O que me faz reflectir... Todos os textos que aqui publico são de minha autoria, e as personagens são fictícias. Excluem-se aqueles em que directamente falo de mim, ou das minhas opiniões, ou onde utilizo especificação directa para o efeito.
terça-feira, 15 de março de 2011
A gaveta
É naquela gaveta, que se sente Ser. No restante do tempo, entre panelas, vassouras, camas e mesinhas de cabeceira, entre um pano que limpa, uma colher que mexe, e outros utensílios diversos, que o que não lhe falta em casa são um ror deles, cada um com sua serventia, sente-se apenas e só pequenina. Não que a grandeza não lhe entre nos actos, que nesta vida, se há capacidade que aprecia em si desde sempre, é a de conseguir incutir alma naquilo que faz. Nem por isso lhe agrada quem tudo faz em águas mornas, só por fazer, sem aí incutir qualquer tipo de cunho seu, qualquer sal que tempere a existência. Fartou-se disso em pequena. Sua mãe, que Deus tem, apenas assim girava os seus dias, que começavam e acabavam exactamente na mesma hora, sendo que no intervalo, na vigília portanto, o que fazia obedecia a um critério rigoroso e inflexível, desde o pão que se comprava ao padeiro às oito em ponto, passando pelo café que pingava da cafeteira às oito e trinta, à manteiga que se barrava no pão cinco minutos depois, e por aí fora, até que se findava o dia, chegava a noite, e a cama se abria para novo descanso. Todas as tarefas, fossem elas quais fossem, saiam-lhe dos dedos com um ar de apatia intenso, quase como se de dentro dela, nada houvesse para sair, e apenas e só o vazio, lhe pudesse escorrer dos gestos. Diz que foi assim desde sempre, ao que se falava, que talvez a maternidade pusesse cobro, porém, nada disso aconteceu. Das duas, ela foi primeira, logo, seria de esperar que a novidade, junto com o calor de ter um filho nos braços, pudessem banir aquele estado de vez, mas o que aconteceu foi o inesperado. Os cuidados surgiram conforme o hábito, mornos e ritmados, sem qualquer expressão de emoção. Julga que talvez tenha sido por isso, que lhe tenha surgido o inverso, ou seja, a graça em tudo o que faz, seja tarefa digna de regozijo, seja uma qualquer obrigação. Ainda assim, por vezes, a alma nem sequer lhe chega, e a vida que incute nos dias mais claros, parece turvada nos escuros, que teimam em acutilar-lhe a existência. É pricipalmente nesses, que recorre à gaveta já velhinha, e cresce outra vez. Quando se enfeita com colares de pérolas gastas pelo tempo, brincos de oiro amarelo e anéis de pedras coloridas.
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Todos necessitamos de cor nas nossas vidas, eu cá não passo sem ela.
ResponderEliminarHoje por exemplo é um bom dia,daqueles que me anima, está sol (amarelo) e no céu, apesar de algumas nuvens, avistamos o azul :)
Maria