surgindo, através das conversas de carteira, das partilhas de material, das trocas de lápis. É a minha melhor amiga, diz ele muitas vezes, que na infância, as amizades surgem assim, depressa, que saudades que tenho disso. Ainda há dias, levou para casa um desenho feito por ela, onde se lia, para o meu melhor amigo. Está de momento pendurado no quarto, num sítio digno, pela dignidade que também ele acarta consigo. Por meandros vários, a mãe nunca a tinha visto. Na chegada, é proibida a subida à sala, e na saída, existem desencontros, obras do acaso. Vê-a hoje, de mão dada com o seu filho, na festa da escola, e sorri. Jaqueline, é uma doce menina escurinha como o carvão. Os cabelos são de um encaracolado miudinho e rebelde, e o sorriso surgiu fácil, mas ele acenou à mãe. A mãe emocionou-se, que nem é dessas coisas. Nunca, o pequeno tinha referido a cor da pequena.
Para a mãe, esse é mais um sinal importante, indicador da dignidade daquele pequeno ser. Julgo que até lhe surgiu uma lágrima, mas isso, pode ter sido apenas minha impressão.

...

Está frio. No calor da noite, entre mantas e aconchegos, chego a esquecer-me, num egoísmo inerente ao conforto. É pela manhã, quando o gelo cobre a envolta, e me atinge em cheio, que me lembro mais dos que nada têm.
O frio é nosso inimigo. E nós, como em tantas outras coisas, não temos todos as mesmas armas.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

...



Não, não é um pedido de Natal. Mas podia ser.

A velha com nome de santa

No sofá da sala, encontra-se estendida, depositando suavemente a cabeça branca, na almofada castanha. A barriga, proeminente, repousa exactamente ao lado dela, coisa que até pode parecer descabida, para no fundo não ser, que a envergadura da mesma, quase que a coloca num lugar à parte, como se todo o restante corpo fosse um, e a barriga outro, que não encaixa no primeiro pela desconformidade do tamanho, totalmente contrastante com o restante ser, frágil, velho, magro e definhado.
Tem nome de santa, coisa que muito a orgulha, que a reza sempre fez parte dos seus dias, começando logo pela manhã, com o agradecimento pelo sossego da noite, continuando na hora da refeição, num elogio à fartura, para terminar já noite dentro, hora em que o terço é corrido de fio a pavio, faça sol ou faça chuva, num agradecimento sentido por mais um dia que passou. Quem lhe cuida a existência, ainda que em alguma distância, é a nora, uma senhora lindíssima, de fino trato e traços delicados, que a zela com respeito e carinho, que despoletam na velha com nome de santa, um conjunto de sensações fortes, pelo que é vulgar a ofensa, directa ou não, à pobre senhora. Tudo, porque ela não lhe deu um neto. Deu-o a outra qualquer, de um primeiro casamento que teve algures, com um outro marido que não o seu adorado filho, criatura sem descendência, apenas e só, pelo terrível facto de se ter embeiçado por uma mulher vivida, de segunda, já desposada em tempos, que não deveria ser boa rês, que a ser, não teria assim sido largada, ao Deus dará. O seu filho, alma bondosa, para infelicidade dele, foi quem lhe pegou.
E diz-me então que lhe conhece a laia, viu-as de perto, destas e daquelas que por aí andam sem respeito a quem as guarda, que em tempos idos, e na tentativa de ganhar uns tostões, andou perdida no parque, onde os homens faziam fila para ela, que segundo reza a história, era das melhores da redondeza. Tão boa, que em poucos meses foi pegada pelo que veio a ser seu marido, que a levou num ápice para casa da que veio a ser sua sogra, e dali, nunca mais saiu, tendo-se tornado numa senhora de família e de respeito.
Afinal, até sabe do que fala, a velha com nome de santa.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Vontades

E eis que almejamos algo. Com muita força, muita intensidade, e a certeza quase absoluta, para não dizer absoluta de todo, de que é exactamente aquilo que queremos para nós. Baseados amiúde em nada de concreto, que estes desejos exacerbados, surgem muitas das vezes alienados por algo, que nem bem sabemos o que é, motivo pelo qual, tanto desejamos. Este fenómeno poderá transportar-nos a diversas situações, sendo que destaco algumas, por me parecerem as mais plausíveis, existindo obviamente para além destas, as intermédias. A chegada lá, e a verificação efectiva do fascínio, será uma. A não chegada, e, consequentemente, a constante busca, estado perturbador este, que dada a voracidade do desejo, quase que nos fica vedado o acesso a outras realidades, que poderiam até, quiçá, ser tão ou mais satisfatórias do que a inicialmente ambicionada, mas às quais não nos dispomos, porque nos encontramos em estado de fixação. E, por último, o modo de quem atinge, mas onde afinal, o sentimento que se sente, nos deixa num morno esquisito, numa satisfação existente, mas fraca, quase imperceptível. Lembro-me, por exemplo, da minha primeira Barbie, chorada por mim anos a fio, em vão. Foi-me dada pelo meu avô paterno, cansado dos meus choros perdidos, pelo que tardiamente me comprou uma, numa altura em que eu a queria, já apenas porque sim. Julgo que nem gostei dela. Ela, era a mesma de sempre, eu, é que já estava cansada de querê-la.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Sonhos

Somos um mero farrapo, há muito me convenci disso. Nem posso dizer ter sido desde sempre, que o não foi, tendo até havido tempos, em que nos julguei detentores de uma força tamanha, capaz de nos impulsionar ao infinito, como se o expoente máximo da existência, fosse um local acessível a todos, ou se não a todos, ao menos, aos que lá quisessem chegar, porque não poderemos aqui deixar de considerar, que apenas os que na vontade têm, o impulso e o crescimento constante, serão capazes de atingir terrenos sublimes, ficando por terra todos os outros, os inertes, os envergonhados, os acanhados, que ainda que em direito, é bom que se diga, terão acessos negados. Debruçando-me nos que prosseguem, e deixando estes últimos no sossego, ou seja, no seu devido lugar, urge-me deambular nos sonhos que se constroem, nos caminhos que se percorrem, nos terrenos que se palmilham, num conjunto infindável de pormenores e situações que a vida nos apresenta, deixando quem tem sede de avanço, numa busca incessante, que tanto nos dá. Choca-me porém, quando num ápice, tanto nos tira. Como se todos os objectivos, todas as esperanças, todos os progressos, ficassem como que arrumados num saco, no albergue de alguém que se propôs caminhar, mas que por meandros malditos, se viu obrigado a encaixar tudo dentro de uma redoma de projectos inacabados, de sonhos incumpridos, de objectivos perdidos. E é bem que se entenda, que mesmo nos que mais sossegam, os sonhos deverão existir, os caminhos se deverão percorrer, os objectivos se quererão atingir, pelo que também aqui, todo e qualquer corte abrupto, imposto pela vida, causa-me o efeito de choque.
A poder, e ainda que correndo o risco de impulsionar um colapso tremendo, porque acredito que o mundo gira assim, porque assim tem de girar, criaria uma coerência factual que nos protegesse do aquém, sendo que todos teríamos o privilégio de prosseguir até onde bem nos aprouvesse, sem corrermos o risco da imprevisibilidade nos toldar caminhos que tanto queremos, que apenas e só porque alguma entidade suprema, decide não serem para nós, o deixam de ser. Esta supremacia que me escapa ao entendimento, aliada à nossa submissão passiva, e totalmente incauta, é coisa para me perturbar. Ainda para mais, quando bem de perto, assisto a encurtes importantes. Pergunto-me por vezes, em que local do universo, se guardam os sonhos perdidos.

