quinta-feira, 31 de março de 2011

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É hoje que segue o veredicto, e fiquei-me na psicopatia, quanto mais não seja, porque segundo a lei probabilistica, a hipótese é consideravelmente superior. Nem a colem a serial killers, não tem necessariamente de ser assim, sendo que a patologia só ocorre em estados extremos de desorganização interna. É raro. Deixo-vos uma curiosidade. Parte considerável da população, encontra-se lá. Para os interessados, trata uma estrutura marcada por um Eu narcísico e fraco, excessivamente dependente da envolta, e que culpa o outro, de tudo o que de mau lhe acontece. O que interessa, é apenas e só o próprio e o seu bem estar, sendo que as vontades alheias nem constituem qualquer importância.

A estar errada, começarei mal, e o discurso era neurótico.

A tulipa


Abre-se a janela, e o sol espreita-lhe o quarto. Lá dentro, os lençóis recebem-no a medo, que o calor que os atinge é saudoso, e estranham-no, por assim dizer. Já na rua mira com prazer a envolta, há tanto que gosta. Gosta do velho, que de boina ao lado segue na bicicleta de rodas grandes a lembrar antigamente. O cumprimento surge em forma de aceno de mão e subtil baixar de cabeça, em sinal de respeito. Fosse-lhe possível, permitisse-lhe o equilíbrio manter a postura, e por certo libertaria uma das mãos para lhe acompanhar o gesto, levantando ligeiramente a boina, que num ápice voltaria ao local devido. Dizem ser gestos idos, ela não acha. Gosta dos miúdos que seguem de triciclo sob guarda das avós, com um boné à malandro que os guarda do sol enquanto pedalam energicamente em direcção ao parque dos baloiços. Gosta desses, claro, que lhe lembram uma infância feliz, onde os coloridos se ficavam nos jardins das casas ricas, e onde uma tábua de madeira polida e uma corda grossa lhe roubavam o nome, e o propósito tão bem serviam. Gosta das meninas, de saia e meia que andam aos saltinhos como bonecas, enquanto as verdadeiras lhe abanam nas mãos, sujas e despenteadas. Gosta das flores que encontra no caminho, que nascem numa harmonia suprema, como que para nos mostrar que a natureza sabe o que trata, tão bem ou melhor do que as nossas mãos num jardim. Aqui as brancas, ali as amarelas... Gosta das que trepam, liláses, que se encostam de mansinho nas paredes das casas que se resguardam assim no seu canto, escondidas, dando-nos a doce sensação de que lá dentro, se arruma uma família feliz. Gosta das árvores carregadinhas de folhas, que lhe aplaudem a passagem num impulso delicado, é bem vinda por certo, que ao senão, não lhe sorririam assim. Retribui, claro. Gosta dos raios luminosos que furam por entre a nuvens baixas, tímidas, quase sumidas, numa prepotência tremenda, possível apenas aos grandes. Gosta das tulipas, que lhe nascem no jardim. Existem umas, rosa, lindas de morrer, que lhe deixam na vontade um impulso recalcado pelo óbvio, de colher uma, enfeitar-se nela, e enfrentar o dia a sorrir.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Aprendizagens

L., de quase sete - Mãããeee, posso convidar a J. para os meus anos?


Mãe- Sim, claro.


L. - Tá bem, profere de ar sério e combalido. Mas ainda vou pensar melhor. Ela não me liga nenhuma, faz-me sofrer taaaanto...


O L. não sabe, mas isto é só um início...

Libertações

Ela nem bem se entendia. Havia dias, em que se sentia grande mas leve, quase como se a harmonia a tivesse apossado e os gestos lhe fluíssem do corpo sem esforço, seguidinhos uns nos outros, direccionados ao sítio certo. Havia outros, muitos, em que a carga se tornava insustentável, como se o mero peso das pálpebras, magras e ligeiras, lhe exigissem um esforço sub- humano, um empenho de energias ali concentradas, a fim de poder abrir os olhos e olhar a envolta. Acabou por perceber, que esta analogia se rege pelas suas vontades, que quando querem relaxa, quando não querem pesa. Num treino continuado, propõe-se a controlar o seu peso. Não julguem ser tarefa fácil, sendo que podem tomar como exemplo, o controlo do peso real, não raras vezes detentor de vontade própria, capaz de contrariar intentos, apenas e só com o ar que se respira. Ainda assim, empenhou-se.

Todos os dias, quando sentia que vida lhe tinha gramas a mais, iniciava um processo de libertação. A primeira coisa da qual se libertava era dos amores amargurados, que ao invés de lhe dourarem a existência, cravaram-na de desassossegos e inquietudes capazes de lhe fazer emergir brotoejas. Calcava-os bem calcados no fundo do peito, e cosia o coração com uma linha invisível mas forte, que durava um dia, mais coisa menos coisa. Vezes havia em que isso chegava, outras, em que muito mais lhe pesava. Pesava-lhe por exemplo uma vida sem cor e sem rumo, a qual nem bem sabia onde esconder, que essa, por muito que a disfarçasse, era dotada de fortaleza e robustez, apresentando a manifesta tendência de emergir no decorrer das horas, ora aqui, ora acolá, normalmente subjugada a alguns episódios que a faziam despertar. O arrumo, por assim dizer, não se efectivava tranquilo como no anterior, pelo que lhe era exigido trabalho extra, como que um novo calcamento, a fim de conseguir levar ao fim a empreitada. Estava cansada.

Houve um dia porém em que se despojou em demasia. Pesava muito, por assim dizer, carecia de libertação verdadeira, e não apenas e só, com um dia ou menos de duração. Arredou muros impostos por uma pele imaginária que lhe cobria o ser, e mandou para fora tudo quanto a perturbava. A tarefa, nem se constituiu fácil, que a carga era tamanha, e nem bem ela sabe, de onde lhe saia tanto desgosto, julgava-se por vezes mísera, e ao invés disso, era um poço sem fim, de vivências e processos, mais ou menos penosos. Na dúvida, saíram todos.

O dia a seguir foi leve. Contudo, uma sensação de estranheza tomou-lhe conta do corpo.

terça-feira, 29 de março de 2011

Das facilidades e de como nem todos podemos ser matemáticos...

Encontro-me por ora debruçada entre duas estruturas. Neurótica e psicopática. Ambas partilham determinados tipos de comportamentos, cada uma se subjuga a um padrão de acção. Lido nos livros, é claro como água. Porém, e na presença de um discurso, deambulo seriamente entre ambas, sabendo que terei de cair para uma. Para inicio de conversa, estou quase no anani, ananão, consciente de que em nada abona para a minha integridade.

E assim perguntou-me ontem, - mas o que te vai fazer pender, se em nada de concreto te agarras? Ao que eu respondi, - que a personalidade é um mundo sem inicio e sem fim, onde o que se procura pode nem se achar, sendo muito mais fácil emergir o que nem se sabe existir. Mas ainda assim, e num trabalho minucioso de quem a ele se dedica, é possível encontrar determinados padrões comuns, onde "encaixamos" pessoas, a fim de ultrapassar comportamentos.

-E esse encaixe é possível? O rigor, onde fica?

-Possível sim, fácil não... E não será o rigor demasiado, quando se fala de emoções?


Pensamentos

Sou da opinião que nos fazem falta, pena tenho, de muitas das vezes se tornarem demasiado tendenciosos, coisa à qual de resto, já me habituei. Pecam na generalidade, ainda que possam ser entendidos sérios nos assuntos que abordam, pela ausência de isenção. Será por certo uma característica muito nossa, que ao assumirmos determinada pele custa-nos larga-la, bem sei que sim, sendo que tal facto escapa para além da igreja, embora lá dentro, o carácter que assume seja demasiado forte e vincado. O Teólogo Pe. Tolentino Mendonça, que ouvi com gosto ontem, num programa que nem me atrai particularmente, despertou-me uma visão interessante do período que se atravessa. Todos nós conhecemos o discurso da moralidade, o facto da pobreza ser precisa ao mundo, entre outras conclusões básicas, das quais no dia a dia não queremos saber. Que nos importa a nós o que aprendemos com a falta, se o que queremos é o excesso? Que nos interessa o que poderemos dai desenvolver, se o que nos apraz é a fartura? Pequenas míseras questões levantadas, para as quais nem obtemos resposta concreta, porque de resto, nem nos apetece em tempos de crise entrar neste tipo de visões. No entanto, e não obstante o carácter severo das questões do País, não obstante o facto de carecermos de soluções sólidas e de medidas direccionadas a uma recuperação que só peca por tardia, necessitamos, enquanto ser social, de discursos do género. Não que nos dêem algo de novo, que as conclusões que reiteram, mais não são do que o seguimento dos ditos básicos que proferimos todos os dias. O que interessa é a saúde... , entre outros. Mas ainda assim, e em caso de real debruce, julgo constituírem um papel fulcral na evolução do Homem, enquanto ser individual e social.

Nenhum mal nos faz enquanto pessoas, se há medida que lutarmos contra um sistema em falência, crescermos com a angústia que isso nos trás. Nada nos impede, enquanto nos esforçamos para avançar, de deitarmos os olhos ao redor, e de apreendermos em consciência o que verdadeiramente nos importa. A avaliação e real consciencialização do que realmente nos faz falta, não deixa de ser um marco importante à nossa evolução enquanto Pessoas. A feição da vida, os percursos apenas e só lineares, mais não fazem do que construir gente pouco preparada para lidar com a adversidade, que mais cedo ou mais tarde, vai acabar por surgir.

