quarta-feira, 9 de março de 2011

Laurinda

Às vezes, chegamos a admitir um fim conhecido há muito, que tentamos arrumar em local inacessível, quase esperando, que tal arrumo nos dê o sossego necessário para que os dias corram, uns atrás dos outros. Ela sentia-o já perto. Há muito, não de agora, embora por ora, a força implícita nos gestos dos dias, a deixem com uma clareza tal, que por muito que tente esconder os sinais no fundo da alma, a luz emanada é de tal ordem, que lhe sai de qualquer fresta, sejam olhos, ouvidos, poros, tudo. Numa desordem interna de meter dó, tenta a todo o custo travar esta força que teima em sacudi-la, pobre de si, que quase parece, que a maldita não percebe que lhe perturba a existência, e que bem podia dar-lhe sossego, para que conseguisse continuar a cruzar o tempo sem aflições, bem o merece, e tanto tem lutado por isso. Nem bem lhe importa onde ele pernoita. Onde ele passeia, por onde ele se deita, perturba-a sim, o desleixo dado aos filhos e à casa, que se tempos houve, em que tal não acontecia, em que o cuidado de sua excelência se efectivava sério nesse campo, hoje, já nada disso acontece, que com tudo lhe falta, ainda para além da companhia. Bem sabe ser esta a lei da vida, que se no começo, tudo se faz com atento e cuidado, com o passar do tempo, o hábito e a continuação, tudo se desleixa, deixando-se a descoberto o que tanto se escondia, dando-se quase propositadamente a conhecer o que tanto se disfarçava, quanto mais não seja, porque o respeito já se foi há muito, e a necessidade intrínseca de magoar quem não nos fez feliz, leva-nos por sinuosos caminhos. Julgo que muitas das vezes, inconscientes.
Olho-a de soslaio, e detecto-lhe nos sulcos da cara, uma tristeza sem fim. São milhares, desde a testa, à boca, às maças do rosto, que de tão secas, amarelaram e encolheram. Nem propriamente pelo fracasso da vida, mas pela ausência de descanso. Pudesse ele ao menos dar-lho, e manter discretamente a vida de sempre. Ou pudesse ela arrumar-se lá dentro, de forma a não ver o que lhe salta para os olhos. Não precisava de mais nada para ser quase feliz.

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