quinta-feira, 6 de maio de 2010

Facilidades

O meu avô sempre teve uma vida fácil. O trabalho era livre, o aspecto de galã, mais valia, claro, e o dinheiro não sobrava, mas chegava. As mulheres cercavam, e a minha avó, Dona Maria Carmina, linda como poucas, venerava-o. Em pequena ficava aos cuidados dela, e ele, o meu avô, saia de casa todos os dias de manhã, envergando fato, gravata e boina a condizer. Tenho para mim, que foi dele que herdei a vaidade, que já aí o admirava com preceito. Ouvia fado corrido na sua carrinha Bedford, e num gira discos antigo, que tinha no quarto, e palmilhava o País em busca de resina e de outros bens subservientes que lhe interessassem ao ego e ao espírito. Não o critico, claro que não, que era um bom vivant, e fez bem, coisa que não lhe herdei, com pena minha. A minha avó, pobre serva, foi feliz na mesma só pela sua presença, por lhe dobrar a roupa, lhe passar as camisas, lhe ajeitar o nó da gravata, e lhe cortar as unhas dos pés. Ele, sabedor que era da importância dela na sua vida, sempre a mimou qualquer coisa. Não em carinhos ou estimas, mas em bens supérfluos, como caixas de pó de arroz, perfumes, vestidos de flores e cremes da Stendhal, coisas que a deliciavam, e lhe davam algum alento para aturar o que Deus sabe, e que ela, fingindo que não, sempre soube também. Hoje o meu avô está doente, chato e rabugento. Os oitenta e muitos e uma vida de facilidades, não lhe dão estrutura para enfrentar as dificuldades da vida, que teimaram mas surgiram. Nas minhas análises, que faço amiúde, facilmente concluo que a fragilidade mor, nem está na idade, mas na vida fácil que teve. O queres toma, o sim Manel. Eu, aos oitenta e muitos vou ser muito mais resistente. Eu e a minha querida T, acabada de ressuscitar e muito, muito bem vinda por cá. A propósito, a mais nova também já tarda. Anda fugida a malvada.

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