Não quero com isto dizer, que deveremos louvar o desemprego, as carências, e todo o arrasto que aqui poderemos trazer dada a condição do Pais, e deixarmo-nos subjugar a isso, como se de um estado supremo se tratasse, porque nos faz prosseguir enquanto gente. Digo apenas e só, que nos deverá servir também para pensar, analisar, ponderar e evoluir também por dentro, que não existe crescimento maior.

Não deixei de apreciar, e ressalvo aqui, outras intervenção no programa. Especialmente porque, e na medida do possível, se ouviram perspectivas não direccionadas somente a pontos de vista políticos.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Omeleta

Tenho momentos em que me apetece comer qualquer coisa específica. É de sempre, não constituindo portanto qualquer tipo de prognóstico, no qual alguma mente fértil possa incorrer. A minha vizinha de baixo, é uma das sérias ofensas à minha capacidade de resistência, dado assaltar-me com verdadeiros acepipes olfactivos, que seguem a ordem natural deste tipo de substâncias, ou seja, sobem. Por vezes, tal como hoje, nem necessitam de tal trajecto, sendo eu em pessoa que lhe passo na porta, e que levanto o nariz, tal e qual cão esfomeado, perante o magnífico cheiro de uma omeleta. E perguntam vós e bem, mas o que raio tem uma omeleta de divinal, e respondo eu, que tem muita coisa, dado constituir um acepipe que se encontra dentro de uma das caixas estranhas da minha existência, a par e passo com a salsicha ( ou será salchicha?), o atum e a cavala enlatada, entre outros, que agora nem me ocorrem. Passo a explicar. Se ingeridos com regularidade, são petiscos capazes de me causar um enjoo monumental, daqueles sérios, banidos a água das pedras ou a Alka Seltzer. Podem ainda não ser comidos com tal frequência, mas sim de uma só vez em quantidade significativa, facto também mais do que suficiente, para me deixar de náusea instalada. No seguimento de qualquer uma das duas, necessito de um considerável período de abstinência, para que a vontade de ingestão me assalte outra vez. Por esta hora, e a ser lida por algum comparsa, por certo alguma ilações serão retiradas, mas enfim, que se divirta a fazê-lo, que eu faço o mesmo vezes sem conta. Mas e então que omeleta, era coisa onde eu já não metia o dente há tempos, pelo que aquele cheiro escada acima, percorreu-me as entranhas estomacais, deixando o meu mísero corpo fraco de tanta gula, coisa que só passou agorinha à pouco, quando ingeri uma doiradinha omeleta, redonda e com molho de tomate. Soube-me a figos.

Conclusões a modos que...

Um qualquer estudo, do qual não vos sei dar a referência, uma vez que foi ouvido em rádio a caminho do trabalho, afirma que os Homens casados duram mais tempo. Contrariamente, para nós Mulheres, a esperança de vida é exactamente igual, independentemente do nosso estado civil. Ou analiso mal, ou isto não condiz com o habitual desejo feminino do casamento, e a tradicional fuga do género masculino do mesmo. O lógico, seriamos nós em fuga, e vós em perseguição, com vista à vossa longevidade. Nem para nós prestamos, poderemos ambos dizer.

Conversas soltas

Poderia eu pegar-lhe no decorrer da noite, que talvez até as palavras me entranhassem mais a fundo, mas que faça eu, se amo a manhã? Ainda que esta, especificamente falando, de hora roubada à minha cama, nem me seja especialmente prazerosa, efeito que se atenua já na próxima, se decorrer na semelhança das outras idênticas. E talvez atiçada por uma noite curta, que uma hora, pode de facto ser muito tempo, em que o sono tarda e a espertina dá de si, deixo surgir a pergunta impossível, que tantas vezes já se me perguntou. Presunção exagerada, poderá ser, que o melhor que fazia, era deixar-me correr nos dias sem a pensar verdadeiramente, pela ausência de resposta onde sempre lhe chego. Precisa de nós para emergir, que fora da gente, enrijece e morre, deixa de ser, que lhe falta o sustento e o rumo. Entranha-se em alguns órgãos do nosso corpo, escolhidos criteriosamente, com especial predilecção para o que nos faz ser, o que bate pela vida, interessante concordância, que também ele, o sentimento, para isso nos desperta. Nem pede albergue, e que bem que assim nos sabe, que vai-se a ver, e já cá está dentro, numa mestria sabida por quem cá anda há muito tempo. Diria até, sem qualquer risco de incorrer em injuria, que se apodera do nosso corpo, como se ele a nós nos deixasse e a ele se entregasse, para seu proveito próprio e abusivo, tamanha fraqueza a nossa. Ele assim o usa que mais lhe faça perante a dádiva, e logo nos leva. Desde os olhos, à boca, aos passos, aos braços, a tudo de nós, direccionado a quem tanto deseja, como se as restantes forças que temos, fossem um resquício de nada.

Ironicamente, e a não tê-lo, batemos em falso e esperámo-lo outra vez. Mais ou menos aninhados, na ânsia de que nos apanhe. E concluo então, apenas e só a nossa estranheza, que muitas das vezes, não lhe aguentamos a presença, para também não lhe suportarmos a ausência.

No final de tudo, apercebi-me de que nem dei nome ao que falo. Disparate o meu, como iriam adivinhar, que trato o amor? A propósito, trato-o por tu, que gosto demais dele para lhe fazer qualquer tipo de cerimónia.

domingo, 27 de março de 2011

Excepções

Nem se usa tal coisa, ou pelo menos eu, nunca tal houvera visto. Não terei por certo o dom da omnipresença, e dado esse facto cruel que consciencializo todos os dias, recheado de inveja pura pela grandeza da divindade que o atinge, poder-se-à concluir que tal ocorrência se dá com frequência, sendo apenas eu e os meus fracos olhos, que não a tínhamos vislumbrado ainda. A cadeia que nem publicito, por disso não necessitar, alberga diariamente centenas de crianças aos berros, que se atropelam por um tabuleiro recheado a gulodices e com um mísero brinquedo à mistura, que vai-se a ver, e é detentor de um papel crucial na marca. No meio de molhos e outras delicias, lambuzam-se deliciados, enquanto ingerem calorias sem fim, e saem felizes, com aquele bocado de plástico ao qual chamam brinquedo, que à venda em qualquer estabelecimento, mofaria com certeza, dada a ausência de potenciais interessados. O de hoje, era uma qualquer carripana, com um crocodilo que salta, mas com jeito, que ao se não, cai antes de saltar, coisa suficiente para enervar uma gente pequena, teimosinha, como só ela sabe ser. Mas o que me saltou aos olhos, nem foram estes cenários, habituais e corriqueiros, iguais aos de sempre. O que me saltou aos olhos, foi um filho cinquentão e barbudo, que acartava tabuleiros de hamburgueres e outras delícias para um casal octogenário ou coisa que o valha, que se encontrava em sossego numa mesa. Na chegada das delícias, e nos olhos dos três, li o que costumo ler nos outros olhos, ou seja, prazer e satisfação. O hamburguer deles não tinha brinquedo, mas sou totalmente a favor de um qualquer chamariz para esta faixa etária se regalar, e quebrar as dietas de colesterol uma vez por semana. Saíram antes de mim. Não antes de se regalarem com um gelado de caramelo quente. Não me fiz rogada, e segui o exemplo, que os mais velhos, são detentores de sapiências dignas de aproveitamento.

Cumplicidades


Leio, como já li tantas vezes, o amor de José e Pilar. Ainda que há distância, sinto-lhe a cumplicidade. A intriga acentua-se, dada a dimensão de ambos, actualmente, nem ser a mesma. E ainda assim, sinto-a lá tal e qual.

sábado, 26 de março de 2011

Comer

Come torradas de pão da terra, e delicia-se nelas. O pão do Alentejo é um pão especial, esburacado e com um forte sabor a fermento, não há outro que lhe chegue perto. Enquanto mastiga, escorrem-lhe da boca fios de manteiga gorda, que não lha poupa, quer lá ela saber, do excesso de gordura que lhe povoa o corpo, isso, são preocupações para o Dr Venceslau, o médico da aldeia, que desde sempre lhe controla os açucares que come, os quilos de gordura que lhe povoam o sangue, os raios de fumo que lhe atravessam os alvéolos. Nem bem percebe tamanha aflição, que vai-se a ver, e Natalina, que morava mesmo ali ao lado, que comia brócolos e peixe cozido ao jantar, e que lanchava chá de cidreira e pão com dentes, deixou-nos há muito por mor de uma paragem de coração, daquelas que nos levam sem cerimónias e sem preparos. Nem se dá por isso e já se foi, puff, uma maravilha. Temos ainda Agostinho, um caso sério de oposição, que começa o dia com o mata bicho, que o termina com um bagaço bem aviado, e que o entremeia com cigarros aos maços e com copos de três, que tudo junto, deveria já constituir sustança capaz de o ter levado para o outro lado há muito, e afinal de contas ainda por cá anda, há anos a fio, a viver às custas do estado.
Nem questiona a veracidade da boa vontade do Dr Venceslau, pura, genuína, e não atida a um qualquer interesse menos nobre, que lhe justificasse a devoção e o zelo. Sempre foi médico dedicado às maleitas da aldeia e redondezas, conhecedor profundo dos podres e das virtudes de cada um. Fossem todas as terras detentoras de um médico assim, e nelas nem haveria cabimento para determinadas desgraças acontecidas por faltas de assistência ou de recursos, que haveriam poucos males, com excepção dos poderosos e galopantes tais como o que levou Natalina, que não se detectassem atempadamente, e para os quais não se delineasse de imediato uma intervenção adequada, que poderia ir da dieta ao comprimido, passando pela injecção, ou até mesmo, em casos mais graves, pela operação. Veio a este mundo para fazer o bem, e que cada um, faça o que lhe está pré destinado, é um percurso divino, uma jigajoga incontrolável a nós, comuns mortais. Ela, por exemplo, não duvida de que veio cá para comer. Conhece muitas outras nobres tarefas atribuídas por quem de direito, e que vão desde a execução exacerbada de determinadas obrigações, passando por rezas, ou ainda por outras dedicações. Muito mais aborrecidas, com toda a certeza.