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Inerências

Fui até ali pôr uma cor no meu cabelo. Uma cor castanha, de um castanho normalíssimo, que até enjoa, mas vá lá saber-se o porquê, nunca ousei tingi-lo de vermelhos, violinos, alaranjados, ou outras que vislumbro por aí, em inúmeras cabeças coloridas e divertidas, tão distantes da minha, que até dói. É mais ou menos o que se passa com as unhas. Ainda ontem, no campo de golfe, estava uma moça de ar delgado, com umas gigantescas unhas lilás, adornadas com umas linhas onduladas, em tons de prata. Entregou-me o café, e sorriu-me com um ar delicado, que destoava em tudo com o adorno desenhado nas suas magras mãos, demasiado belas para tal defraude. Modernices.
Enquanto espero a aderência, uma pinça tenta delinear as minhas teimosas sobrancelhas. Não deve existir parte de mim, mais teimosa do que elas, à excepção, óbvia, do pobre do coração. A esteticista, de sotaque brasileiro, e com uma madeixa cor de rosa que lhe sai do cabelo preto, fala pelos cotovelos, enquanto me fustiga até ao infinito, numa tentativa infrutífera de me domar o olhar. Oiço-a, por respeito, que a última coisa que me apetece num cabeleireiro, é dar continuidade a uma profissão chata e maçadora, em que as entrâncias na vida alheia, não constituem uma curiosidade minha, mas sim uma necessidade de outrem, que em mim confia todo o género de informação, em sítios totalmente despropositados.
Findo o processo, e enquanto ainda repousa a mescla castanha na minha cabeça, depositam-me a Nova Gente nas mãos, com uma Luciana Abreu gravidíssima, que afirma só sair de casa, para ver os jogos do marido. Folguei tanto em saber disso.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Genuinidade

Ela sai ao pai, dizem as vozes que a ele conheceram, que bem por acaso, até consta a minha no meio delas, que conheci de perto, tão digna pessoa. Nasceu de uma mãe que nem por isso a desejava muito, mas acabou por fazer a vontade ao marido, que tanto queria deixar descendência, pelo que o acordo lá surgiu, ainda que a contragosto. Tenho para mim, ser esta uma das contariedades da vida, à qual nunca nos devemos sujeitar. Todo e qualquer ser humano, gerado e crescido num corpo impugnado, põe os pés neste mundo já retorcido, que acredito piamente, nas teorias que estudam a génese no momento da concepção, exacto instante em que se inicia a vida, que enquanto cresce, ainda que dentro de um outro corpo, já capta os sinais externos, sejam eles bons, sejam eles maus. Julgo até podermos considerar, ser esta uma das primeiras manifestações da genialidade do Homem, que muito embora na posse de um outro ser, já é dono e senhor dos seus sentimentos.
Nem imputando aqui qualquer tipo de culpa, à contrariedade materna, sou no entanto obrigada a referir, por da verdade se tratar, que desde a nascença, que ela se assemelha a um qualquer ser estranho, que nem bem sei como baptize, numa palermice exagerada mas genuína, sendo esta, genuína, uma das palavras que mais marca a sua existência, que é assim em tudo, desde sempre, até ao agora. É com ela que trata a irmã, favorita de quase todos, que nasceu no seguimento, surgido vá lá saber-se por obra de quem, de um período de desejo súbito de nova maternidade, que assaltou sua mãe. É com ela que se dedica à arte da joalharia, ofício que aprendeu sobre a orientação do seu querido pai, que ao contrário do resto do mundo, via um futuro promissor para a sua menina, primogénita, amada, genuína, tal como ele. Foi com ela que chorou a sua morte, vinda de repente, numa madrugada de Dezembro, muito perto do Santo Natal, altura em que uma veia do interior do seu corpo, deu de si, deixando-o inerte no chão da casa, numa terrível agonia, que num instante o levou à morte a ele, e à solidão a ela.
Ontem, encontro-a. O mesmo sorriso de sempre, a palermice incontrolável, a genuinidade.
Gosto tanto de pessoas genuínas. Entristece-me a frequência com que encontro a genuinidade ligada a a algum handicap importante.
As pessoas genuínas, mereciam ser premiadas por Deus.

Encontros

Há dias em que me julgo por cá há muito, como se o tempo, ao invés de ser um aliado, do qual eu devo aproveitar, dar uso e abuso, fosse um caminho sem fim, porque nele, nada de novo se encontra. Nem constituem grandes períodos esses, que de resto, e devido ao facto de me encontrar em permanente busca, algo de novo sempre surge, sendo que esse algo poderão ser muitas coisas, como um novo objectivo, um novo gosto, uma nova pessoa, um novo sítio. É sempre uma grande riqueza, como alguém já disse, encontrarmos pessoas que nos fazem bem, quer seja pelas capacidades, quer seja pela postura, quer seja pela vontade de viver em descoberta. Não raras vezes, sinto uma dificuldade tremenda em encontrar alguém assim, que despretensiosamante, dá de si em troca de nada, ou melhor dizendo, em troca de tanto, que o que afinal se verifica, é importante que se diga, é um conjunto de partilhas, num dar e receber, que vale para além de muito.
Ela trocou-me à chegada, mas já está perdoada. Ele tocou-nos de coração, e nós, ingratas, comíamos medalhões de vitela, mas tenho para mim, que ele também já nos perdoou.
Sorrisos aos dois.

sábado, 11 de dezembro de 2010

...



