quinta-feira, 30 de junho de 2011

Viagens

Em horas de almoço folheei uma revista sobre viagens. Lá dentro, uma meia dúzia de mulheres, que fazem aquilo que um dia eu quero fazer. Abalam em viagem, sozinhas. Não que goste particularmente da solidão sem limites, até porque, quem viaja de espírito aberto nunca está só. Agrada-me especialmente os momentos de libertação, que julgo conseguirem-se assim. Para tal, a estrutura deverá estar intacta, ou no mínimo sã, sob pena de se instalar a melancolia. Não posso ir agora, portanto. Agrada-me especialmente saber que este sonho, afinal, é viável, e não entra directo para o rol de experiências quase impossíveis. Alieno essa impossibilidade, porque sempre que falo disto a alguém, me olham com ar estranho, de olhos arregalados, como se eu tivesse acabado de proferir a maior barbaridade, normalmente, acompanhado de um sozinha?!?!. Ao que eu remato, sim, sozinha, já intercalando o meu espírito, entre o serei doida, ou serão eles. Ver estas mulheres deu-me alento. Não sei se existem por aí muito, ou se o repórter teve de palmilhar o País, para descobrir este pequeno número. Não obstante, muitas ou poucas, existem. Logo, eu também posso vir a existir assim.

Modernices

Ontem ao fim da tarde, dou com o pequeno reguila de sorriso maroto, enquanto olha para a primeira série dos Morangos com Açúcar, actualmente a passar no Panda Biggs. A cena que apanho, nos momentos antes de o expulsar de frente da televisão, é o Luís Esparteiro, em todo o seu esplendor envergando um robe de turco azul escuro, a fumar um cigarro, imediatamente antes de se ir esfregar numa jovem de cabelo aos caracóis, que segundo consta é a melhor amiga da filha. Mas o que é isto? Panda já não quer dizer bonequinhos? E momentos de sossego para as mães, que se dedicam às tarefas domésticas de fim de dia, enquanto os pequenos vêm coisas inofensivas? Bem sei que o Biggs, não é o Panda normal, e que não tem Rucas, Noddys e afins. Mas tem Pokemons, Beyblades e coisas. Não chega, não? E seria mais ao menos aqui, que o meu avô diria, que este mundo anda perdido... O que vale é que vou de férias. Para a praia do antigamente, com baldinhos, pázinhas, pipocas, bolacha americana e bolas de futebol. E água do mar geladinha, que enrijece o corpo e a alma. A ver se lhe purgo a mente.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Das escolas, esquerda, direita...

A história do ensino, dos cheques, da direita e da esquerda, já me fez ler posts e comentários que nunca mais acabam, um exagero, tendo em conta que todos, não passam de meras opiniões, tal e qual como a minha, que passo a expressar. Eu, pessoalmente, sou manifestamente contra as escolar privadas. Não me encontro dentro daquela fasquia da população que critica o que não atinge, embora este último, não deixe de ser um facto. Mas só em minha defesa, e para que me compreendam, não atinjo hotéis de 5 estrelas a seguir ao nome, mas gosto deles que me farto, e das poucas vezes em que depositei o lombo num, aproveitei ao ínfimo pormenor tudo o que me ofereciam, desde a massagem, ao bacon com eggs, passando pelas toucas de banho que trouxe para casa. Gosto deles, e acho-os um bem, longínquo, mas um bem. As escolas privadas, deixam-me, na sua generalidade, em sérias deambulações. A dimensão da protecção, por exemplo, é uma das que me causa reprovação, pois julgo que o mundo é um local para se crescer e se viver, e não um local onde deveremos ser guardados da envolta. Até porque, mais cedo ou mais tarde, a envolta entra-nos porta adentro, e quanto mais cedo nos tornarmos dotados de meandros de defesa e protecção, melhor para a nossa sobrevivência. Quanto ao rigor do ensino que se pratica, admito boas escolas privadas, como boas públicas, e vice versa. Aí, a essência, nem está somente na escola em si, enquanto nome ou definição de estatuto, mas passa por professores, auxiliares ( tantas vezes esquecidos, e de importância fulcral), directores e por aí fora, e acredito que exista tudo isto bom no público, tal e qual como no privado, exactamente como por certo, o oposto também será verdade, em ambas as situações. Não quero com isto dizer que se devam atirar criancinhas finas, no meio dos negros mal comportados da Brandoa. Pobres delas, dariam de si. Tal como não misturamos num mesmo espaço, e enquanto adultos, gentes ditas de bem, vindas da Linha, com gentes ditas inferiores, nascidas na Curraleira. Não combina, pronto, que não somos todos iguais. O que quero com isto dizer, é que as teorias da igualdade suprema são lindas de ler, mas difíceis de praticar. E que cada um deve escolher o que bem lhe apetecer, puder e quiser, dentro do bom senso que lhe aprouver, sem dever ser apontado por isso, seja qual for a escolha que fizer. E quero dizer ainda que o investimento no ensino deverá ser uma prioridade suprema, sem a qual deixaremos pelo caminho gente em formação, que para agravar apareceu neste mundo numa época sofrida, submergida numa crise digna de referência, e que deve ser dotada de um conjunto de faculdades mais do que essenciais. E se tal acontecer, todos os estabelecimentos serão dignos da qualidade necessária e do nome Escola, que seria o caminho ideal, e deixaria este critério de escolha, muito mais livre. A propósito, sou de direita, se é que isso importa. O meu filho, anda no agrupamento escolar da cidade, juntamente com o cigano moreno, a Francisca filha de Pais de bem, mas que acharam que deveria fazer-se à vida, e com o Fábio, que passa fome. Muitos dias divide o lanche com ele. Tem uma excelente professora, a quem não aponto um único dedo, um Director esforçado, mas que não consegue milagres. A comida do refeitório não é grande coisa, e não existe ginásio, pelo que treinam desporto ao sol. As auxiliares são medianas. Se um dia ele vai ser mais pequeno por estar ali? Não me parece.