Hiperactivos e outros que tais

Falou-se da Ritalina, um fármaco milagroso que põe crianças hiperactivas em estado de sítio, ou seja, quietas. Os diagnósticos, são muitas das vezes feitos por queixas de desassossego grave, ausência de concentração e défice de atenção, por pais ou professores que não têm em consciência a gravidade em apelidar comportamentos, de desordens. É hiperactivo, et voilá. Não deixa de resto de ser lugar comum, a vulgaridade em baptizar reacções ou atitudes, que surgem na resposta a uma vivência mais hostil de nomes pomposos, mas despropositados. Manifesta ignorância, muitas das vezes misturada com uma vontade subtil de se fazer reconhecer como sabedor de determinadas terminologias, que deveriam ser utilizadas em critério, por quem de direito, e não usurpadas por leigos que se julgam peritos. Acontece em tanto por aí.
No campo das desordens mentais, a delicadeza com que deveriam tratar-se determinadas patologias, entra em falência todos os dias, facto de fácil constatação, por quem se queira debruçar no assunto. Os pseudo técnicos espalhados pelo mundo, que se julgam no direito de diagnosticar doenças, deixam-me a mim numa perplexidade significativa, pois considero um verdadeiro menosprezo ao trabalho de quem o faz com verdadeiro conhecimento de causa, para além de um desrespeito supremo pelo atingido. Julgar-se-à, quem apregoa doenças aos outros, num patamar superior de existência, onde o conhecimento lhe surge sob alguma dádiva suprema, que atinge apenas e só determinados iluminados? Julgará que a sapiência lhe vem do senso comum? Ou será que usam os termos, na verdadeira ignorância do que dizem, sem sequer atingirem a dimensão do que proferiram? Acredito nesta última. Mas a bem da coerência, agradecia a parcimónia.
Perdoem-me algum excesso nas palavras. De qualquer forma, a crítica, dirige-se apenas e só a quem nela couber.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Fugas


O cabelo é louro claríssimo, segundo consta desde sempre. Lê poesia quando se deita, que diz ela, ter sido a principal responsável pelo seu escape à loucura, que lhe passou bem de perto, noites a fio. Hoje, confidenciou-me que em tempos, se ausentou para terras de Cabo Verde. Ia de férias, a fim de estar com o filho que lá ensinava arte, acabou por ficar um ano. Todos os dias, ia para a praia, caminhava nas areias brancas e banhava-se no mar azul. Em períodos de melancolia, chego a sonhar esta fuga, quando o sossego me falta mais para além do suportável. Julgo-a apenas um devaneio, e vai-se a ver, com o devido jeito, é possível.

quinta-feira, 24 de março de 2011

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Sim, eu gosto de amarelo!

Chapéu

Sempre gostou de chapéus. Molduras que lhe arrumam um rosto cansado pelos dias, que quando terminam, ao invés de a deixarem em sossego, prolongam a sua existência, sendo de uso a sua transição plena e total, de um para o outro, se é que me explico, com todo o percurso necessário para a devida passagem. Desde sempre assim fora, chegou a julgar, numa presunção turvada pelo cansaço, que os dias lhe tinham amor e não queriam perdê-la para um sono profundo, pelo que ali a mantinham, acesa e desperta para tudo quanto lhe quisessem dar. Sempre lhe deram muito, é um facto, que o que nunca lhe faltou, foram pensamentos e palavras, escritas ou lidas, para lhe amenizarem a existência, chegavam já estas por vezes, num chamamento inexplicável, a segurá-la numa vontade própria, ainda que o seu corpo, se tentasse apagar devagarinho, discreto para nem ser visto. Nessas noites tardias, onde o relógio de pêndulo batia as parcas horas, embrulhava-se num xaile azul celeste, e bebericava um chá de sossego, que a tranquilizava além da sua teimosia, pelo que o sono chegava, inundado de vida própria, à qual nunca deu confiança. Chegava-lhe a sua consciente, mantida a preceito nas longas horas que lhe dedicava, pelo que a sua principal tarefa todos os dias quando se permitia acordar, por previamente se ter permitido adormecer, era o esquecimento forçado dos sonhos intrometediços, personagens clandestinas que julgavam mandá-la, numa soberba descabida. Um dia porém, sonhou um sonho demasiado bom, tal e qual a continuidade daqueles dias que queria para sempre. Nele, via pela janela uma árvore que restolhava, enquanto que em si, se repousava um chapéu de seda selvagem, de toque fresco e suave. Da sua boca, saiam palavras sem fim, que inundavam o mundo de dizeres doces e calmos, quase parecendo que dali, poderiam advir um bem magno e urgente. Permitiu-se ficar, e nesse dia não acordou.

quarta-feira, 23 de março de 2011

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Sempre admirei a beleza das mulheres do antigamente. Uma beleza diferente da actual, refinada, mas mais natural. Depois existem os ícones. Que nos deixam, mas que existirão para além da própria vida. Lembra-me a minha avó, em muitos traços que lhe encontro nas fotografias de outrora. Nem propriamente por pura semelhança, mas pela delicadeza dos mesmos.

:)

Enquanto fui despejar o lixo, pequeno fica no carro. Liga o rádio, e transmite-me quando entro:

- Mãe, estão a falar do Sócrates. Se calhar ele vai sair do governo, porque não vai aguentar. Será que ele também está à rasca???

Considerações do dia

Regredindo a processos primários de construção da mente, e admitindo teorias de desenvolvimento emocional afectivo, encontramos desde os primórdios dos nossos dias a necessidade de contenção. A nossa pele serve-nos de limite, deixando-nos a derradeira tarefa de procedermos à divisão exterior/interior, tal e qual como o corpo nos exige. Incompleto, pode dizer-se dele, ingrato até, que nos serve um limite físico óbvio de tão concreto, para nos deixar internamente carentes de um processo coerente de evolução, onde as interacções potenciadoras de bem estar são condições sine qua non, para um desenvolvimento saudável. Não poderia o processo ser mais fácil? Não poderíamos nós evoluir, sem esta dependência exacerbada de quem nos rodeia, que nos deixa subjugados às agruras de um mundo não raras vezes hostil, que nos pode castrar um percurso, que teoricamente, tem tudo para decorrer de forma positiva? E digo isto, porque tudo o que está para além de nós, transcende-nos, o que se traduz num complexo crescimento, aliado a uma perfeita debilidade do nosso sistema, frágil como só ele. Em condições adversas, caminhamos para uma real dependência do nosso interior, único conhecido, quase como se cá dentro, existissem forças de carácter maléfico, de tão dispares do que se aceita socialmente, que nos atormentam e nos deixam num estado de aflição aceso e pungente, que vai-se a ver, e nem apaga sob nossa vontade, fraca coisa essa, que tanto julgamos forte. Em terapia, apelidamos estes extremos estados descompensatórios de nomes diversos, que cuidamos a rogo, que mais fazer, perante a real impotência do verdadeiro interessado? Talvez por isso, e numa ingenuidade latente que ainda me assalta amiúde, incomoda-me o desdém que ainda sinto pelo que fazemos. Mais pontual, menos frequente do que há uns anos, mas ainda assim, patente. Proveniente não raras vezes, de personalidades de carácter extremamente racional e rigoroso, que se esquecem do sentir, e que excluem da verdade, tudo o que não se possa contabilizar. Ainda que convictas, acartam a agrura do que isso mesmo lhes trás, dado que não lhes chega um muito, por precisarem de um quanto. Entendo-as porém. Também a elas, algo faltou.

terça-feira, 22 de março de 2011

Eles/Elas

Elas, ao fim do dia, amontoam-se na calçada da cidade em corridas ou caminhadas, mal se avista um raio de sol. Dão um ar de (des)graça, com uma tez pálida ganha no frio do Inverno, e com um aspecto não raras vezes desleixado. Envergam invariavelmente um fato de treino russo recuperado do fundo do armário, com cheiro a bolas de naftalina. Um must, ao qual dá gosto assistir.
Eles, amontoam-se todo o ano, equilibradamente, dada a continuidade.
Um zero, ganham vocês.