Porque hoje é Sábado, e Sábado é um dia bom...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Confiança

E eis que pede a confiança, traduzida literalmente, por uma fé que se deposita em alguém, capacidade que nos surge no crescimento, a bem ser, que poderá por meandros danados, não surgir. Há quem nela se abandone à desgarrada, como se ela do nada surgisse, e fosse sensata essa entrega desmedida, desinsofrida, desregrada, de quem muito necessita de colocar, ainda que discretamente, a sua existência em alguém, precisão que poderá advir de inúmeros factores, por norma internos, e que produzem uma fragilidade desmedida, muitas das vezes, em perfeito desconhecimento do próprio. Existem depois os outros, que a ela se escusam com uma força tremenda, que poderá constituir uma prova de sua própria incredibilidade, que o simples facto de se saber indigno, de alguém em si confiar, poderá constituir motivo mais do que suficiente, para não se confiar em mais ninguém. Pode também, não ser nada disso.
Estas situações que atrás refiro, não deixam porém de ser meros exemplos, que existirão por certo milhentas variedades de situações, às quais aqui não dou cabimento, mas que não deixam de representar, a mais pura das realidades. Mas eis que, e entrando aqui já num outro prisma, julgo ser coisa que nem bem se peça. Como julgo não ser preciso pedir outros sentimentos, que ainda que em outros moldes, não são grandezas que se solicitem, sendo que aqui poderemos destacar, apenas a título de exemplo, o amor, ou o respeito, coisas essas, que ou existem, ou não existem, pois de nada nos vale pedi-las, quando o tal, do qual as esperamos, as não tem para nos dar. Continuando o raciocínio, e reforçando o que já foi dito, volto a dizer que a confiança, nem é bem coisa para se pedir. Encarando a salubridade de uma relação, e a idoneidade de quem nela se inclui, seria de considerar, que tão nobre sentimento, surgisse análogo a outras evoluções. Ou seja, à medida que a relação avança, ambas as pessoas mostrarão à outra, a sustentabilidade da sua dignidade, que poderá dar origem à confiança, a bem ser, dará. Mas admitindo que nem sempre o é, pode nascer muita, como pode nascer pouca, pode constituir a mais clara realidade, ou, ao invés disso, uma ténue imagem, construída em terrenos frágeis, que por muito que se tente fortificar, tal não é possível, porque o problema, o erro, a falha, não está na capacidade de crença. Está num outro sítio, bem mais delicado. Eu, por exemplo, acredito que o céu é azul.

Violetas


O Biso chamava-se Francisco, tinha um cão de nome Piruças, lia o Almanaque Borda D'Água e aquecia os pés numa braseira de ferro redonda, onde depositava todos os santos dias, meia dúzia de cavacas, às quais deitava um lume brando e morno, o qual recordo ainda hoje. Veio da Roda da Santa casa, tendo ficado, segundo reza a história, ao cuidado das freiras, durante tempo considerável. Ninguém lhe conhece a proveniência, existindo até a suspeita, por exclusão de partes, entenda-se, que vem dele a responsabilidade de um filho nascido anão, do mais anão que pode haver, que na restante ascendência, conhecida até elevadíssimo grau, toda ela vivida na aldeia de Amiais, não se conhecia mais ninguém assim, de pernas e braços minguados, em que apenas e só cabeça e tronco, se apresentavam dentro da normalidade.
Era mais coisas, o meu Bisavô, mas estas, lembram-me a mim muito bem.
A Bisa, Chica, chamava-lhe eu, numa concordata que lhe realizei em nome do marido, mas Rosalinda de sua graça, era magra e direita que nem um fuso, usava uma trança enrolada em carrapito, e rezava uma ladainha eterna, como que numa encomenda permanente e sem fim, de zelo e cuidado, vindo directamente das mãos de Nossa Senhora de Fátima, sua Santa de predilecção, aos que a circundavam, fossem filhos, netos ou bisnetos, que todos precisavam, dizia ela, de quem lhes orientasse o caminho. Intervalava as rezas, com o ralho ao velho marido, gordo e pastelão, que mais não fazia todos os dias, do que as fracas tarefas de sempre, e que constavam essencialmente em levantar bem cedo, passear-se ao sol, dejejuar-se, e sentar-se na beira da braseira, fiel companheira de parte considerável do ano, largada apenas nos meses de maior calor, Julho e Agosto, mais coisa, menos coisa. A estada variava entre a sala, se estava sol, e a cozinha velha, se não estava, onde num canto preto e sombrio, ardia lentamente um tronco grosso, que servia de base à trempe, em que se colocava a panela negra do chamusco, e se cozia uma sopa de chouriço, como nunca mais comi.
Lembro amiúde aquela casa velhinha, situada no topo de uma pequena colina, onde eu passei tardes sem fim. A casa tinha na envolta um canteiro de violetas. Gosto tanto, mas tanto de violetas.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Ofertas tardias


Foram-me ofertadas duas empadas de galinha, feitas a preceito por confecção caseira, lá para os lados da Sobreira. Guardadas há muito, despercebidas, dentro de uma gaveta de um quarto, e que agora, na lembrança de sua existência, por meandros que desconheço, vieram parar nas minhas mãos, com o intuito de terminarem na minha boca. Vinham embrulhadinhas num guardanapo de papel, provavelmente guardado aquando da hora da refeição, num qualquer dia em que os beiços estariam secos, e dele não necessitaram, ou, se eventualmente nele se limparam, conseguiram fazê-lo de forma discreta e higiénica, que nem uma pequenina nódoa de gordura se vislumbra naquele papel, ligeiramente amachucado. A tentativa, infrutífera, foi de que as comesse logo ali. Consegui escapar-me, sem ofender, valha-nos isso. Não pensem porém que foi fácil. A dita Senhora, conhecedora como é do meu pecado da gula, aguardou-me graciosamente, na hora do meu café, que deveria, segundo seu entender, ser devidamente acompanhado com tão delicioso pitéu.
Guardei-as comigo e prometi-lhe o deguste lá mais para a tarde, sendo sem dúvida essa, a melhor hora do dia, para tamanho acepipe.
A cada dia que passa, revejo o que penso, acerca da mentira piedosa.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Ordem