Repulsas

Entra-me esbaforida, pingando suor. O lenço que guarda em mãos torna-se fraco para a tarefa que lhe impingem, que a pobre, está-se a esvair devagarinho, em gotas grossas e brilhantes, que lhe tornam a pele luzidia e muito peganhenta. O seu porte, altivo e autoritário, condiz com tudo o que lhe sai da boca, que o que mais gosta, é de proferir barbaridades sábias, daquelas que constituem verdades absolutas, indiscutíveis, próprias apenas de quem sabe. Já duvidei que houvesse gente assim, detentora sapiente de tudo e de nada, conhecedora a fundo dos meandros diversos, que podem ir do banal ao científico, do trivial ao extraordinário, do lógico ao infundado. Entretanto, percebi que afinal há, e que existem pessoas donas de certezas convictas, vindas das profundezas de corpos abençoados por algum outro Deus, diferente dos Deuses que abençoam o resto do mundo. São os chamados afortunados, dotados da razão, muito superiores a esta coisa fútil e enfraquecida, que é o comum dos mortais, que aprende sempre, e que nunca conhece a totalidade. Perante estes seres inteiros que me vão cruzando o caminho, tomo duas atitudes. A primeira, é uma tentativa de comunicação, de dar mas também de receber, para que a igualdade se torne possível. Raramente é. Nesses casos, por norma, retiro. Não física, mas interiormente. Deixo falar, sem questionar, não concordo nem discordo, a não ser que me afronte directamente, ou seja, fico indiferente. Atitude, quiçá, de desprezo meu, por quem tanta verdade contém.

Deveria por certo ter-me resignado, e sorvido a sapiência que lhe escorria da pele, por água e palavras. Mas fiquei repugnada, por ambas as duas. Já foi embora, dona de tudo. Qualquer dia, sem querer, o corpo esvai-se-lhe de vez, tal a grandeza emanada. Deixará espalhado um rasto de saberes, que a poder ser, serão aproveitados por almas carentes que lhe vejam préstimo.

Quem tem uma mãe...

Na manhã, a caminho da avó, de olhos ensonados, e espírito desassossegado...

- Mãe, temos tanta sorte em tu ainda teres mãe...


-????


-Sim, quando já não há escola, a avó cuida de mim enquanto trabalhas, faz-te sopa para o nosso jantar, e ainda fica comigo quando estou doente. Já viste tantas coisas???


Vejo estas e vejo tantas. E ele, aos oito, também já vê com uns olhos grandes. Não é o dia da mãe do calendário. Mas é digno de homenagem, porque é um dia da mãe igual a todos os outros dias. Da mãe. De resto, esta coisa dos dias nem me faz muito sentido. Gosto muito mais do vindo do nada, do porque apetece, do porque sim. Em tudo. Como gosto de palavras boas, ditas a quem se gosta, sempre.

...