Cuidado com as excessivas concordâncias eventualmente efectuadas. A descrição, ainda que verdadeira, está obviamente caricaturada. É provável a defesa, em caso de ataque.

Estranhas missões

Conceição, viúva há muito, jura-me a pés juntos que o marido lhe dorme debaixo da cama todas as noites. Recuso-me a contraria-la ( e quem sou eu para?), que a seguir esse caminho, entraria de imediato numa categoria pouco abonatória no que respeita à minha sanidade mental, que quem sabe é ela. É ela que o ouve, que o cheira, que o sente. Antes de se acomodar no leito vazio, abre a janela para que tenha entrada, e estende uma coberta debaixo da cama, onde a pobre alma penada se alberga até à manhã seguinte, altura em que parte, vá lá saber-se para onde. Nunca dorme antes da sua chegada, que lhe aparece mirrado de fome, e é de seu bolso que saem nacos de pão seco que lhe aconchegam o estômago, e lhe dão o sossego necessário para que o sono se instale, e lhe permita o descanso.
O destino, poderosa coisa que nem bem destrinçamos se nos quer bem ou se nos quer mal, apanhou-a frágil e submissa, deu-lhe um aperto forte e levou-lhe a fala, descaradamente, sem qualquer aviso prévio, como de resto é desde sempre hábito seu. Poder-lhe-ia ter levado outra coisa, a energia, o movimento, embora esses também lhe fossem preciosos, para zelar com jeito quem tanto estima, mas a voz, a voz, é que não podia de todo ter-lhe tirado. Nem bem a percebo, embora lhe sinta o desassossego da sensação de impotência. Quer encontra-lo, dar-lhe o seu novo paradeiro, e assim se vê, sem força e sem fala, presa num corpo cansado mas ainda preciso, irá o pobre valer-se de quem? Por portas travessas percebi isto que me pedia, e que trata o aviso ao morto, quando bater à janela, do novo destino. Nem me cabe contrariar-lhe a crença. Nem sei se será pecado, se lhe assumir que avisei, apenas e só, para que o silêncio se lhe instale tranquilo. Com sorte, o morto não me falha e descobre-lhe a nova morada.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Primavera

Desde Sábado que se recolheu. Viaja dentro dela, em caminhos estreitos e inacessíveis, despertados por uma lua intensa que viu algures num céu. Podem bater à vontade que não aparece, vai dando um ar de graça, apenas e só quando entende. Há muito que não retirava, e já encontrou coisas sem fim. No primeiro caminho, deu de caras com uma teimosia enfeitada de cor de rosa, quiçá, uma jus à primavera que hoje nos chega. Não raras vezes, quando a prova ou salpica, entra numa tonalidade esverdeada, com mescla de cinzento, tal e qual um corpo ressequido pelos anos, ao invés da cor inicial com que a chama. Pudesse ela banir estas falsidades. Numa vã tentativa, insiste. Nem precisava do rosa, bastava-lhe um qualquer tom doce e neutro, que lhe permitisse enrolar-se e vestir-se nele, mas ainda assim, não conseguiu. Por voltas que desse, na saída, a sua cor insana mantinha-se, deixando-a com um ar de morta viva horripilante, do qual por ora se encontra em fuga. Seguiu já a medo mas sem abrandar, que vai-se a ver e se abrandasse, deixaria escondidos outros amargos tons isentos de vida e de alento, aos quais se entrega sem ver. Deparou-se com o orgulho. Já lhe tinham dito que com ele, os caminhos são turvos, as estradas estreitas e perigosas, esburacadas até, mas até hoje, tinha-lhe gosto. Gostava-o não em exagero, mas sim num encosto ao qual se chegava para assim prosseguir, num caminho de confiança e crença que há muito lhe povoava o corpo. Abeirou-se dele e sentiu-lhe um cheiro fétido, mórbido, numa tez pálida e sem graça, quase como se o tempo, o tivesse envelhecido sem dó nem piedade e o tivesse deixado na beira de um colapso inadiável, de um fim inevitável. A esse, tentou reanimar com todas as suas forças. Precisava dele como do ar que respira, que fazer sem tudo o que sempre lhe deu? Perante este encontro pensou recuar. Nem estava preparada para tamanha viagem, saber-se-ia lá, o que dali adviria, o melhor, em prol do seu bem estar, seria o regresso, e o esquecimento de que lá dentro, existem terrores disfarçados de cores. Esperança-se na mais linda estação do ano. Com sorte, a bendita toma-a no caminho da chegada, e povoa-a de folhas, que a dourem por fora, e talvez por dentro. Se tal não ocorrer, aguarda na beira da estrada que volte. Dizem que é cíclica, e quem sabe um dia a apanha, a enche de flores e a planta num jardim.

domingo, 20 de março de 2011

1,2,3,4...

Ela fez oitenta e quatro e acha que são muitos. Eu, acho que os meus trinta e quatro são muitos mais. Ele faz em breve, contaram-se os meses, não houvessem enganos. Faltam quatro, vamos a ver se lá chega, diz ela a medo. Éramos treze numa mesa, ou melhor em duas, como alguém sabiamente concluiu, coisa que deixou todos, com excepção de uma, muito mais sossegados. Os valores de referência do estado de saúde de alguém, estão perigosamente abaixo, deveriam estar acima de quatro e meio, estão a menos de três e meio, tomam-se duas garrafas de ferro por dia. Eram quatro horas, a hora marcada, e de ti, nada sabia.
Contamos tudo, e dai não fugimos que disso precisamos. Quanto mais não seja, para nos tranquilizarmos numa margem de controlo, que a fugir, nos deixa em ânsia e desassossego. Não contei os doces que comi. Temo que aqui, a contagem detenha um efeito inverso ao pretendido.

Lua

Vi a tal da lua gigantesca que parece que não se via há muito. Estava linda de facto, não me cansei de olhar para ela.

sábado, 19 de março de 2011

...

Tenho uma vontade extrema em entrar onde nem devo. Entro de mansinho, com cuidado, não vá magoar quem me recebe. Dou meia volta, chafurdo onde entendo, e regra geral saio sem ser vista, é já um hábito. No entanto existe espaços mais reservados. Dentro destes, temos dois tipos distintos, entre pequenas outras variações. Os que se reservam propositadamente, julgando assim uma protecção infinita, como se lá, eu não entrasse nunca. E os que por qualquer facto, da ordem da natureza humana, se resguardam para sempre. A estes, tenho um respeito infinito, até porque, maior do que a minha vontade em entrar, será por certo a deles em sair, que nem deverá existir maior prisão do que a que se vive dentro de um corpo calado. Aos outros, lamento. Dizem-me mais na reserva, do que muitos no diálogo. E quanto à minha postura invasiva, perdoem-me, não faço a mal. Sai-me naturalmente, tal e qual como de um padre sai a palavra de Deus, ou de um político uma mentira encardida.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Tarde

A determinação é algo que executamos com orgulho, aquando da perseguição de objectivos. Tenho-lhe um hábito quase esmorecido, morto por assim dizer. Cansa a constância da busca do que tarda em vir. Dizia alguém que muito estimo, que tarde é o que nunca vem. Não partilho. O que vem demasiado tarde, vem tarde demais. Tarde o suficiente para que um considerável número de percas se conte. Tarde, pronto.

Convento fechado

Vi a Maria. Perdida que andou nos terrenos do Mundo, encontrou-se algures, e parece outra. Ambicionou ajudar gente que precisava muito, dedicou-se a um curso na área das Humanidades e enfrentou um chorrilho de jovens sofridos e sabidos, que em três tempos, a enviaram para uma casa de repouso e recuperação. Chorava de dia e de noite, alternando com uns períodos de euforia, quase como se ali, na emoção, se perspectivasse a real mudança do mundo, tal era a força e a presunção. Toda aquela vontade, concentrada dentro de um ser frágil e confuso, deu na loucura, que o embate foi forte, e o corpo não suportou. Não raras vezes, o transbordo é feito da forma inversa, esquecendo o impulso, a coragem, a vocação. Deixa-se entrar a fraqueza, nobre repouso ao qual por vezes recorremos, deixando nós próprios de ser o real suporte, para nos deixarmos à mercê de alguém que nos pegue e nos leve, que disso mesmo precisamos. Aguardamos então que nos organizem os dias, que nos sosseguem, nos curem as feridas e nos escolham caminhos. Quase esquecemos, que um dia, fomos nós a fazê-lo. Nem bem sei por que mãos lhe surgiu o empurrão. Soube-a desde sempre ligada à igreja, às rezas diárias e à missa dos Domingos e dias santos. Aproximou-se dela ainda mais, que como sabeis, não raras vezes, é ela que substitui mãos que não surgem, colos que não existem, orientações que atrasam na chegada. Algo a chamou de lá bem de dentro. Não um algo qualquer, ligado a alguma congregação pacífica, das que tratam velhinhos, ou das que curam mazelas, mas algo mais forte, onde o silêncio impera, em grande parte dos dias. Julgo ter sido pelo espaço. Ao abrigo dos muros altos e densos, pouco chega para além do sol. Os comeres, beberes e outros bens de primeira necessidade, entram clandestinos pela porta de uma cozinha escondida, longe dos olhos de quem ora. Nos jardins, crescem flores coloridas, hortas viçosas, e canteiros de arbustos desenhados a preceito, por alguma que se incumba de tão nobre tarefa. O dia começa cedo, na capela, e acaba tarde, exactamente no mesmo sítio, com inúmeras passagens pelo meio, com o fim de sempre, rezar pelas desgraças do mundo, para dentro, em silêncio. Na envolta, os muros dão-lhe o colo e contêm-lhe a alma.

quinta-feira, 17 de março de 2011

Questões a modos que, ou de como os bolos da caixa tendem a desaparecer...