Abre a porta, mas ela não entra. Não é preciso, não há necessidade. Falam-se meia dúzia de palavras, e de repente, chamam-na de dentro, ela tem de ir. Fecha-se a porta nas suas costas, com um ruído estridente que a irrita, ou então será ela, que se encontra assim, em estado de irritabilidade, e o som até poderá ser mais ou menos normal, vindo de uma porta que se fecha, por certo, terá sido isso.
Tem um avental posto, e no fogão, fervilha qualquer coisa que tresanda a um guisado de carne forte. Limpa freneticamente uma mesa, nos escassos dois minutos em que ela se encontra dentro da casa. Está tudo estratégicamente arrumado. As almofadas no sofá da sala, as mantas para atenuar o frio da noite, dobradas, os livros que lhe entretêm a insónia, na mesa de centro, os bonecos do pequeno, no móvel. Na mesa da refeição, da divisão em anexo, repousa uma fruteira onde as bananas estão ordenadas, as maçãs seguidinhas, as uvas num canto isoladas. Nem bem a atende, que a azafama é de tal modo, que nem há tempo para mordomias, faça lá o que tem a fazer, fale lá o que tem a falar, que com sorte, no final, terá companhia até à porta da rua, serventia da casa pela qual ela quer passar tão cedo quanto possível. Nem pelo incómodo do espaço, ou da presença, nada disso, que factos desses já não chegam para lhe desassossegar a alma, também ela já por demais selectiva, sendo que não é qualquer sítio, gente, ou situação que lhe surja, que a perturbam, poderemos até dizer, ser este o lado bom, do estado de refinação.
É o excesso de arrumação, o zelo sem fim, a ordem exacerbada. Nunca, por nunca ser, se tinha visto uma coisa assim.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Custódio

Custódio chegou-me ontem. Após o contacto, surge-me de táxi, já rente à noite, e sorri-me de sorriso aberto. Gaba o ar, o cheiro, as gentes que encontra, a limpeza. Senta-se no sofá, escolhido por ele entre os disponíveis, para que lhe fosse possível o assento e a libertação da perna esquerda, feita em silicone pesado e duro, com o objectivo de substituir aquela que Deus lhe levou faz meses, num acidente de viação do qual foi vitima. A perna substituta, fiel companheira já de há algum tempo, devidamente vestida e calçada, é cuidadosamente retirada do local do encaixe, e colocada na sua beira, sob o olhar incrédulo dos restantes, completamente à margem do que por ali se passava, pelo que até perceberem o meandro, julgaram quiçá, algum pensamento descabido, de por lá ter chegado um qualquer ser estranho e falador, que se desapertava aos bocadinhos. Dona Teresa, foi a única que se manifestou.
Conta-me então a proveniência, de um qualquer lar de Lisboa, onde haviam bichos que roíam cobertores, comida pouca, negligência muita. Maus tratos, não teve. Nem bons, nem maus, acaba por dizer-me, estávamos lá, uns quatro ou cinco em cada quarto, uns 30 numa sala metade desta. A única escassez, era do pão para a boca, e do pessoal de trabalho, esses, esses sim, minguavam cada vez mais, uma delas, tenho quase por certo ter sido ela, trazia sarna no corpo. Pegou-me, pois claro, das poucas vezes que me tocou, foram as suficientes para me encher de bicho, a mim e a outros. Costumava dizer-se em tempos, só te falta sarna para te coçares, olhe menina, a mim, nem isso me faltou.
Espanta-se hoje ao ouvir que algures numa casa de repouso, surgem numa mesma noite quatro mortes, nem propriamente num espanto de incredibilidade, mas ainda assim num espanto. Chegou a julgar, ter sido no local por onde passou. Concluímos que não, embora considere que poderia ter sido, que nas noites, pouco se zelava quem estava, que se encontrava a dormir e a dormir tinha de estar, ou então, se por obra da insónia, ou de qualquer outra que lhe atormentasse o espírito ou o corpo, não estivesse, teria de a si próprio se cuidar, que apenas e só pela madrugada, rente ao dia, já sol nascido, é que alguém surgia por forma a aperceber-se do estado de quem por ali estava, prostrado ou não, são ou enfermo, capaz ou incapaz. Não foi, repete-me, mas poderia ter sido.
A mim, choca-me. Ao Sr Custódio também, e a muita gente que conheço. Onde quer que tenha sido, foi sem dever ser. Continuo a julgar, que a negligência e o abandono familiar ao idoso, são uma das mais graves doenças da nossa sociedade. Porque é tão fácil fechar os olhos.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

...

Ok, podem achar horríveis, eu deixo...

Dias...

Existem dias que não deveriam nascer. E a não nascerem, dar-se-ia o fenómeno logo de madrugada, sendo que nos seria possível o salto para a manhã seguinte, exactamente antes da agrura do despertar, não havendo necessidade efectiva de nos sujeitarmos a ela, já que o objectivo seria a entrada de novo num sono profundo, que nos transportasse directamente ao dia seguinte, altura em que seria suposto acordar. Ou isso, ou ser-nos possível a nós, individualmente, tomarmos a decisão de querermos acordar ou não, baseados no que se avizinha, embora muitas das vezes, os prognósticos se encontrem longe da realidade, sendo que correríamos o risco de eliminar dias frutuosos, e de vivenciar outros infaustos, seria um perigo intransponível, que todos correríamos. Encaro esta possibilidade de escolha, dado que eliminar dias na sua totalidade, seria sempre um traçado tremendo, que enquanto uns por cá penam, outros por aí sorriem, é a lei da vida que assim seja, e não me parece nada justo, acabar com as alegrias de alguns, apenas e só porque as tristezas de outros se insurgem em força, até porque, seguindo essa linha de pensamento, não haveria dias para ninguém, que existiria sempre alguém algures no mundo, disposto a saltar o seu. E friso, que mesmo encarando a utopia do meu pensamento, não me apraz cometer injustiças, até porque, diga-se a bem da verdade, é devido a essa malfadada palavra que o meu dia hoje não deveria ter existido, deveria eu tê-lo galgado, entenda-se, e ter-me-ia poupado convenientemente.
Não obstante, e deambulando intrinsecamente, não deixo de pensar que todo e qualquer pormenor que nos assalta a existência, toda e qualquer ocorrência que nos suceda no tempo e no real espaço do decorrer da nossa vida, traz de acarto algo que nos ensina, que poderá até ser um algo disfarçado, despercebido, tímido ou imperceptível, mas que a olharmos de perto, e esquecendo o que nos possa ter perturbado, lá se encontra, disso, não tenho qualquer sombra de dúvida. Porque se há coisa que nos é constante, é o crescimento, que se constrói e fomenta nos caminhos que percorremos, bons e menos bons, rectos ou curvos, ambicionados ou temidos, dos quais não nos é possível fugir, quer queiramos, quer não queiramos, quer estejamos cansados, quer não estejamos. A imprevisibilidade do Homem, foi-me hoje de novo demonstrada, pela milionésima vez, sendo que vos confesso, ainda nem bem percebi, o porquê de me esquecer de tamanha verdade, dado que eu própria, embora em contextos inofensivos, tanto me surpreendo.