O fanatismo de quem se faz explodir, com vista a um qualquer apelo, para uma qualquer forma de vida, é, talvez, uma das manifestações humanas que mais me perturba. O acabar com a vida em estado de desespero, entra já em trâmites obscuros, vindos por norma de mentes tristes, que não conseguem atravessar o negrume e encontrar outros caminhos. Será uma desesperança levada ao extremo, uma incapacidade de adaptação a um mundo sentido como demasiado cruel. Porque os estados da mente são isso mesmo, o que se sente. Por muito que a envolta até possa julgar harmonia, de dentro, pode vir apenas desassossego. É assim e provavelmente sempre será. Mas as outras, as de alguém que se atira em prédios, se ata em explosivos e se faz ir pelos ares, em prol, na generalidade das vezes, de crenças religiosas, entra em outras dimensões. Entra numa alienação profunda do ser humano, que atenta à própria vida, sem dó nem piedade, apenas para chocar, e apelar a extremismos radicais e sem lógica, numa tentativa de manipulação tremenda, como se assim, se conseguisse mudar gente. Os fundamentos que os regem perdem-me todo o sentido, que de resto, nem se assumem como contentores de espírito, mas como castradores. São terrenos difíceis de percorrer, mas não deixam de ser um problema abrangente da sociedade a nível mundial. Entretanto, e segundo li, esta noite, pereceram dez pessoas em Cabul, vítimas de ataque suicida. E assim se somam e se seguem mortes, justificadas por crenças fatídicas, de quem não se consegue libertar. Em nome de nada.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Momentos

Ela pára. Ele segreda-lhe ao ouvido eternidades. Há coisas que são eternas, ainda que possam terminar. Deixam um eco infinito na alma que recebe. Ele pára. Ela diz-lhe que sim e ele acena com a cabeça. O mundo à volta parece que gira. Pura ilusão. Tudo o que pode acontecer está ali, e em mais lugar algum. Há quem diga que momentos nada são, de possíveis de se esvaírem no tempo. Há quem os julgue magnânimos. E os guarde dentro, como se de preciosidades se tratassem. Fazem sorrir.

...

Comprei um novo Super Mario. Este anda de Kart, e é rápido como um raio. O meu filho, dono oficial do jogo, acha que a velocidade é adequada, e que sou eu que não acompanho. Sou muito mais eficiente naquele que come cogumelos, e que anda a pé. A constatação de final de dia é que ando a ficar lenta. Provavelmente, coisas da idade. Uma delícia, portanto.

Para acompanhar, estou com sérios problemas com a letra. A quem julgava que estas alterações eram propositadas, e dotadas de artes informáticas, desengane-se, que não é nada disso.

Libertações

Subia e descia todos os dias igual. Nem apresentava qualquer outro modo, fosse ele tristeza, fraqueza ou alegria. A indiferença povoava-lhe o espírito e roubou-a de vez, que foi o único remédio encontrado lá dentro de si, para fazer face à tormenta que lhe aguardava os dias. Tivesse a vida sido mais branda, e poder-se-ia dar ao luxo de outras emoções, mas assim, resta-lhe esta, resguardada no hábito do sempre igual, do deixa andar, do antes assim que pior. Ninguém a via, ou percebia o estado, a não ser aquela senhora que a cumprimentava baixinho e lhe entregava um sorriso cúmplice, sem qualquer tipo de exigência, pode dizê-lo, que ela, nunca sorria, mas a senhora, fazia-o sempre. A escada era um local privilegiado do qual gostava, encontrava-se ladeado a flores cor de rosa, regadas a preceito por si, todas as semanas de Inverno, um dia entre outro, no Verão. Enquanto as regava, conseguia falar-lhes, a elas que a ouviam, mais do que toda a gente. Podia garantir que a entendiam, por estranho que isso vos possa parecer, que só assim se pode justificar, a leveza da alma que lhe restava no fim, coisa apenas conseguida, porque as angústias lhe tinham sido levadas, passadas de mão por assim dizer. Faz parte dos nossos crescimentos estas trasladações, estas transferências de um corpo para um outro que nos abeire o caminho, e que por frágil que pareça, se torna contento o suficiente, para nos tratar as apoquentações. Logo após o tratamento, poderemos até tornar-nos capazes de nova recepção, num carácter muito mais levezinho, do que tanto mal nos trouxe. Não raras vezes, e logo após essa alheia digestão, quase que julgamos a desgraça muito menor, muito mais capaz de se tornar ultrapassável, um resquício de nada, que nos atormentou o espírito inexoravelmente, como se nós nem nos encontrássemos sempre com a mesma capacidade. Tenho para mim que é mesmo assim. Que a nossa força mental se encontra susceptível de variância, indexada a um conjunto de factores externos a nós, como por exemplo, o colo, que neste caso vinha em forma de flor, como noutros vem em forma de gato, de cão, ou até, de cigarro ou de chocolate.

