terça-feira, 17 de maio de 2011

Calor

Todas as noites dormia com a janela entreaberta. Precisava de ar, que os cinquenta trouxeram-lhe um calor constante, imune a temperaturas, fossem elas frias, fossem elas quentes. Não suportava qualquer tipo de abafo, que se a tal coisa se sujeitasse, teria por certo o afrontamento, que desde essa altura em diante nunca mais a largou. Tinham-lhe dito que com o tempo passava, que com o suceder dos anos e o alívio das hormonas, o seu corpo encontraria de novo o sossego, mas nada, que é velha como um raio, e o calor perdurou. Ainda se lembra em tempos, de dormir guardada por uma touca de rede que lhe preservava o penteado, possibilitando assim o adiamento das idas à Dona Rosa, cabeleireira da aldeia, mestre em toucados armados a rolo, muito duradouros, quando atados pela rede. Agora, basta-lhe uma noite volvida, para os caracóis perderem a graça, que o espojo na almofada cor de rosa, que lhe serve de aconchego, chega para lhe desmanchar o penteado no instante de uma noite. Lutou contra, mas de nada lhe valeu, que a enfiar a toca na cabeça, ganha de imediato um incómodo sem igual, capaz de lhe tirar o sono por largas horas, que chegava a vir sim, mas só lá para a madrugada, com a fresquidão dos ares matutinos, que lhe entravam pela janela. Teve portanto de deixa-la, e de se sujeitar aos caracóis amassados, que compõe com um pentinho de plástico comprado para o efeito, e com uma baforada de laca cheirosa, deitada em abundância. Ouve porém uma noite, em que deveras se assustou. Por entre a janela entreaberta, entrou uma coruja majestosa, que delicadamente se poisou na porta de madeira do guarda fato, e ali se ficou. Nem deu pela entrada, que apenas a detectou já na manhã, quando ensonada se levanta, e se prepara para dar inicio aos procedimentos de higiene, olhando primeiro para o espelho, pregado na parte de dentro da porta do roupeiro, seu hábito de sempre. O bicho majestoso olhou-a e manteve-se imóvel, mas ela, nem só de medo, mas também de susto, mandou um berro estridente, e assustou o pobre do animal, que voou pela janela ensandecido. Ficou para morrer, por a tal perigo se ter sujeitado, poderia até, quiçá, o animal ter-se enraivecido, e ter-lhe saltado para a vista, deixando-a estendida à sua sorte, sem cor, sem caracóis, quem sabe até se sem olhos.
Na noite seguinte, e após muito pensar, decidiu fechar a janela de madeira, sujeitando-se ao calor sufocante que lhe atazanava o corpo, mas a segurava da bicharada. O sossego encontrado, pelo sentimento de estar protegida de qualquer mal, levou-lhe o afogo.

1 comentário:

  1. Existem 2 soluções possíveis, a económica e ecológica - umas portadas de rede fininha. a dispendiosa e inimiga do ambiente - ar condicionado :)

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