sexta-feira, 1 de junho de 2012

Excepções

Todos os dias são ocupados a olhar para dentro dos olhos dos outros. Após encostá-los na maquinaria destinada ao efeito, procura lá dentro doenças várias que podem ir desde cataratas, miopias, estigmatismos, úlceras, e outras de carácter diverso que atacam os olhos e envolventes, deixando quem delas padece numa subjugação indesejada. Nunca puderam acusá-lo de indelicadeza. Habituou-se a pegar nas pálpebras com um jeito minucioso digno de um neurocirurgião, que se há parte do corpo que respeita são os olhos de quem o procura, ponte para a realidade circundante. Diz que não concebe a existência de profissionais isentos desta cortesia, que a esses deveria de ser reservado o trato com máquinas, e nunca o trato com gente. Concebe ainda que sejam a excepção à regra, pessoas um tanto ou quanto amargas de boca, que por tal coisa deixam destilar pelas diversas partes do corpo um azedume característico e impossível de conter, sob pena séria de contaminarem o corpo a pontos nefastos. Mas agora serem a regra, é que é coisa que de facto não compreende. Empreendeu-me este discurso na sequência do tratamento ministrado por determinada equipa de enfermagem, caída a despropósito, só pode ser isso, num certo hospital. Uma equipa constituída por um conjunto de gente sem voz, ou em alternativa possuidora de voz áspera e aguda, que se dirige, quando tal coisa acontece, de forma contrariada e extremamente seca. Os doentes deitados em camas de hospitais, donos de um número e de um corpo sem nome, olham-nas de soslaio mas entregam-lhes a vida, quase sempre debilitada e fragilizada pela situação. Outra classe, responsável pela distribuição das refeições, leva e traz tabuleiros de forma despersonalizada, sem sequer olhar para dentro dos mesmos, numa certificação de se estão vazios ou cheios. Não importa, não são pagas para terem tal cuidado.
Chego a pensar se o que dá origem a esta vagues do serviço é uma consequência de uma auto defesa que honestamente não sei como é, ou se trata sim uma postura considerada admissível, por poucos se queixarem dela, devido ao estado de necessidade. Sendo uma ou sendo outra, julgo ambas condenáveis. Uma cama de hospital é sempre um sitio feio, assustador, potenciador de medos e de fragilidades. Mãos e palavras doces são sempre precisas para quem está e para quem vive ao perto. Asperezas e amarguras deveriam ser banidas, ou quando muito, serem efectivamente a excepção que confirma a regra.

( Já não está lá. Velhinha e frágil nem ousa dizer o quer que seja. Nem deu por algumas coisas, julgo poder dizer. Se o trabalho e ao invés, tivesse sido delicado, por certo recordaria o conforto e a dedicação, a maior marca que podemos deixar por onde passamos. A doença continua a assustar-me. Ou melhor, a vulnerabilidade e a dependência. )

2 comentários:

  1. Neste campo posso afirmar que já foi muito pior. Noutros tempos nem nome tinham os desgraçados que caíssem em cama de hospital. Nem nome, nem condições, nem respeito. A maior parte das vezes eram reduzidos a objectos de observação e nada mais. Os médicos e os enfermeiros têm hoje mais consciência da humanidade do que tinham há 50 anos atrás. Nisso evoluímos :):)

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  2. Sim, imagino que tenhamos evoluído. Ainda assim, e pelo menos nos meus olhos se calhar exigentes demais, estamos aquém. No meio do que vejo encontro os humanos, mas também encontro muitos estranhos, que cuidam gente como quem cuida uma coisa. Já vi, com os meus olhos e na minha beira, e revolta-me imenso... Melhoramos, precisamos de melhorar mais... Beijinho Antígona.

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