domingo, 26 de junho de 2011

Dilemas

Comprei uma blusa bordada à mão. Já em casa, descubro-lhe o alarme, muito agarrado ao colarinho. Ainda tentei martelar o dito, mas o malvado, ao invés de saltar, ferrou-se-lhe ainda mais. Estou num dilema. Ou volto à loja, situada a uma distância muito considerável. Ou faço um pedido encarecido a algum proprietário de outra, que a partir desse momento, não vai conseguir deixar de pensar, que eu posso ter trazido a blusa sem pagar. Ou corto-lhe a gola, e levo-a à minha costureira, capaz de remendar o mundo. Aceito sugestões. Ou até outras, que confesso que de todas, nenhuma me soa a perfeição. E isso depressa. As férias estão aí, e dava-me um jeitaço levá-la.

Destinos proferidos e pormenores logísticos...

Não me leram a sina, ou sequer as cartas. Leram-me o rosto, segundo me disseram. De tão intrigada, de tão curiosa, fingi desprezo, que nestas coisas assim sou de uma dureza clara, e temo que quase perceptível, pelo que nada perguntei, na esperança de que a resposta viesse, mesmo assim. Veio. A minha cara combina com outra, mas não me quiseram dizer com qual. Um dia irei descobrir, foi o veredicto. Nunca tinha pensado as coisas dessa forma. Ela afirma que os rostos combinam a fim de construírem uma qualquer harmonia, e que na sua ausência, com o tempo, nada se conseguirá. Honestamente, e agora que penso bem no assunto, nem estou curiosa. Não quero saber do que pensa, ou com quem julga que combino. De resto, nestas coisas, existem gentes de sorte e gentes de azar. Caras larocas combinam com meio mundo. As sardentas e arredondadas, assim como a minha, têm por certo um leque mais reduzido de combinações plausíveis de soarem bem. Se já disponho de uma, deverei dar-me por muito satisfeita. A ignorância no que confere ao portador de tal face, deverá ser por mim considerado, como um mero pormenor. Logístico.

sábado, 25 de junho de 2011

...

A reflexão de ontem incidiu na sociedade. Arrepia-me falar dela, mas falo que me farto. Não que não aprecie os meandros, o desenvolvimento, o como cresce e recua. É um caminho abrangente, mas perturba-me os trajectos que escolhe. Que escolhemos, todos ou quase. Munimos-nos de ambições, crescentes, para os crescimentos exteriores. Para o que se vê, o que se mostra, o que se transparece. Recua-se, cada vez mais, no que se ganha interiormente, no que se constrói em ser, no que se procura em valores. Valores? Procuro-os, amiúde, e cada vez menos os encontro. Quando os detecto, surgem-me tímidos, medrosos, assustados. Fora de sítio, como se nem pertencessem a nós, e estivessem ali encolhidos e apertados pelo resto. Que caminhos procuramos? Que respeito apresentamos, a quem nos damos? Perguntas vazias em respostas concretas, que julgo que poucos sabemos. Os que procuram crescer depressa, os que se encostam na esperança que tudo lhes caia do céu, os que julgam que gente se cria com dádivas, mas sem tempo e afecto. Vejo-os tanto, a cada esquina. As relações nem se sentem, sentem-se muito mais os interesses, os próprios umbigos, as pessoas que se julgam grandes, como se tudo já tivessem feito, e nada mais houvesse a procurar. Os jovens que trilham caminhos incertos, próprios da idade, mas que teimam em segui-los vida fora, porque o esforço, é coisa de outrora, digno de avós, ou de pais, vá. Hoje não encontro deveres, encontro direitos. E uma dificuldade tremenda para uma motivação contrária, por demais urgente. Serei eu que me preocupo em demasia? Serei eu que encontro na envolta mentes vazias do que importa, e cheias de nadas superficiais, que nos mantém numa tona frágil, e de imediato sucumbida perante uma adversidade mais forte? Será que as estruturas sérias e coesas se tornaram numa vergonha, e o correcto é o seguimento leve e vazio, isento de responsabilidades verdadeiras? Será que a felicidade conseguida, não se torna efémera para todas esta gente, que ao invés de lutar se acomoda? Conseguiremos, neste caminho, encontrar essência suficiente para uma existência plena? Ou ficaremos à mercê da mesquinhez, que cada vez mais mais nos apanha, e nos molda os passos e os caminhos? As soluções claras, como sempre, não chegam. Ficam as questões, que deveriam povoar as mentes, e inquietar quem por cá anda. Inquietude. Talvez seja esta, uma das coisas que tanto nos falta.