-Mãããeee, quero uma gulodice...
-És um guloso do pior tu...
-Pois sou, com ar resignado. Isso é um defeito não é???

Ontem, hoje, amanhã, quiçá, depois...

Era por estes dias o seu aniversário. A data precisa já esqueci, mas lembro-me dela, como esquecê-la?

E este fica assim sem cor...

O pão

A envolta não entende o prazer que lhe dá as segundas feiras. É nelas, bem cedo, que o amassa. A farinha, a água, o fermento, uma pitada de sal... Junta tudo no alguidar de barro envernizado, e procede com delicadeza à feitura do processo, com o preceito vindo de há muito, preceito esse, com tendência a esmorecer, pudesse ela ensina-lo, houvesse alguém nas redondezas capaz de lhe guardar a sabedoria, e já ela a teria passado há muito, que se há coisa de que não gosta, é de levar para a cova tal saber. São Vicente te crescente, São João te ponha a mão, Deus dê saúde a quem comer este pão...
Após a bênção pedida aos seres divinos, deixa-se repousar. Resguarda-se a massa do frio e do vento, para que cresça sob as mãos do Senhor e de outros Santos que lhe peguem por bem, que enquanto isso, é hora de preparar o forno, velho e chamuscado a preto, feito há muito por seu marido, mestre na área deste saberes. A pá, preciosa ajuda, trabalha afincadamente a envolta que há-de cozer a massa, entretanto quase leveda. Antes porém, é necessário reservar uma pouca, a fim de constituir fermento para a próxima. Começa o processo. Moldam-se os pães com a ajuda da farinha, enfornam-se e aguarda-se, numa paciência digna de quem já nada espera deste mundo. Aqui, chego a perder-me. Bem sei que a envolvência da vida, não nos permite esta ausência das hora, mas invejo-a ao infinito. Adiante. Criticam-lhe esta devoção. Este esforço que atribuem penoso, por algo que ela faz com uma dedicação sem limites. O ar franzino e enrugado, as vestes pretas, o xaile apertado, não ajudam. Está cansada, precisa de sossego, dizem-lhe vozes. Não percebem, pobres delas, que a feitura e distribuição do pão que lhe nasce das mãos a gosto, é uma das coisas que lhe dá vida. Deixem-na fazer, e deixem-na dar, e é tudo o que lhes pede. Gosta ainda de ver, quem se delicia a comê-lo.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Adiar/não adiar ( e daqui para a frente tipo o jogo do malmequer)...

Ofereceram-me uma caixa com bolos de pastelaria. Queques, pasteis de nata, bolas de Berlim. De momento, repousam na caixa semi fechada, bem defronte a mim. Temo, que o estado de repouso deles se altere. Sou capaz de acordar atrás, se vir uma ponta da bola a dar um ar de graça. Se ambos sobrevivermos ao dia, temo-lhes o destino nocturno. Logo, e à giza de conclusão, se calhar eliminamos o esforço hérculeo, e acordamos já.

As irmãs

Sente-a sempre como uma casa estranha a si. As casas não são todas iguais, bem sabemos, que cada uma, alberga usos e costumes abrangentes, inerentes à sociedade envolvente, e outros tantos ou mais ainda, individuais, inerentes àquela família. Vinham do mesmo berço, cresceram ambas na falta e na fome própria dos anos cinquenta, onde um ovo se dividia em dois, a carne vinha ao Domingo, e o queijo fresco se comia com um travo a azedo forte, juntamente com uma casca de pão seco ao jantar. Valia a sopa, feita com a batata da horta, e de quando em vez, com o feijão seco, que chegava por si só. Era forte e robusta, tal e qual como se quer. A ela e às gentes. Na hora de se constituir família, cada uma seguiu seu percurso, escolhido a coração ou a jeito, nem bem importa ao caso, que quando trata a escolhas, o motivo, o móbil interno de cada um, possui a legitimidade própria da liberdade, condição com a qual nascemos, e sob a qual deveremos crescer e viver. Deixo de fora o morrer, propositadamente, patamar onde a liberdade se perde algures, por a nós não pertencer, que a pertencer, deixar-nos-ia subjugados a um destino tenebroso, com escolha de hora, método e local de execução, coisa que se dispensa, a bem dizer da verdade. E é numa das escolhas de uma, que a outra, nem tem cabimento. A analisarmos as raízes familiares, a impormos a coerência que deveria existir para todo o sempre, no coração de duas irmãs, encontramos uma divergência imposta pelos limites da vida, com uma imponência tal, que não deixa espaço para a calma da fraternidade, ter poiso e assento. Tudo porque uma, estranha o sítio da outra, embora o inverso nem se verifique. Estranha-lhe o cheiro, acre e forte, ao invés de neutro; estranha-lhe o ruído, intenso e imponente, ao invés de ausente; estranha-lhe a cor, negra e encardida, ao invés de clara e limpa. Estanha-lhe ainda os hábitos, que quase parecem, nem por lá existir, atestando este facto, a total desarmonia de membros, de encontros, de partilhas. E numa busca incessante pelo que em tempos já houve, a procura da irmã que lhe falta surge por vezes acesa. E é aí, quando o coração a apanha em alguma curva do tempo, em ausência de tudo o que a castra ao infinito, que de novo se encontram. Nesses exactos momentos, revivem tudo outra vez. Recuam ambas ao partir do ovo, à divisão do queijo, à partilha da cama e da janela, que de noite, se carregava de estrelas a formarem estranhas constelações. Por vezes, uma caía, como que para lhes dizer, que mesmo na perfeição do universo, nem tudo se sustêm da mesma forma.

Apartes

- Mãaaaaaae, joga Uno comigo...
- Tá bem, mas deixas a mãe ouvir isto primeiro...
- Queres ouvir? Esse é o José Socates...
- Sim filho, é importante ouvirmos o que ele tem para nos dizer...
- Não me parece nada que o que ele diz tenha assim tanta importância, mas pronto...

terça-feira, 15 de março de 2011

A gaveta

É naquela gaveta, que se sente Ser. No restante do tempo, entre panelas, vassouras, camas e mesinhas de cabeceira, entre um pano que limpa, uma colher que mexe, e outros utensílios diversos, que o que não lhe falta em casa são um ror deles, cada um com sua serventia, sente-se apenas e só pequenina. Não que a grandeza não lhe entre nos actos, que nesta vida, se há capacidade que aprecia em si desde sempre, é a de conseguir incutir alma naquilo que faz. Nem por isso lhe agrada quem tudo faz em águas mornas, só por fazer, sem aí incutir qualquer tipo de cunho seu, qualquer sal que tempere a existência. Fartou-se disso em pequena. Sua mãe, que Deus tem, apenas assim girava os seus dias, que começavam e acabavam exactamente na mesma hora, sendo que no intervalo, na vigília portanto, o que fazia obedecia a um critério rigoroso e inflexível, desde o pão que se comprava ao padeiro às oito em ponto, passando pelo café que pingava da cafeteira às oito e trinta, à manteiga que se barrava no pão cinco minutos depois, e por aí fora, até que se findava o dia, chegava a noite, e a cama se abria para novo descanso. Todas as tarefas, fossem elas quais fossem, saiam-lhe dos dedos com um ar de apatia intenso, quase como se de dentro dela, nada houvesse para sair, e apenas e só o vazio, lhe pudesse escorrer dos gestos. Diz que foi assim desde sempre, ao que se falava, que talvez a maternidade pusesse cobro, porém, nada disso aconteceu. Das duas, ela foi primeira, logo, seria de esperar que a novidade, junto com o calor de ter um filho nos braços, pudessem banir aquele estado de vez, mas o que aconteceu foi o inesperado. Os cuidados surgiram conforme o hábito, mornos e ritmados, sem qualquer expressão de emoção. Julga que talvez tenha sido por isso, que lhe tenha surgido o inverso, ou seja, a graça em tudo o que faz, seja tarefa digna de regozijo, seja uma qualquer obrigação. Ainda assim, por vezes, a alma nem sequer lhe chega, e a vida que incute nos dias mais claros, parece turvada nos escuros, que teimam em acutilar-lhe a existência. É pricipalmente nesses, que recorre à gaveta já velhinha, e cresce outra vez. Quando se enfeita com colares de pérolas gastas pelo tempo, brincos de oiro amarelo e anéis de pedras coloridas.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Dos doces reencontros

