segunda-feira, 7 de maio de 2012

Escutas

Tremelica sempre, normalmente de cigarro na mão. Os cigarros têm esta particularidade esquisita, entre outras coisas que assumem esta mesma vicissitude, e que consta no acentuar do que se sente, que pode ir do prazer, quando sorvido com gosto, à elegância, devidamente enquadrado, ou até à fragilidade, quando apertado com força entre uns lábios dormentes que o calcam na esperança do alívio da dor, do sofrimento, da necessidade premente do corpo, se esta estiver levada ao extremo. Dos olhos deixa-me sempre escorrer mágoa, acentuada por um atafulhado de palavras que lhe saem de forma desordenada, completamente inconstantes, numa mistura de sentires e de dizeres totalmente condizentes com a vida que vive de forma corrida, descoordenada, inconsistente. Fala-me dela entre as palavras que me diz dos filhos, não sem antes me situar nos dias da mãe, nas malfeitorias do pai, nos estragos do marido, quando ainda vivo. Lembro-me dela do tempo de escola. Não me agradam estas ocorrências que encontro amiúde na minha profissão, e que tratam o zelo mental por quem me acompanhou o crescimento. Não são suficientes para recusar o acompanhamento, mas bastam para que eu  viaje no tempo e reviva a adolescência e a época em que aquelas pessoas cresciam felizes, ou aparentavam crescer. Acentuam-me ainda o sentimento de sempre, repetidamente reforçado, de que o que vemos por fora, no aspecto do corpo, na fluidez dos gestos, na delicadeza das vestes, nem sempre condiz com o que nos percorre por dentro, no bater do peito, nas fendas da alma. Estes estados confusos e cheios agravam quase sempre a capacidade de escutar. Fica reduzida a nada ou a perto disso, o que urge é deitar cá para fora tudo o que incha, tudo o que invade,tudo o que se sente sem se ter capacidade para sentir. Normalmente não ouso falar, limito-me a mim à escuta, ao aceno, à marcação. Em tempos idos julgaria esta minha intervenção uma misera perca de tempo. Hoje, encaixo-a numa da maiores imprescindibilidades da minha profissão.

( E da vida, e das relações e até para a nossa evolução pessoal. Houveram alturas em que nem a mim me escutava. Ou escutava pouco, ou escutava mal. Hoje escuto-me todos os dias. Nem sempre estou certa, nem sempre as palavras surgem direitinhas, enquadradas na linha orientadora que me rege o crescimento. Não aprecio essas, confesso. Desassossegam-me, inquietam-me o espírito, agitam-me a alma, percebo perfeitamente o porquê de fugirmos delas.)

2 comentários:

  1. A proximidade envieza... a nossa connosco, a nossa com os nossos, mas é fundamental para se tornar consciente, para poder ser explicado e entendido por nós mesmos. Sem estes dialogo de eus, quem seriamos nós?

    ResponderEliminar

Deixar um sorriso...


Seguidores