Tempos

Comprei um jornal que folheei em dois minutos na hora do almoço, enquanto um café quente me escorria pelas goelas treinadas, que já não queimam. Olhei, beijei, sorri, afaguei, li, aninhei, ralhei, refilei. Olharam-me, beijaram-me, sorriram-me, ralharam-me, foram injustos comigo, sem razão. Reajo mal e estas coisas. Na noite, tento que me analisem, que me encaixem em algum lugar, mas recusaram-me, mandaram-me pensar mais um bocadinho, logo a mim, que careço, e muito, saber aonde pertenço. Estava cansada, mas ainda assim fui. Ouvi, cantei, dancei, voltei, e não dormi. Hoje o tempo foge-me ainda mais. Ainda um dia, juro, aprendo o que fazer com ele. Ou melhor, a enfiar-me lá dentro, com jeitinho e cuidado, para que não me transborde ou me falte.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Vestido aos folhos cor de rosa

Passo em corrida para ir ao banco. Na entrada, um funcionário camarário limpa a rua com um aparelho de pressão, que salpica os carros com umas bolas de água cinzentas, muito densas, que deixam os vidros sujos e baços, completamente inertes para a função a que se destinam. Uma mulher ralha enraivecida, que a incompetência é algo que lhe soa muito mal, ainda para mais, num mísero trabalho como aquele. Mesmo ao lado, uma montra de uma loja apresenta vestidos coloridos, de gosto seriamente duvidoso, ornamentados com folhos, plissados, e casaquinhas curtas e douradas. A tiracolo, umas pochetes brilhantes compõem o cenário, que de tanta cor se torna extenuante, até para quem olha só de revés. Fiquei com a vista irrequieta. Na frente da montra, um casal enamorado aprecia aquelas belezas, com especial atenção num vestido rosa choque, com uns apliques volumosos no peito, o qual ele diz favorecer apenas mulheres de decote avantajado. Ela, sorri timidamente, e acabam por entrar, deduzo que para experimentarem se o vestido lhe assenta, ou se, ao invés, o seu porte não chega para que lhe caia bem. Segui. As noticias do dia, ainda que já previstas, não me animam. Irrito-me comigo mesma, e com esta minha vertente premonitória. Aquela lá atrás, gordinha e sem mamas, que experimentou um vestido rosa, e provavelmente o levou para casa, estará por certo, a esta hora, muito mais feliz do que eu. Chego até a imaginá-la, de fronte ao espelho, enquanto se pavoneia sobre os olhos deliciados do marido, muito baixo e rechonchudo. Não sei, mas imagino que o casório onde o irá levar terá lugar em breve. Amanhã, talvez. O remate será dado por uma sandália branca, com um salto muito fino, de verniz.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Dia

No meio da minha cara de bolacha sarapintada, encontra-se um nariz com comichão. São as merdinhas das alergias que me atentam afincadamente desde ontem. Ontem foi um dia giro. Entre umas quantas coisas menos boas, que parecem perseguir-me, sabe-se lá porquê, quem sabe gostam de mim, aconteceram as boas, com destaque para a festa de final de ano do rebento, que dançou, com elevado grau de mestria, waka waka da Shakira. Mesmo ao lado do palco, um parque de terra aos solavancos com o vento, deve ter reunido, e julgou prudente entrar-me pelo nariz. Eu, distraída pelo espectáculo, deixei. Desde ontem, que a malvada poeira reside então dentro de mim, e eu, já tentei expulsa-la, lançando mil novecentos e setenta e oito espirros, mas não está fácil. Acho que a maldita encontrou um lugar para morar. Posto isto, e agora que parei para verdadeiramente coçar o nariz, resolvi postar estas linhas.