Lá do cimo avista-se tudo. É um local privilegiado da aldeia, de onde a vista nos leva até a um horizonte longínquo, desde que alcançável pelo limite dos nossos olhos, ou pelas imposições dos altos montes que se insurgem. Diz quem sabe, que num deles, existe uma capela com uma Santa, que se deve alumiar dia e noite, sob pena da pobre adormecer no breu, e deixar de velar pelas almas do mundo, que tanto precisam. Nunca minha avó lhe faltou com o azeite prometido, que se por azar houvesse, em que a Santa perdesse a luz, nunca, por nunca ser, seria tal agoiro fruto de suas mãos. A fechar os olhos, e a deixar desamparo, que se virasse pra outros, que a si, já tanto mal a vida trouxera, que de mais nenhum precisava. Avista-se ainda o cemitério, no alto da encosta defronte, com ciprestes altos e pontiagudos, exactamente os mesmos que povoam o meu jardim. Não concordo que atribuam os ciprestes aos cemitérios, como se só aí pudessem viver, e em mais local algum pudessem crescer livres e altos, sem o cheiro dos mortos e da podridão. Podem. O meu jardim assim o prova. Lá bem no alto, e dada a envolta que circunda o depósito, ser um esconderijo ideal para quem do mundo se resguarda, casais de namorados encostam-se, num encosto livre e despretensioso, daqueles encostos de cor, que cheiram a flores e a beijos. Dizem que com o tempo, os encostos mudam a tonalidade e o aroma, mas eu, não acredito nisso, julgo serem palavras perdidas de línguas amargas, que ao invés de se adocicarem com a envolta, experimentam outras estranhas sensações. Um desperdício, tenho a dizer, que se há coisa que temos sempre à mão, é um pincel ou um rebuçado, que nos permite tingir o que nos apetece, da cor e sabor que nos aprouver. Eu, gosto de rosa, e de mentol. É também de lá, do depósito, que se avista a casa dela. Uma menina, não mais do que isso, que perdi em tempos para agora reencontrar. Disse-me um dia, numa perfeita desarmonia com tudo o que eu conhecia, que tudo o que era dela, era meu também, e que todos os seus brinquedos, também podiam ser meus. Os meus ouvidos de criança sorriram dentro de mim.

domingo, 13 de março de 2011

Desencontros

Os afectos que nos dão é assim uma coisa que por vezes queremos, outras vezes não. E quando nos dão e nós queremos, essas dádivas assumem-se como que um supremo de felicidade, um apogeu de sentimentos prazerosos, capazes de nos aligeirar a existência e torna-la doce e subtil. Vezes há, em que nos dão exactamente igual, o que nem estamos predispostos a receber. Porque não nos apetece, porque estamos cansados, tristes, o que for. E recebemos friamente, ao longe, quase que sem receber. Chama-se a isto desencontros, e a vida está cheia deles.

Orgulhos com dedos meus...

Conversa entre o G, e o meu filho...
G - Já não sou do Sporting...
J - Porquê?
G -Porque ele anda sempre a perder...
J, indignado - E tu achas isso bem? Achas que é assim que se escolhe uma equipa?
G - Não é???
J - Não!!! Quando somos de uma equipa, somos sempre. Não interessa se ganha ou se não ganha, interessa que é a nossa equipa. Percebes-te???
G - Pois...

(O grande erro por mim cometido, directamente relacionado com o assunto, foi o parco investimento na introdução da equipa, em tempos já idos. Um adepto com esta intensidade, deveria ser do Benfica.)

Lúcia

Os olhos eram de um azul difícil de definir. Grandes, esbugalhados, quase parecia, que em algum estrafego mais forte, lhe poderiam saltar da órbita, deixando-a cega para o mundo.
Ela dedicava-se. A ele, e a eles, descendência vinda por vontade de ambos, antes de algo forte lho ter roubado de si. Eram eles ainda pequenos.
Da primeira vez, encontrava-se no quarto de banho, exterior à casa, quando o sente chegar em cambaleio. Larga a pequena numa cadeira de madeira carunchosa, para lhe poder prestar socorro, passara mal, só podia. A pequena, assustada, grita de lá de dentro, de estranha que estava para o que afinal, dali em diante, passaria a ser parte dos dias. O cheiro que lhe vinha, já não o lembrava, mas num ápice, lhe veio à memória. Não percebe como o podia ter esquecido. Não tinha, constatou afinal, que os terrenos internos nem se efectivam esquecidos, adormecem, isso sim, e nem sempre. O tempo recuou-lhe naquela hora para um mundo vivido, um mundo onde entrou mal chegada, e onde cresceu, na sombra de gritos abafados, e de tombos vencidos no calor da discussão. E era exactamente assim que cheiravam.
Naquele mesmo dia os olhos recuaram. Parecera que naquele instante, algo de dentro a sugou com toda a força, como que numa auto protecção imposta por um corpo fraco, que vai-se a ver, e de pouco ou nada lhe valia, perante a força com a qual lutava. O cheiro, forte também ele, não mais a deixou. Anos a fio, viveu-lhe na sombra, deixando que aquele sentido a consumisse aos bocadinhos, em cada palavra, em cada encosto, em cada briga. E teria ela esquecido, que outros cheiros haviam?
Um dia, acordou e foi. Não a soube tempos longos, que a ida foi longínqua, ou não fosse o odor, não deixa-la de vez. Soube-a entretanto. Está velha, mantém os olhos lá dentro de um rosto mirrado e entristecido pelo tempo. Os cheiros estão limpos, cheira-lhe até a Primavera. Podem mudar-se, afinal.

sábado, 12 de março de 2011

Arrependimentos

Hoje, num dos cinco sentidos de Carla Hilário Quevedo, encontro uma referência a um artigo do New York Times, sobre Christian Longo, um assassino, que matou a mulher e três filhos, e que luta por poder doar os seus órgãos após a pena morte. Estranha atitude, que me suscita inúmeros pensamentos. Um assassino, incluído certamente numa estrutura de desorganização ao nível da psicopatia, encontra-se num patamar de evolução precoce, tendo em conta as teorias de evolução psicológica que se debruçam sobre estes assuntos. Não deixa de ser bizarra, esta súbita vontade de fazer o bem. Precisará ele de se sentir benfeitor? Necessitará o seu eu mais primário de um perdão impossível, que ele ambiciona levar consigo, se por cá deixar algo de si, em prol do mundo? O que terá feito esta mudança de padrão de acção? Terá sido uma evolução? Ou um receio exacerbado do divino castigo, que poderá assim, tornar-se mais brando, ao invés de lhe ceifar a existência eterna em terrenos do paraíso? Será apenas e só isso mesmo, ou um verdadeiro arrependimento? Ou ainda, nada disso, constituindo uma mera forma de se tornar visível, devido à estranheza da conduta, ou ao facto de necessitar de adequação ao processo da morte, uma vez que as injecções letais, tal como refere o artigo, destruiriam tudo, e impossibilitariam a doação.
E por fim, deverá a sociedade permitir a um condenado assassino, ilibar a consciência perante o mundo, que no fundo, e numa análise muito primária, parece-me ser o móbil do que ambiciona? Julgo que sim, modestamente. Não se recuperam as que ele aniquilou, recuperar-se-ão algumas outras, logo, o ganho existe. O sentimento de algum sossego, ainda ilusório, que lhe possa acompanhar a partida, nem me incomoda. Todos deveríamos partir daqui sossegados.

À rasca, ou assim...

A vida é feita de escolhas. Já escolhi mal uma porção delas, outras tantas, mais coisa, menos coisa, escolhi bem. Uma das minhas más escolhas, entre outras que nem vêm por ora ao caso, foi a profissão. E digo isto de coração, embora vos confesse, numa incongruência digna de mim mesma, que é, sem qualquer sombra de dúvida, a melhor do mundo. Gosto dela como de poucas outras coisas, acreditem. Ajudar gente que precisa, é o cliché que lhe dá o mote, embora nem seja esse o mais forte motivo, que de boa samaritana, sou capaz de ter o nome às vezes, quando alguém inundado de boa vontade mo dá, para num ápice se arrepender de tal baptismo me ter dado. O verdadeiro, o mais palpável, são as mais valias que me dá enquanto pessoa. Depois, e no seguimento do anterior, equipara-se a um daqueles amores que nem existem ( ou será que existem? Gosto destas questões...), em que a cada dia se descobre uma nova coisa, em que a cada passo, se detecta um novo canto, em que a cada mente, se encontra um novo ser. Sem qualquer desprestígio por outras mais concretas, julgo não restarem dúvidas, de que na minha, monotonia, é fardo que nem tem assento, e se assentar, pontualmente, de quando em vez, é coisa para num instante dissipar.
Ainda assim, e numa clara homenagem ao dia, em que gente se manifesta por direitos, gente que se diz à rasca e a qual eu creio, que pelo menos em grande parte, o esteja realmente, eu deveria por ora estar em manifesto. Ora senão, vejamos; se tenho a sorte de ter um trabalho? Sim, tenho. E tenho o azar de ser mal paga pelo que faço? Não haja dúvida, e sou capaz de mal tratar seriamente quem ouse dizer o contrário, com maus tratos severos, dignos de requintes malvados, para que se entenda a dimensão. O País dá-me condições para evoluir? Algumas, desde que eu tenha no bolso o dinheiro para pagar a evolução a preço justo, ou seja, muito elevado, totalmente condizente com o meu salário. Se há quem esteja pior? Sem dúvida, tenho disso a consciência. Se há quem podia lutar mais? Há. Mas se não querem, a isso não são obrigados. Se esses são menos dignos? Não, em termos de direitos somos todos iguais. Se quem mais se esforça, deveria ser recompensado? Pois, agora o assunto pia fino. Cheguei exactamente onde queria, a justiça, sendo aqui, que para mim, reside uma das grandes lacunas da nossa sociedade, sendo que muitas das vezes se desvalorizam trabalhos merecidos, feitos a custo de esforço por quem a eles se dedica, o que nos deixa ao fim de uns anos, com um sentimento de inércia difícil de controlar, por sentirmos que quer nos esforcemos, quer não, quer estudemos, quer não, quer caminhemos, quer vivamos à pendura do que quer que seja, o resultado é pouco diferente. Independentemente do que me digam, a mim, faz-me todo o sentido que um neuro cirurgião, que estudou e empenhou grande parte da sua vida, ganhe muito dinheiro, porque também se gastou, em papel, e em esforço. Como me faz sentido, seguindo a linha de raciocínio, todo o seguimento dai para a frente, de acordo com os mesmos princípios. São todos dignos, é certo. Mas todos diferentes em diversas dimensões, que vão desde o caminho que se trilhou, à responsabilidade do que se faz. Um mínimo decente, deveria ser exigível, sem dúvida, coisa que ainda assim, me parece quase inatingível.
Eu, por cá, já trilhei qualquer coisita. Mais do que muitos, menos do que muitos mais. E continuo a trilhar, quer isso me valha, quer não me valha, que não sou propriamente da geração do encosto ( existirá também esta ??). Vale-me sempre, enquanto pessoa, ainda que pouco me valha à carteira. Quanto a estar ou não à rasca, tenho dias. De resto, esta coisa do à rasca, nem é termo que me seduza. Lembra-me sempre um outro tipo de aflições.