Vingança, ou de como às vezes, seria melhor outro caminho

Por norma, fujo dela, por mal que me façam, por sofrimento que me inflijam. Nem será o facto de ser melhor ou não do que os que dela se valem, não me cabendo sequer a mim, ajuizar o certo ou o errado de determinada reacção, que a sê-lo, certa ou errada, diga-se, fica apenas e só com quem a pratica, tal e qual ficou o acto inicial, que serviu de móbil ao desforro. Encaro este meu acto como uma protecção, que digam-me o que me disserem, mas a meu ver, a vingança mais não faz do que acartar-nos um conjunto significativo de maus sentimentos, que muitas das vezes, para além do alvo, nos atingem a nós, de uma forma certeira e poderosa, sem sequer nos darmos conta. Julgo até poder dizer, que será possível atingir-nos mais a nós, do que a quem se direccionava, sendo que nela se incute um empenho exacerbado, no que se considera ser ofensivo a quem tão mal nos tratou, e bem vistas as coisas, a ofensa pode nem se revelar assim tão efectiva, sendo que nós, ao invés de nos protegermos de quem por maldade nos atingiu, concentramos forças e energias, com quem nada disso merece.
Ainda assim, ela fala-me em justiça, como se das mãos dela, simples pessoa, frágil e indefesa, pudesse sair algo capaz de punir quem tanto mal lhe fez, que se há quem de facto merece vingança, ele, é por certo uma dessas gentes. Porém, olhando-a nos olhos, o que mais me apraz dizer-lhe, é que arrume para sempre aquele alguém, a fim de ser possível armazenar o sentimento de revolta que lhe rasga o rosto, sofrido e velho, que quanto mais afronta o inimigo, mais se perturba. E vive assim, num vai vem de emoções fortes e sem fim, em que hoje se dá, para amanha se receber em dobro, num processo lento e penoso, que a ele, pouco tira, e a ela, pouco dá. Ou melhor, dar, dá, em revolta e em indignação, pelo pouco que se consegue, e pelo muito que se desgasta. Tenho para mim que não vale a pena. Sei porém, que por vezes, não lhe conseguimos escapar. É assim como que um caminho que se insurge, à revelia do nosso entendimento, que sapiente do perigo que corre, talvez até lhe fugisse. Serão por certo as pulsões internas, as responsáveis por isto, entre outras coisas que acartam. Às vezes gosto delas, mas tenho dias em que as abomino, confesso.

domingo, 5 de dezembro de 2010

O dente que brilha

A minha vizinha tem um piercing num dente. Todos os dias, pela manhã, desce a correr as escadas do prédio, levando o filho pela mão e a mochila deste na outra. Quando passa por mim, deixa-me um sorriso rasgado, que deixa antever entre os seus lábios finos e sem qualquer graça, um brilhante cinzento situado exactamente a meio do primeiro dente pré molar. Actualmente já quase me habituei à ideia, daquele sorriso mesclado a cinza, que teima em surgir-me todas as manhãs. De inicio, confesso, a coisa confundiu-me.
Levei com um considerável mês de sorrisos rasgados, em que uma dúvida tremenda se assolou de mim, não me permitindo a minha boa educação, questiona-la sobre o que era aquela coisa estranha, que lhe povoava a boca. Na primeira vez, julguei ser um pedaço de comida, que eu nem bem identificava, que se tinha teimosamente instalado na brancura do dente, e que tivesse ficado despercebido aquando da higiene matinal, coisa terrível aquela, que pode acontecer a qualquer um de nós, e que nos deixa sempre naquela incómoda posição, quando detectada a desgraça, de nos inquirirmos internamente sobre quem já viu, e sobre o que terá pensado. Ela seguiu caminho e eu não mais pensei no assunto.
Na manhã seguinte, o sorriso surge igual, ou seja, o hipotético pedaço de comida que se teria colado ao pobre dente, continuava exactamente no mesmo sitio, sem tirar nem pôr, nem um bocadinho mais acima, nem um bocadinho mais a baixo. Estava lá, a meio do dente, local onde já se encontrava no dia anterior. Eu, na minha ingénua ignorância, mudei o pensamento, catalogando agora tal mancha, numa possível patologia, da qual a pobre estivesse a ser alvo, todos nós temos destas coisas, inesperadas, chatas de resolver, inconvenientes, mas que com o tempo, se solucionarão, pelo que naquela fiquei, aguardando em ânsias que a dita senhora, me voltasse a sorrir de sorriso limpo e imaculado, coisa que muito aprecio.
Nada disso aconteceu, continuando a minha pessoa, todas as manhãs, a ser cumprimentada com o sorriso manchado a cinza, para o qual vou olhando de soslaio, pelo que acabo por perceber, que aquela suposta mazela, estratégicamente colocada no dente, foi intencional, a fim de enfeitar um rosto inundado de normalidade, que em nada ficou a ganhar.
Faço esforço para não lhe olhar para o dente quando ela fala comigo. Acho uma falta de respeito, devemos sempre olhar para os olhos de quem nos fala. A minha vizinha, na sua estranha normalidade, complicou-me a tarefa significativamente.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Errare humanum est

É um assunto frágil, e como qualquer assunto frágil merece atenção em dobro, sendo que ainda assim, mesmo que nele se concentrem todos os olhos do mundo, a fragilidade pode nem desaparecer, dada a impossibilidade de se concluir com eficácia o que se passou. Falam-se de inúmeros casos. Surgem imensas situações daquilo a que chamamos negligência médica. Muitos de nós já a sofreram, alguma verdadeira, outra, qualquer outra coisa, que baptizamos também com aquele nome, porque nos lida com a vida, com a saúde e com a doença, e é um assunto por demais forte para nos limitarmos a arrumar num erro, e pronto.
Convergem aqui um enorme conjunto de circunstâncias difíceis de avaliar com isenção. Se algum profissional cometesse um erro fatal em alguém que me é próximo, por certo a revolta sentida seria de tal forma, que julgo que não encontraria em mim poder de desculpa, por cansado que o mesmo estivesse, por sobrecarregado que se encontrasse. É delicado o assunto, pelo que se tem a perder, sendo que pode até ser a vida, por demais preciosa, dado que implica a perda mor, sendo que a partir daí, já mais nada se perde.
Mas será que não devemos pensar, que o médico e o enfermeiro, também são gente? E que por muito zelo que empreguem, poderão um dia errar um erro sério, que poderiam eventualmente ter evitado? São apenas questões que deixo, sem resposta concreta, apenas e só para nos fazerem pensar.
Obviamente que o julgamento dos casos deverá efectivar-se, avaliando-se todas as condicionantes envolvidas, todas as particularidades. Uns serão efectivamente negligência, outros talvez nem o sejam. Cabe-nos a nós avaliar com os meios que temos. E também aí corremos o risco de errar.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Calma

