quarta-feira, 16 de março de 2011

As irmãs

Sente-a sempre como uma casa estranha a si. As casas não são todas iguais, bem sabemos, que cada uma, alberga usos e costumes abrangentes, inerentes à sociedade envolvente, e outros tantos ou mais ainda, individuais, inerentes àquela família. Vinham do mesmo berço, cresceram ambas na falta e na fome própria dos anos cinquenta, onde um ovo se dividia em dois, a carne vinha ao Domingo, e o queijo fresco se comia com um travo a azedo forte, juntamente com uma casca de pão seco ao jantar. Valia a sopa, feita com a batata da horta, e de quando em vez, com o feijão seco, que chegava por si só. Era forte e robusta, tal e qual como se quer. A ela e às gentes. Na hora de se constituir família, cada uma seguiu seu percurso, escolhido a coração ou a jeito, nem bem importa ao caso, que quando trata a escolhas, o motivo, o móbil interno de cada um, possui a legitimidade própria da liberdade, condição com a qual nascemos, e sob a qual deveremos crescer e viver. Deixo de fora o morrer, propositadamente, patamar onde a liberdade se perde algures, por a nós não pertencer, que a pertencer, deixar-nos-ia subjugados a um destino tenebroso, com escolha de hora, método e local de execução, coisa que se dispensa, a bem dizer da verdade. E é numa das escolhas de uma, que a outra, nem tem cabimento. A analisarmos as raízes familiares, a impormos a coerência que deveria existir para todo o sempre, no coração de duas irmãs, encontramos uma divergência imposta pelos limites da vida, com uma imponência tal, que não deixa espaço para a calma da fraternidade, ter poiso e assento. Tudo porque uma, estranha o sítio da outra, embora o inverso nem se verifique. Estranha-lhe o cheiro, acre e forte, ao invés de neutro; estranha-lhe o ruído, intenso e imponente, ao invés de ausente; estranha-lhe a cor, negra e encardida, ao invés de clara e limpa. Estanha-lhe ainda os hábitos, que quase parecem, nem por lá existir, atestando este facto, a total desarmonia de membros, de encontros, de partilhas. E numa busca incessante pelo que em tempos já houve, a procura da irmã que lhe falta surge por vezes acesa. E é aí, quando o coração a apanha em alguma curva do tempo, em ausência de tudo o que a castra ao infinito, que de novo se encontram. Nesses exactos momentos, revivem tudo outra vez. Recuam ambas ao partir do ovo, à divisão do queijo, à partilha da cama e da janela, que de noite, se carregava de estrelas a formarem estranhas constelações. Por vezes, uma caía, como que para lhes dizer, que mesmo na perfeição do universo, nem tudo se sustêm da mesma forma.

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