quarta-feira, 21 de abril de 2010

A Dona Hédita

A Dona Hédita foi ao meu casamento. Era uma velha chata e presunçosa da qual ninguém gostava e que povoava o sítio onde eu trabalhava na época. Sempre tive o condão de aturar aqueles que mais ninguém quer aturar, conseguir, e ter um orgulho danado disso. Apoderou-se de um sofá às flores, bem defronte ao meu gabinete, e dali, sítio privilegiado quanto ao ângulo de visão, controlava tudo e todos com o seu ar assustador e poderoso. Tinha uma barba enorme que picava, uns cabelos brancos sempre em desalinho e era grande, muito grande. Passou por vários sítios, e não falava com filhos, netos ou outros familiares, vá lá saber-se porquê. Piorou o estado de saúde, e tentou um lar, em vez de centro de dia, começando a sua roda viva, porque ninguém a aturava, ninguém a segurava, ninguém de resto, a queria. Ontem, em arrumação do meu actual estaminé, na época já uma residência de idosos, dou com o processo dela, e descubro que também por cá passou. Com a sua imponência e presunção habitual claro, que isto nestas idades não se esvai, acentua-se. Lembrei-me da terrina que me deu no tal do casamento, que me afamou sorte, mas não cumpriu. Lembrei-me da foto bem defronte da Igreja, que talvez um dia ainda poste por cá, para verem o ar dela a olhar para mim, que eu, de qualquer forma, estou irreconhecível, tal a felicidade que emanava do sorriso. Passou-me ainda pela ideia, que se eu já estivesse por aqui, talvez a tivesse segurado cá, com a minha terrível paciência para aturar gente assim. Paciência ou charme, que ás vezes, julgo que os seduzo, com as minhas palavras doces, que faz com que quase se derretam na minha passagem. O charme da simpatia é uma coisa poderosa. E talvez até, ela não tivesse de ter andado a saltar de sítio em sítio, de lar em lar, de mão em mão. Ainda um dia talvez mude esta minha apetência, mas duvido, que isto pós trinta já está tudo muito a dar para o consolidado, e as nossas metas assumem-se com um carácter de execução. No fundo no fundo, gosto de ser assim, de uma persistência dura mas eficiente, e só desleixada, em casos específicos, dos quais já vos falei. A Dona Hédita já faleceu, soube. Era chata, presunçosa. Mas eu gostava dela, e ela de mim.

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