sexta-feira, 11 de maio de 2012

Elisa

Elisa falava demais. Deixava transparecer a ideia de que as palavras não lhe cabiam dentro, tal a sofreguidão com que lhe escorriam da língua e passavam pelos lábios, pequenos, feios, incómodos. Não suporto lábios incómodos, são demasiado visíveis, demasiado óbvios, demasiado impertinentes. Os lábios tal como os olhos, deveriam vir dotados de uma qualquer capacidade de refreamento, que poderíamos trazer logo de nascença, devidamente adaptada ao sensato, ao circunspecto, àquilo que não caminha directamente para o interior do excessivo. Todas as manhãs, e mal levantava o corpo da cama quente, vestia um casaco de malha comprido no Inverno, ou um xaile leve e florido no Verão, e iniciava o seu passeio matinal que era composto por uma passagem criteriosa e rigorosa nos locais que considerava serem sítios de importância para a sua existência diminuta e apropriadora de vidas alheia, muito mais interessantes do que a sua. Usava beijar toda a gente, ora na testa, ora não mão, sinal de um respeito fingido mas muito apreciado por todos. Dessas vidas ela aproveitada bocados. Pequenos compósitos que guardava com jeito e que depositava na casa seguinte, imediatamente antes, ou logo depois de sorver nova vida, novo acontecimento, nova situação. No final da manhã e devido à quantidade significativa de informação reunida, e ainda por a sua cabeça tonta não conseguir arrumar o recolhido dentro do devido compartimento em questão, já as histórias lhe nasciam misturadas, vomitadas cá para fora sem qualquer rigor ou exactidão, o que fazia com que o contado fosse uma amálgama de palavras soltas ao vento, que ela deixava passar com um ar de sabedoria mor, mas que deixavam quem a ouvia com ar de embasbacado, tal a incoerência do que dizia. O que eu nunca entendi na altura, muito embora me tenha debruçado sobre o assunto com a seriedade que merecia, era o porquê da partilha com Elisa das dores da alma, das faltas do corpo e das amarguras do espírito, dado que todos sabiam o caminho que levariam e o tratamento que lhe daria. O que acontecia não era mais do que uma sujeição ridícula e patética a um interesse mesquinho. Elisa vivia dele. Do interesse, do companheirismo fictício, da vontade de prestação. Quem lhe contava vivia também. Encontravam-lhe o defeito mas utilizavam-lhe o corpo que as escutava, porque faz falta alguém que vire a cabeça com atenção e que ampare a vida que corre muito depressa, entre ouvidos que não ouvem, pessoas que não vêm, dias que fogem sem que dêmos por isso, senão quando já passaram.

( Afinal, acho que as Elisas fazem falta. Tudo parece fazer falta, acabo por concluir. Quanto ao que isto revela, falemos depois.)

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