sexta-feira, 11 de março de 2011

Questões

Hoje, assalto-me a mim mesma com elas. Imensas.
Tremerá a terra, em sinal de instabilidade ou desconforto?
Onde iremos parar, tendo em conta as diversas medidas austeras que nos impõem?
Estarei eu sã, ou já num qualquer estado de semi insanidade, quando me vejo a contabilizar pormenores que nem sabia que existiam, como os quilómetros que faço até ao local de trabalho, entre outros, pesquisando alternativas?
Será tudo isto fruto da normalidade e do meu pensamento que não sossega, ou reflectirá, em vertentes diversas, sinais de instabilidade suprema?

Sobras

Na pasta por detrás de mim repousam inúmeros textos. Melanie Klein, Maria Rita Mendes Leal, Quintino Aires, Fátima Andersen. Nem bem entendo os meus olhos, que num ápice fecham, quando no calor da noite, lhes dou atenção. Preciso, com urgência, de dias maiores. Ou então, de um maior cuidado com o o que lhes ponho dentro. Não raras vezes, transbordam coisas verdadeiramente importantes.

Compras

Na caixa do supermercado, nasciam pessoas. Um senhor, de gabardina cinzenta e ar altivo, constatou o facto com astúcia, e bradou bem alto que era preciso pôr mais caixas a trabalhar, que o que não falta é gente precisada, e a hora era de ponta, sendo necessário escoar. Ainda por cima, ele tinha pressa e uma mãe em casa à sua espera. Ninguém o parecia ouvir, devido à descrição própria da boa educação, e ele gritou bem alto, num contraste notório, não fosse passar verdadeiramente despercebido. Na minha azáfama de fim de dia, entre pacotes que teimei comprar à quinta, para não ter voltar ao Sábado, às verdadeiras enchentes de gente, nem detecto que estou numa caixa prioritária. Nada de muito grave em mim, que nos últimos dias já perdi uma embalagem de comprimidos, já confundi empresas, já me esqueci onde estacionei. Ouço um choro intenso ao perto, já sentido à muito nos corredores. Ecoam os choros de recem nascidos, tenho-lhe umas estranhas saudades indefinidas, que deambulam intermitentes, nuns pensamentos que nem vêm ao caso. Dou a prioridade devida. A senhora, de ar triste e cansado, segura dois. Um na mão, outro no colo, o tal que chora. No carrinho vermelho equipado com um assento desperdiçado, daqueles pequenos onde pouco cabe, o espaço sobrava. Encontravam-se apenas duas paletes de cerveja mini, que ela paga com duas notas de dez, que consegue retirar da sua carteira suja e encolhida, que numa primeira vista, nada parecia albergar. Eu própria, se não visse, a juraria vazia. A seguir sou eu. Um segurança insiste em arrumar-me as compras em sacos já devidamente preparados para o efeito. Mistura-me iogurtes magros com pão acabado de cozer. Pensei calar-me, não fosse confundida com o Senhor da gabardina, mas foi-me impossível. Pedi-lhe, delicadamente, que me deixasse ser eu a dividir as minhas compras. Insistiu que não, e retirou-me de lá o pão, sem qualquer tipo de especificação da minha parte. A seguir, olha-me sorridente, enquanto junta às barras de cereais um gelado Häagen Dazs. Doce de leite, claro. Paguei e vim embora.

quinta-feira, 10 de março de 2011

...


Ninguém vê, mas por cá suspira-se. Uma, e outra vez...

Das lutas


O festival da Eurovisão, é algo que me causa comichões. Não umas quaisquer desenxabidas, sem sal ou intensidade, mas umas sérias, dignas de Atarax, que vai-se a ver, e actua também no relaxe, um mimo, que todos nós de quando em vez necessitamos. Diz que foi algures no fim de semana, que uns tais Homens da Luta, ganharam o nosso evento, pelo que irão rumar em representação do País, no certame Europeu. Nem me ocorre criticar ou elogiar, que de resto, e pegando numa qualquer antiga concorrente, desde a que pegava e trincava e metia na cesta, a outras do género que nem bem lembro, tal o supremo interesse que me suscitaram, poderemos de imediato constatar, que qualidade, é coisa que por norma nem figura por ali, pelo que o que importa, é a inovação. E aí, não tenhamos dúvidas, ela está lá. Ao nível de um Tino no País, ou de um Tiririca transatlântico, embora numa outra vertente, os Homens da Luta são uma inovação do caneco, porque fazem a diferença. Se são ridículos, eh pá, pois. Patetas, aaahhhhh, deixa ver... Que não se adequam, digamos que, enfim...

Que os nossos problemas assim não se resolvem, todos sabemos. Que ridicularizar um País que necessita de revigoro e não de chacota, não nos é propriamente favorável, também me parece real, pelo que nem posso contestar quem defenda, tais posições. Mas ainda assim, enquanto se intervém caricaturando, anima-se a malta, que precisa de sorrir. Maior mossa, não me parece que façam. Um bem hajam a eles então. E que lutem, que nós, todos os dias, homenageamos. Que mais remédio temos.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Hábitos

Todos detectaram a minha longa ausência de três dias. O meu filho, hoje ao almoço, arreliou-se porque nem sequer o chamei, e ligou-me de volta. Eram sete e meia da manhã, quando o meu telefone tocou. Ainda não concluí, se todas estas reacções, foram real falta, ou apenas estranheza. O hábito turva a existência.

Laurinda

Às vezes, chegamos a admitir um fim conhecido há muito, que tentamos arrumar em local inacessível, quase esperando, que tal arrumo nos dê o sossego necessário para que os dias corram, uns atrás dos outros. Ela sentia-o já perto. Há muito, não de agora, embora por ora, a força implícita nos gestos dos dias, a deixem com uma clareza tal, que por muito que tente esconder os sinais no fundo da alma, a luz emanada é de tal ordem, que lhe sai de qualquer fresta, sejam olhos, ouvidos, poros, tudo. Numa desordem interna de meter dó, tenta a todo o custo travar esta força que teima em sacudi-la, pobre de si, que quase parece, que a maldita não percebe que lhe perturba a existência, e que bem podia dar-lhe sossego, para que conseguisse continuar a cruzar o tempo sem aflições, bem o merece, e tanto tem lutado por isso. Nem bem lhe importa onde ele pernoita. Onde ele passeia, por onde ele se deita, perturba-a sim, o desleixo dado aos filhos e à casa, que se tempos houve, em que tal não acontecia, em que o cuidado de sua excelência se efectivava sério nesse campo, hoje, já nada disso acontece, que com tudo lhe falta, ainda para além da companhia. Bem sabe ser esta a lei da vida, que se no começo, tudo se faz com atento e cuidado, com o passar do tempo, o hábito e a continuação, tudo se desleixa, deixando-se a descoberto o que tanto se escondia, dando-se quase propositadamente a conhecer o que tanto se disfarçava, quanto mais não seja, porque o respeito já se foi há muito, e a necessidade intrínseca de magoar quem não nos fez feliz, leva-nos por sinuosos caminhos. Julgo que muitas das vezes, inconscientes.
Olho-a de soslaio, e detecto-lhe nos sulcos da cara, uma tristeza sem fim. São milhares, desde a testa, à boca, às maças do rosto, que de tão secas, amarelaram e encolheram. Nem propriamente pelo fracasso da vida, mas pela ausência de descanso. Pudesse ele ao menos dar-lho, e manter discretamente a vida de sempre. Ou pudesse ela arrumar-se lá dentro, de forma a não ver o que lhe salta para os olhos. Não precisava de mais nada para ser quase feliz.

terça-feira, 8 de março de 2011

Conclusões básicas

- Sabes que dia é hoje querido?
- Sim. Dia de Carnaval.
- E outro, também...
- Qual?
- Dia Internacional da Mulher!
- Não sabia... Porque é que existe este dia?
- É uma comemoração, tal como outros que existem, e realça os direitos das Mulheres, em diversas vertentes...
- Hum... E dia do Homem, quando é???

