quinta-feira, 17 de maio de 2012

Vergonhas

As pessoas estão diferentes, quiçá só mais velhas, o que faz muita diferença, para não dizer toda a diferença. O primo está gordo, apresenta orgulhoso uma barriga muito proeminente e uma língua também ela considerável e cheia de vontade em fazer perguntas constrangedoras às quais eu não quero responder. Fico esquiva, defendo-me com o jeito adquirido com anos e anos cá neste mundo, e deixo-o a fervilhar dentro de uma curiosidade mórbida que eu conseguia ver a saltar-lhe dos olhos, mesmo por detrás dos óculos grossos e muito graduados. Continuei a subida e fui encontrando gente que se aninhava nuns restos de sombras estranhamente quentes. O calor do verão não é nosso amigo, deixa-nos com um ar adoentado, excessivamente ruborizado, salpicado de gostas de suor incómodas que limpamos com um lenço meio envergonhados. Há coisas que nos envergonham muito embora não as possamos controlar, nem dependam de forma alguma da nossa capacidade de cuidado ao corpo, do nosso zelo, da nossa vontade. No final do dia, e num contexto totalmente oposto ao anterior, apanho uma mãe que amamenta um bebé de colo no banco de um jardim sob a vista de quem passasse, sem qualquer tipo de resguardo. Não me incomodam nada corpos que não me pertencem, nem sequer a exposição excessiva do que cada um considerar pertinente mostrar. As vergonhas são pessoais e cada um tem as suas, devidamente acondicionadas dentro da sua forma de estar neste mundo. É a intimidade do momento que me perturba. Os olhos do bebé que mamam para além da boca enquanto sorriem para a mãe, ao mesmo tempo que ela lhe fornece o alimento básico da vida, vindo do seu próprio corpo. É bonito, é muito bonito, e por isso deveria ser íntimo, pessoal, e nunca ser exposto aos olhos curiosos de quem anda perto e ousa imaginar o que se passa ali.


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