Lembro-me amiúde do tempo em que era apenas eu. Apenas eu, maneira de dizer, que se entenda, que nós nunca somos apenas nós, somos sempre nós e mais alguns que nos circundam. Só eu, no sentido do cuidado, da preocupação, que em tempos alguém teve comigo, mas com a qual eu nem bem me inquietava, uma patetice sem fim, cheguei a julgar, numa terrível ignorância, por onde todos passamos. Mas dizia eu que penso amiúde, e penso, amiúde, e com uma certa nostalgia de saudade, aquele sentimento forte e impiedoso como poucos sabem ser, que por vezes nos assola sem aviso prévio, e nos acerta em cheio.
Uma saudade estranha, diga-se a bem da verdade, se é que se pode usar a palavra estranha em tão enorme sentimento, que precisamente por isso, pela sua magnitude, assume diversas formas, feitios e intensidades, todas diferentes umas das outras, sendo que, provavelmente, nenhum é mais estranho do que o outro, são todos diferentes, apenas e só. Digo estranho, pelo facto de nem me apetecer um regresso, que também de resto, nem possível é tal coisa, que o presente a nós pertence, o futuro logo se vê, e o passado, esse, já se foi e já cá não volta, é sempre assim desde o inicio dos tempos, por muito que tentemos inverter-lhe a tendência, de nada nos vale, que nunca lá chegaremos. Mas dizia eu, que nem lá voltava, ao tempo, em que era só eu. Ao tempo em que a minha vontade chegava, a minha ambição reinava, os meus sentidos imperavam. Hoje, tudo mudou. O que faço, o que digo, por vezes até o que penso, se encontra direccionado em função de uma existência alheia, minha, muito minha, que me acompanha de perto, esteja a meu lado, ou esteja distante. Amo este sentimento.
Porém, por raros momentos, o cansaço deixa-me uma vontade tremenda de calma. É dela que eu sinto a saudade. A calma de hoje é sempre tão distante da verdadeira.

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Individualidades

Chega, de andar trôpego e arrastado, quase parecendo, que a cada passo que dá, acarta o fardo de toda a sua existência, fardo pesado, sem dúvida, que quis Deus, ou qualquer outro criador que por cá mande nos desígnios terrenos, que nascesse de juízo fraco, o suficiente para não se conseguir sustentar, orientar e caminhar por sua autoria, tenho para mim, ser esta uma das grandes tristezas, de alguma existência humana. Quando de nós dependemos, quando a nós nos governamos, ainda que em sociedade, valemos-nos do nosso arbítrio, sendo que o que nos aprouver é o que realizamos, sem contas a segundos, terceiros ou quartos, ou se as damos, damo-las porque assim o entendemos, e não porque assim o devemos. Ele não sabe o que isso é, que desde a nascença que se encontra aos caídos, ora daqui, ora dali, ora de lado nenhum, e esse, esse sim, foi o mais grave período de sua existência, ocorrido aquando da doença de sua mãe, tendo ele ficado quase sozinho, à mercê de um padrasto alcoólico, que o via como um estorvo, e não como alguém, que dele muito necessitava. Nem o condeno, que também ele, ainda hoje, precisa de quem o cuide.
Talvez pela ausência de poiso e de beira, para ele, tudo vale ouro, ou até, quiçá, algo ainda mais precioso, e esse tudo, pode ser verdadeiramente quase nada, que vai desde uma caneta, a um calendário, um chapéu, ou qualquer outra coisa, que ele guarde junto a si, já que pouco mais tem. Vale-lhe também qualquer carinho, sobre os quais detecto, aos olhos de muitos que se dizem bons, um ar de reprovação, como se um afago dado a quem dele precisa, fosse um acto repugnante.
O nojo, é um sentimento individual, sendo que varia de objecto. Fico feliz que assim seja. Eu, por exemplo, tenho nojo de hipocrisia.

Dos tempos modernos...

- Olha querido, já viste? Este filme que está a dar, chama-se a A Paixão de Shakespear, sabes quem foi Shakespear?

- Eh eh, que nome fixe. Mais um bocadinho e era Jack Sparrow...

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Dos mistérios quase perfeitos

Há muito me debruço por perceber tal fenómeno, sendo que o mesmo continua a constituir-me, um dos mistérios da nossa existência. Dona Flor, numa história verídica mas de nome fictício, sendo que conto esta, como podia contar outra, que muitas conheço desta dimensão, ocupou-se do filho largos meses, enquanto um malvado de um câncer o consumia aos poucochinhos, por dentro e por fora, quase parecendo, que se regalava com o padecimento de quem levava para si, tal o requinte malvado com que lentamente se regozijava, numa implacabilidade certeira mas calma. Um horror. Durante esse tempo, Dona Flor correu o mundo que se apresentava na envolta, não tendo corrido mais, porque os seus fracos recursos não lho permitiam, mas ainda assim, e no que estava ao seu alcance, correu a bom correr, socorrendo-se de médicos, homeopatas e curandeiros, sendo que nenhuma sabedoria ousava deixar de fora do seu encalço, poderia ser, que de onde menos se esperasse, viesse a cura para o seu bem mais precioso, que tomou tudo o que havia para tomar, desde produtos naturais, a químicos, a mezinhas, a rezas de fé. Nada lhe valeu, que a malvada da doença, por lenta que fosse, foi eficaz no seu propósito, e o seu propósito, era levar-lhe o filho, e assim aconteceu, numa tarde de Outono, em que o céu desabou em chuva, exactamente na altura, em que ele a deixou. Este desabamento do céu, nada foi quando comparado ao desabamento de Dona Flor, que no final do dia, manhã seguinte, vá, já o tempo tinha reestabelecido, as nuvens dissipado, o sol voltado. Mas Dona Flor quebrou para não mais levantar. Numa entrega desmedida a uma tristeza sem fim, quase parecendo que a força que emitiu, enquanto alguém dela precisou, se esgotou de repente no ar, e se esfumou para sempre, junto com quem não mais voltou. Talvez deixasse de ser precisa. Não deixa de me intrigar, essa durabilidade. Exactamente igual à necessidade. Uma das coisas onde roçamos a perfeição.

