quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Tempos

Voltou lá. Tinha sido exactamente ali que tinha passado os melhores dias da sua vida. Os melhores de todos, talvez até nem tivessem sido, que temos este estranho hábito de colocar no tecto das emoções determinadas vivências passadas, quando por vezes até já tivemos outras de ordem semelhante, correndo aqui até o risco de nem deixarmos novas ocuparem o lugar cimeiro, tal a vontade que temos em que as idas continuem ali para todo o sempre. Foram bons, foi isso. Ia portanto no encalço de se encontrar outra vez, de conseguir dormir de olhos e corpo fechados ao mundo, de acordar toda ela pela manhã, enquanto lá fora a vida corria, a chamá-la com força, recebendo-a de braços muito abertos. Poisou o saco e olhou a envolta. O cheiro não era exactamente igual, a colcha da cama tinha umas flores garridas iguais ao costume, mas estranhamente desconfortáveis. As cortinas tapavam de todo uma janela que em tempos sorria. Na mesinha de cabeceira, a mesma bacia com água, a mesma toalha branca imaculada, o mesmo sabonete com cheiro a alecrim. Abriu as portas do armário, muito escuras e trabalhadas, e sentiu de lá de dentro o cheiro a alfazema, vindo de uns saquinhos pequeninos bordados a ponto de cruz, cheios de ervas perfumadas, que deixavam na roupa a essência antiga mas doce, perdida à muito nas gavetas da cómoda de sua avó. Não resistiu e pegou num que cheirou com vontade, sendo que de olhos fechados entrou em épocas muito distantes, algumas das quais já nem lembrava terem existido. Surgiram de repente, emergidas num estalido interno, que num instante desapareceu outra vez. Sentou-se na cama e descansou qualquer coisa, delineando por dentro os planos do dia, da noite, do outro e do outro. As horas passaram e sentiu estranho o seu corpo. O chá príncipe não lhe aqueceu a alma, o biscoito doce não lhe atingiu o coração, o vento morno teimou em deixa-la de fora, sem embalo e sem paixão. O ranger das traves de madeira antiga já não lhe embalava o sono, as cortinas que voavam da janela não lhe benziam a alma, em nada parecia pertencer ali. Deixou o tempo passar devagar.
No final saiu sem a vontade do regresso. O que já foi dela deixou de o ser, ou melhor, ela, é que deixou de ser dali. O tempo tem destas coisas. Quando passa, pode deixa-nos diferentes. E às vezes até indiferentes.

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