terça-feira, 22 de maio de 2012

Mães

Hoje a ouvir o grande Júlio Machado Vaz concluí, mais uma vez, que sou uma mãe poucochinha. Ele também questiona o conceito da mãe perfeita, valha-nos isso para me manter saudável e sem culpabilizações capazes de me atirar à cama e às pílulas coloridas e poderosas. Não amamentei nada de jeito, foi por pouco tempo, o corpo não estava para aquilo. Sei exactamente o que deveria ter sido em cada altura do crescimento do meu filho, e sei ainda que deveria ter estado disponível quase sempre, contingente quase sempre, atenta quase sempre, e nas vezes restantes em que não estava, ou seja nos quases do caminho, estes só poderiam ter ocorrido devidamente justificados por motivos de força maior, de causa inabalável, mas não foi nada disso que aconteceu. Às vezes não fui e não sou apenas por cansaço, por irritabilidade, porque não me apetece, ou porque me apetece qualquer outra coisa que não é só estar disponível para ele, mas é também estar disponível para mim. Tenho dias em que dou bolos de compensação por estar irritada e ainda para ver se ele sossega e baixa a guarda, e dou hamburgueres com batata frita ao jantar porque a paciência não chega para o peixe adornado a legumes saudáveis e regado a fio de azeite virgem, salpicado a duas gotas de vinagre a acompanhado a pão de mistura. E deixo-o ver o Gosto Disto para que ele me deixe ler, e deixo-o ouvir música alta no computador, para eu poder ver as Donas de Casa Desesperadas, e sentir-me um nadinha acompanhada. E já o deixei ao fim de semana no pai ou nos avós por motivos que não foram de trabalho. E já o deixei dormir sem lavar os dentes porque se acabou a pasta, e levar um casaco enrolado para a escola, apenas porque o ferro me pesava muito logo pela manhã. E já ouve dias em que não o ouvi devidamente e disse que sim sem saber a quê, e outros em que deveria ter dito não e disse sim, completamente consciente de que não devia fazê-lo, mas não me apetecia explicar o porquê do não, que é sempre uma explicação cansativa, exigente e demorada. Há dias em que não tenho argumentos, é isso, coisa esta muito pouco própria a uma boa mãe. E por aqui em diante.
Mas depois tenho outras coisas que não vou enumerar. Que são nossas, são sentires e fazeres, e são a nossa perfeição imperfeita, que nos faz felizes, particulares e isentos de minhocas assassinas. É por isso que eu abomino as regras excessivas, as convenções feministas e as pessoas que são apologistas de verdades universais e matemáticas aplicadas a gente, a mais irracional das realidades, a mais sublime de todas as coisas, a mais própria e singular forma de existir.

12 comentários:

  1. :) Obrigado Ivone. Acredito que a maioria das mães está connosco...

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  2. Tal e qual!!! Belo texto.
    DB

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  3. Eu também estou nessa. Devo ser mesmo má mãe!!!
    Contudo há algo que faço todos os dias (ou quase todos), é dizer-lhes que os adoro.
    Talvez seja mais um consolo para mim, que para eles. Mas é certamente a maior verdade da minha vida.
    :)

    Maria

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  4. Ai, ai, essa necessidade de se catalogar pessoas, condições, et al... Ai, ai, essa dicotomia entre o Bem e o Mal e correspondentes culpabilizações, et al... esta coisa de outros (técnicos sociais, dizem) andarem a sinalizar pais, mães e filhos, descontextualizando o dissenso do bom senso... Enfim, força, Mãe babada! :)

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  5. Gostei e revi-me muito neste texto!!!!

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  6. Não sou mãe mas adorei o texto e acho absolutamente normal que haja todas estas 'imperfeições'. São o mais importante, a prova evidente de que somos humanos.

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  7. Muito bom, mais uma vez a VERDADE, Carla. Revejo-me totalmente. Abaixo os fundamentalismos todos que veem em todas as fugas às regras um crime::)) (Hoje escrevi algo parecido - amamentação:) - há que desculpabilizar e não o contrário! )

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  8. Acho que muitas mães se devem rever...

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