Ilusões

Sinto uma inusitada atracção pela clareza. E digo inusitada, porque lhe reconheço a raridade, que nos dias de hoje, muitas das vezes, gente para se julgar gente, é gente que se contrói, não é gente que é. Talvez por isso, me sinta tão encantada quando me deparo com os que se deixam guiar pela essência, sem artimanhas ou artefactos rebuscados e construídos, apenas e só com o intuito de se apresentarem como na realidade não são, ou seja uma tremenda negação do eu, que quem assim se relega em função de um constructo imaginado, mais não faz do criar uma capa interna, exactamente igual a um disfarce externo, que se despe no frio da noite, quando o dia se some e a gente se afasta, porque nem me parece provável, que quem assim se fabrica, mantenha a construção sempre, vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, trinta dias num mês e trezentos e sessenta e cinco dias por ano.
E assim sendo, o mais que se consegue com tamanha prosápia, é deixar-nos aquela imagem, que nem se encontra muito distante do ridículo, de um exagero descabido e despropositado, pela certeza que temos, de que mais logo, na ausência do cuidado no tom, na pose e no trato, aquela figura mais não é do que um ser normal, que se trabalha ao infinito numa fantasia sem fim, à qual se presta com o intuito de parecer um bem supremo, que a ele tanto lhe vale. Ou pelo menos, ele assim julga. A ilusão, é de facto uma coisa bonita. Ou então, às vezes, não é.

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Rosinha

Ensinou-me a fazer molho branco, que segundo ela, constituía a base de qualquer culinária, seja ela de que origem for, pelo que quando me ouviu inquiri-la, sobre o processo de sua feitura, abriu-me os seus grandes olhos azuis, e vociferou-me em alto tom, próprio de quem muito já lutou pela vida, e diz a menina que é uma boa cozinheira. E dizia, e dizia mal, de facto. Pesava cerca de cem quilos, era viúva há muito, de um marido vaidoso e mulherengo, que em nada lhe faltou em dinheiro, e muito lhe ficou a dever em carinhos e companhia, que valores mais altos sempre se levantaram. E quem diz mais altos, diz de maior interesse, que se entenda. Sua excelência era douto na arte da sedução, palavras de Dona Rosinha, sendo que não havia mês, não raras vezes em modo dobrado, em que não mandasse costurar no melhor Alfaiate da cidade, Sr Gonçalo, de seu nome, um fato completo, desde a calça, passando pelo casaco e pela camisa, que rematava, invariavelmente, com uma boina a condizer. Embora nem precisasse dela, a bengala acompanhava-o sempre, num compêndio indispensável e selecto, que em muito compunha a indumentaria pretendida. Passeava de manhã até ao fim da tarde, desde novo, que cedo se entregou à reforma, bem vinda que esta era a quem apreciava, tal como ele, uma vida de galanteio e diversão. Regra geral, não faltava para além do pôr do sol, sendo que a hora da janta, era para si hora sagrada, a fim de se repastar com os manjares de Dona Rosinha, manicura de profissão, cozinheira por opção, devoção e precisão.
Limou-me as unhas inúmeras vezes, em forma amendoada, em uso na época, quase sem vista, que as cataratas, quiçá derivadas das horas de choro infinitas, nunca secaram e quase a cegaram, sendo que realizava o seu trabalho quase às cegas, mas numa perfeição de meter cobiça, a muitas de boa vista. Recordo-me ainda o seu cheiro, a água de rosas forte, como que numa combinação perfeita com o seu ser, Rosinha, que assim terminava, pela doçura sem fim.
Demoliram-lhe por ora a casa. Ela, já se foi há muito, numa noite de inverno, nem sabemos como, sabemos que na manhã, já o seu corpo não tinha vida. Ainda a imaginava por lá, já toldada pelas pernas trôpegas, numa doença malvada que lhe levou a força física para longe, bem antes da sua partida.
Fica-me a faltar aquele sítio, para além dela. É uma das que tinha, muito mais para me ensinar.

domingo, 28 de novembro de 2010

...



Um, dó, li, tá...

O amor e o amanhã

Dizes ter-me amor e eu, acredito. Acredito e fico feliz, como se o teres-me amor fosse uma coisa pura e inocente, quando todos sabemos que não. Há muito já conclui que o amor desprendido, o único verdadeiro e puro, é o dos pais para os filhos, quando muito o dos irmãos, e mesmo nesses casos específicos, nem todos serão, que tenho para mim que há gente, sem capacidade real para o sentir. Esse majestoso sentimento, surge-nos cá de dentro, desprovido de qualquer tipo de interesse ou proveito próprio, independentemente do que nos possa trazer, que podem ser alegrias e boas aventuranças, ou podem ser desgostos, preocupações, desilusões, enfim, uma panóplia de forças periclitantes, mas que apesar disso, em nada nos incomodam, ou seja, em nada nos mudam os sentimentos, que continuam iguais ao longo da vida, venha quem vier, aconteça o que acontecer, morra quem morrer, nasça quem nascer. Quanto aos outros, sinto-os frágeis, senão sempre, muitas das vezes.
Nem sequer questiono a veracidade do que dizes ao apregoar-me amor, ao evocares as saudades que me sentes, ao desejares-me a presença, tanto, quanto a do ar que respiras. Continuarás por certo assim, por tempo indeterminado, enquanto eu te iluminar o espírito, te acender o desejo, te acalentar a alma, coisa que um dia, é possível que passe, que somos assim, de natureza mutante e imperfeita, sendo que mudamos os gostos e as ambições, e somos egoístas ao ponto de as respeitar, mais do que a qualquer outra coisa. Atenção ao facto importantissimo, desta minha observação, não constituir qualquer tipo de reparo à nossa natureza, que assumo e aceito, e que disso, não haja a menor dúvida.
E se esse estado de evolução permanente, detém um carácter fenomenal, de percurso e progresso, não deixa de acartar esta dose de instabilidade, sendo que o que se ama hoje, pode deixar de se amar amanha. Ou então, quem sabe, pode amar-se para sempre.
Nem espero mais nada, acredita. A consciência de que assim é, já me chega. Bem como a felicidade de agora.