Do respeito


No seguimento do que tanto falo, concluo o de sempre. Subestimam-nas (nos), muitas das vezes, como se de nada valessem. Esquecem-se, que sem elas, o mundo seria um local impossível, recheado de emoções unas, sem complementaridade. Seria necessária uma outra forma de progressão, dado que sem a harmonia da natureza, num ápice, se chegaria à condenação do fim. Melhoras, existiram, sem dúvida. Ainda assim, e principalmente se nos retirarmos a determinadas culturas, continuamos a encontra-las subjugadas, oprimidas, anuladas. Poderia eu encontrar razões, se elas houvessem, que justificassem tais caminhos. Poderia eu ser complacente com tais ditames, se eles fizessem sentido, mas tal não me é possível, dada a ausência de veracidade em tais factos.
Plenitude, seria a compreensão da complementaridade. A aceitação inequívoca, de tão claramente se ver, de que se num lado existe uma força, do outro, existe outra, que se de um lado existe a sensibilidade, do outro, existe a resistência, que se de um lado se ampara, do outro se segura. Plenitude, seria ainda, um caminho de respeito por tais diferenças, ao invés de uma luta incessante e descabida por igualdades impossíveis e exageradas, quando a única igualdade ambicionada, deveria ser a do respeito, onde caberiam aposteriori todas as outras efectivamente necessárias. Cabe a todos o caminho da mudança. A nós, Mulheres, também.

segunda-feira, 7 de março de 2011

Da dúvida

Tratou alguns que envergavam um fato branco de bolas pretas. Eram dálmatas, passaram por vacas. Escuso-me a estes riscos. Não houve qualquer dúvida, de que eu era bruxa.

domingo, 6 de março de 2011

Divagações


Olho a envolta e quase admito a harmonia, podendo salpicar de paragens o meu caminho, num embalo de berço, num beijo doce, num afago à cara de um velho. Meros exemplos, bem sei, para um mundo que se recheia destes mas também dos demais, quase parecendo, que nada o satisfaz, que nada lhe chega, que nada o preenche, numa sofreguidão descabida de tão ambiciosa, quando no fundo, ambicionamos, nem bem sei o quê. Prossigo, e ainda que admitindo as consideráveis hipóteses de respeito e compreensão, chego, inevitavelmente, aos meandros opostos. Nem necessito de grandes divagações para compreender os mecanismos, que basta debruçar-me nos interesses, nas vontades materiais do Homem, para compreender e justificar todas as injustiças terrenas, todas as atitudes menos nobres, todos os actos insanos. Ainda assim, não deixa de me intrigar esta extrema ignorância, pela lonjura em que nos coloca, face ao que verdadeiramente nos interessa.
Pegando nas diversas teorias desenvolvimentistas, verificamos um, entre outros traços comuns, situado na interacção, na partilha, na comunicação. Admitindo o interior como parte integrante no processo, não podemos porém centrar aí os nossos olhos, ou pelo menos, aí fechá-los, que é mais do que certo, sabido e comprovado, que desde a nascença até à morte, o nosso caminho se contrói em partilha, numa dádiva e num recebimento constante, num agora tu, agora eu, que nos permite a organização interna-externa, de forma harmoniosa e coerente. Que nos permite sermos Pessoas. E agora pergunto, precisamos nós de nos tornarmos indignos desse tão fácil caminho, entrando muitas das vezes, num vulgar percurso sem final à vista, admitindo aqui, que o único fim plausível, seria a nobreza de nos constituirmos Gente, em prol de interesses menos nobres, que nos toldam a existência? Ganharemos nós novas sensações, que nos transportam a outros patamares, superiores aos sentidos quando mantemos a pureza de sentimentos, o respeito ao próximo e a nós mesmos? Que procuramos, quando nos esquecemos que o mundo é um local habitável por todos os que cá chegaram, existência que tentamos manipular de forma severa e egoísta, com vista a um reinado de interesses descabidos e vazios de conteúdo? Não nos faltará uma consciência social, capaz de nos reger em prol de algum sossego, só possível passando pela aceitação da vida tal e qual ela é, num respeito ao que verdadeiramente interessa? Não teremos nós capacidades de mais, quando no fundo, consciencializamos esta realidade todos os dias, se nela pensarmos?
Nem me surgem grandes dúvidas, de que este é um caminho urgente, que ironicamente, teima em começar. Necessitaremos, quiçá, de um caos sociológico, idêntico a outros já vividos. Não deveríamos precisar de tanto.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Fusões


Ela passeava-se no jardim de bancos lilases. Um jardim frio e selvagem, pouco povoado, cortado apenas por alguns velhos que se passeiam a custo, numa réstia de passos de vida. As palmeiras, altas e curvadas, dão uma sombra húmida e gélida a que delas se aproxima, quase parecendo, dada a crueza que as envolve, que o que procuram é a solidão sem fim, a ausência de gentes por perto, que mal se sente uma brisa de vento, e é ouvi-las balançar fortemente, com um entoar rude a ameaçador, capaz de assustar qualquer alma corajosa que lhes abeire a existência. As rosas, de várias cores e espécies, são mirradas e encolhidas, denunciando o destrato de que são alvo, naquele jardim quase deserto. Nenhuma bela flor merece tal desprezo.
Nem bem sabia ao certo o que a cativava ali, se o canto dos pássaros, se o restolhar dos ramos, se a corrida do rio. Deveria ser isso, a corrida do rio, que se há coisa que desde sempre a fascinou, com um fascínio digno de referência, e não uma mera atracção, pela magnitude com que se insurge, é a água. Já chegou em tempos idos, a debruçar-se seriamente sobre tal coisa, a fim de compreender a adição sentida, mas dada a ausência de justificações plausíveis, que não envolvessem reencarnações e outras teorias esotéricas, arrumou o assunto. Aproveita o prazer que lhe dá, apenas e só. Como de resto, aliás, faz em tanto na sua vida, que já há muito se esqueceu de entender tudo o que lhe acontece. Não por falta de capacidades de análise critica ou analítica, nem por falta de curiosidade sobre determinados fenómenos, mas apenas porque tanto lhe soa a estranho, que o único caminho capaz de lhe manter a sanidade, é a experimentação do que lhe apraz experimentar, sem necessidade de compreensões.
De repente, vê um pássaro cor de laranja. Anda cá passarinho, anda, diz-lhe em tom doce e pausado, esperando o óbvio, que consistiria na fuga. Nada disso se deu, continuando o mesmo num perfeito deleite, debicando calmamente algumas migalhas que se encontravam perto, deixando-a crer que a sua presença, já se fundia de tal forma com a natureza, que o bicho nem por ela deu.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Etapas

Ontem falava-me em sílex, material com o qual tomei contacto já adolescente, aquando de um programa de arqueologia promovido pela Câmara Municipal da minha terra, o qual já tinha esquecido, mas que infelizmente, lembrei. O responsável de tudo era o Pereira, um homem cabeludo, barbudo, grande e barrigudo, que fumava cachimbo desde manhã até ser noite, enquanto jogava cartas com o seu colega Miguel, outra figura do género. Nós chegávamos primeiro, que o horário de entrada de suas excelências era tardio, que a labuta era pesada e penosa, pelo que não se podia começar cedo. De joelhos no chão, escavávamos um enorme buraco de onde saiam pedaços de objectos usados em tempos, espólio valiosíssimo com necessidade de resgate, tarefa fielmente cumprida por nós durante os dias de duração do programa, ou seja, exactamente quinze, que nos eram pagos com a módica quantia de mil escudos a cada, mais coisa, menos coisa. A nossa manhã, começava com um cigarro na beira da Santa que guardava a casa ( seríamos nós um projecto de Pereira? Fica a questão.), ainda Pereira não tinha chegado. Logo após, o pacote era estrategicamente escondido atrás do altar, e tenho para mim, que a referida Santa se sentiu com tal afronta, e me tomou de ponta para todo o sempre, mas enfim, é só uma ideia minha, posso muito bem estar enganada. Quando Pereira e Miguel chegavam, já nós escavávamos. Nos dias bons, já tínhamos descoberto muitos pedaços, nos dias maus, poucos, motivo mais do que suficiente para que Pereira e Miguel nos bradassem aos ouvidos a nossa inutilidade, mais do que comprovada, que aquela hora, já deveríamos ter desenterrado, sei lá, uma qualquer estatueta inteirinha, ou um qualquer utensílio intacto, ainda que nada disso por lá existisse. E eis que seguiam para a empreitada, enquanto o rádio tocava alto, na Renascença ou assim. Não sei o que é feito deles. Provavelmente, e caso lá tivesse ido, encontra-los-ia nas manifestações de revolta contra a redução de salários. Nada a opor quanto à função pública no geral e aos seus direitos, que se entenda. Não simpatizo muito é com Pereiras e Migueis, mas isso, já é um problema meu.

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