Desafios

Fui desafiada, andava a afastar-me destes trabalhos internos, pelo menos dos orientados, como se a estrutura externa fosse o pilar principal, coisa que nunca, por nunca ser, virá a ser uma verdade absoluta, no que toca ao ser humano, espécie dotada de intelecto, sentimentos, emoções. Se falarmos num animal, onde a força e a imponência se bastam por si só, poderemos aceitar a busca da satisfação básica, a valorização do que a eles importa para seguir em frente, na continuação da espécie, e que pode ser a força nos leões, a beleza nos pavões, enfim, por aí fora que cada espécie tem a sua especificidade, só nos cabendo a nós constata-la, nada mais. Pelo contrário, o Homem apresenta-se muito mais complexo, numa miscelânea de interesse interno e externo, onde muitas vezes, por desleixo, facilidade ou vontade, se centra em um, num completo detrimento do outro, como se isso fosse prudente, e nos pudéssemos dar ao luxo de nos clivarmos desta forma, aqui interessa, ali não, pelo que agora vivo só uma das vertentes e esqueço a outra, sendo que a outra pode ser a interna ou a externa. Sequencialmente, cultivamos a que mais nos convém, a que mais apreciamos, a que mais nos satisfaz, quase produzindo uma consequência inevitável, e que consta no cultivo da imagem para quem dela pode usufruir de forma satisfatória, ou o cultivo do intelecto, para quem dele se socorre, para uma valorização pessoal mais concreta. Obviamente que este estado define um extremo, nada desejável na humanidade, sendo que para bem ser, deveremos debruçar-nos de igual modo em ambas as vertentes, ou se não igual, pelo menos de forma contrabalançada, umas vezes num, outras vezes noutro, numa perfeição ambicionada por quem nos criou, como um ser intelectual, mas também social, perfeição essa, que, por isso mesmo, ser perfeição, nos deixa no aquém muitas vezes.
O desafio surgiu-me então, e ainda bem que surgiu, deixando-me com a sensação, fátua, bem sei, de que por vezes na vida, as coisas surgem quando têm de surgir, nem antes, nem depois, mas sim na hora, admitindo aqui um carácter de espiral coerente e infinito, tão frágil com fascinante. O de me trabalhar por dentro, se é que me explico, de forma orientada e sistemática, tentando retirar conclusões sérias, nada de falsos constructos, que uns dias julgo verdades, para noutros constatar mentiras.
Estou empolgada.

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Faltas

Falou-se neles, nos velhos, que hoje são muitos, prevêem-se muitos mais. A população envelhecida parece ser encarada de ânimo leve, como se nem constituísse um problema, num País onde poucos nascem, e onde se morre cada vez mais tarde. Por obra da evolução, por certo que sim, principal responsável pelo alongamento da esperança de vida, que apenas não nos ensina, e agora, o que é que fazemos? Ou melhor, até talvez ensine, que a ordem natural será essa, seremos por certo nós, nem todos, mas muitos, que nem bem o tomamos, que existem coisas difíceis de aprender. Compreendo.
E como tal, os que não sabem, despejam os velhos aqui e ali, onde se possam albergar longe dos olhos, sendo que ficam assim também, longe do coração, ditado antigo, por certo já o ouviram dizer, se não neste, num outro contexto, nem importa qual, importa sim, o que significa. Corre-se, bem sei, também eu corro, como toda a gente, nem mais nem menos, que no fundo, e admitindo as devidas variações do quotidiano individual, todos corremos, todos vivemos e todos lutamos, trabalhamos e prosseguimos, é assim a vida, e quem lhe escapa ao meandro, algo lhe falta. A diferença poderá ser, que enquanto uns correm enquanto mantém de perto as origens, quanto mais não seja num perto longe, necessário quando a vida nem permite grandes proximidades, outros correm mais longe, longe o suficiente para nem sentirem quem por lá ficou, que já pesa, já exige, e já não dá. Nem por aqui me perco com percursos insanos, que possam ter dado origem a afastamentos, sendo que serão sem dúvida a minoria. Falo dos outros.
A suprema revolta surge-me, quando me dizem, numa justificação que me dão com o intuito de se apaziguarem a si mesmos, que a doença chegou, e eles, os velhos, estão ali porque ali estão, e já nem sentem a falta. Porque nestas coisas dos laços, a falta, deveria ser sempre de ambos os lados. Há muito, descobri que não.
Fiz as contas, e concluí que ficarei velha, nessa época em que seremos muitos mais.

Inverno

Saio de casa no frio da noite. A necessidade imperou, exigiu-me ao corpo um passeio na rua, por onde os ares gelados já se fazem sentir. Cheira-me a Dezembro, e cheira-me bem. Por escassos momentos, relego a vaidade e rendo-me ao frio, sendo que envergo um blusão de penas arcaico, rematado com um gorro e umas botas de pelo. Saio, e não o sinto. Inicialmente, julguei acalmia meteorológica, até perceber, que a indumentaria era a principal responsável pelo meu estado de conforto. Nem percebo o porquê de não me sentir airosa nestes propósitos. O meu Inverno seria muito menos agreste.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Encaixes e dúvidas

Gosto de noites sossegadas. Gosto de me deitar, fechar os olhos, e adormecer depressa, antes que me tomem de assalto, os pensamentos vagabundos da minha existência, que todos temos alguns, não constituindo eu, qualquer tipo excepção à regra. Não constituo em nada, porque deveria constituir aqui, sendo que em nada me destaco, assumindo a normalidade como um estado permanente, onde qualquer tipo de genialidade ou bestialidade me fogem a bom fugir, deixando-me marinada no meu Eu simples e prático, nuns dias adaptado, noutros dias não. Nas noites em que tal acontece, em que permito a entrada a tais pensamentos furtivos, uso levantar-me, num instinto de protecção inerente a mim, que a deixar-me ali, em estado de indolência perante tal invasão, mais não consigo do que uma submissão que em nada me apraz, nem aqui, nem em qualquer outro lado, pelo que lhe fujo, sempre que posso. Por esta altura, e a ser lida por algum colega de profissão atento e treinado, correrei o risco de ser apontada como fugitiva de pulsões internas, mas não se aquietem, que nem é o caso. Penso-as quando assim tem de ser, quando a necessidade impera e a minha vontade quer, e isso me basta, não me parecendo em nada prudente, a obrigatoriedade do pensamento, quando apenas a elas apetece. Olho por norma a televisão, preciosa aliada, que sempre encontro qualquer coisa que me entretenha o espírito, que pode ser a Anatomia de Grey, ou um qualquer outro programa no National Geographic, que trate de bicharada. Outra noite tratava salmões que fugiam dos ursos, estratégicamente colocados na subida do rio, exactamente nos locais onde os pobres peixes são obrigados a saltar. Esticam a pata, apanham-nos e comem-nos de uma assentada, numa supremacia e voracidade tremenda. Fez-me lembrar as leoas, que correm na savana atrás dos magros antílopes, esses, pobres de Cristo, ainda mais limitados, que uma vez sinalizados, de pouco lhes vale fugir, que dificilmente escapam com vida.
Nesta natureza que se diz perfeita, existe sempre a presa e o caçador, o superior e o inferior, o que vive e o que morre. Nessa mesma noite, quando o sossego chegou, sonhei que comia salmão assado no forno, com oregãos e sumo de limão. Tu também estavas, a atormentar-me o espírito. Quando acordei, nem bem percebi, em que ponto da cadeia me encontrava.

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