Post secret: Acabaram de me entrar no gabinete, e apelidaram-me de palhaça, devido ao rubor do nariz. Digamos, que já houveram dias melhores. O que vale é que babei com o espectáculo, e com o meu filho. E comi uma bela fatia de bolo de bolacha. E outra de tarte de pastel de nata.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Memórias

Ganha sempre comichão quando a mandam esquecer. Mas esquecer porquê? É certo que por vezes o passado a marca quando lhe vinha à memória, e lhe acende um lume forte e pungente, que a consome devagarinho por dentro, ora mais de um lado, ora mais do outro. É certo também que a vontade é por vezes amaina-lo, torna-lo mais leve, e consequentemente mais suportável, que de pesos estamos nós cansados, e a leveza, é o que por vezes tanto procuramos, sem sequer o sabermos. Ela porém já sabe. Mas ainda assim, e para que lhe chegue, carece das experiências idas, por fortes que sejam. Tem presente, que o esquecimento do que a trouxe até hoje, não se afigura como um caminho possível, para quem quer crescer ainda mais. E se para isso tiver de lembrar memórias tristes, que lembre. E se para isso tiver de conviver com fantasmas perdidos lá dentro de si, para que de quando em vez os encontre, e os transforme em gente, que conviva. E se para tal tiver de remexer e transladar resquícios de substâncias mal cheirosas, que lhe empestam a alma de negro, para depois sentir mais ao perto a clareza, que remexa. Assim, olhando-a de frente, pequena e franzina, ninguém dá nada por ela. Às vezes, nem a própria. Mas só até se lembrar do que lá traz dentro. Está de tal forma cheia, que nos entretantos percebeu, que quanto mais cheia, mais espaços ganha. E desde esse dia, resolveu deixar de esquecer.

domingo, 19 de junho de 2011

Pesos

Por vezes sentia que lhe pediam mais do que aquilo que ela conseguia dar. Cedo se inteirou de todas as tarefas que lhe eram destinadas, cumprindo com o devido zelo o que lhe competia, com um rigor e um método dignos de realce, muito pouco dados a falhas. Mas havia dias em que o cumprimento a aborrecia, quase parecia que uns bichos a desassossegavam por dentro, deixando-a numa intranquilidade que ninguém percebia para além dela. Nesses dias sentia fadiga, que para além do rigor da tarefa, emergia-lhe a necessidade do rigor do disfarce, sendo que o abafo daquelas miudezas que lhe percorriam o corpo, era coisa mais do que suficiente para a estafar, dum estafanço forte e condensado, que ela tentava diluir, discretamente, num bater de uma porta disfarçado pelo vento, numa martelada mais forte que infligia na carne que fritava, no lume forte da trempe. Toda esta arrumação, era por norma conseguida com sucesso, que a sua motivação assim lho permitia, sendo que de forma alguma poderia falhar, e deixar transparecer a quem a rodeava, a realidade do seu cansaço. Era exactamente aquilo o que queria. Houve porém um dia em que o que a movia se dissipou. Não que deixasse de haver, de existir ou de ocupar o devido lugar, mas deixou talvez de se assumir como forte, tornando-se num pormenor morno e pouco considerável, que poderia ou não acontecer, que da mesma forma, a sua vida continuaria. Nesse dia decidiu parar, coisa que fez escasso tempo depois, assim que se lhe afigurou possível. Esse tempo, quase pareceu não ter fim, por pequeno que fosse ao pé da eternidade do que já foi. E sacou-lhe de dentro da alma todas as réstias de força, deixando-a numa prostração de dor e de descrença, quase sucumbida. Tudo lhe parecia pesar. Temeu, que se carecesse de esperar mais uns minutos, a sua viveza lhe morresse mesmo ali.

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Sei que estou cansada quando adormeço no cinema, no meio de um bando de miúdos aos berros, papeis de rebuçados, e pipocas que fazem crec quando as mastigam. E coca-colas que passam nas palhas e fazem szhuszhuszhuppppp...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Mega pic nic

" To feliz co piquenique, atã návia de tare. Agente vai pa lá cedinho, leva uma bucha piquena ó assim, e eles o resto. A nha maria tá que nim pode, e ê tamém to cuntente, que vai tamém ali o zé da taverna, e diz ele que leva umas bjecas, umas muines, tá a bere? Ópois aquilo agente juntasse todos e vai ser ma festa daquelas darromba. Ê até nim gosto munto do toní, mas a melhere gosta. E a nossa vardura aqui du campu é dum calibre fora de séri. Pode ser cassim, a malta volte a cumprar à gente. A gente precisa pá."

Tudo para dizer, a mim, que nem me afecta, nem me ataca, que a iniciativa não me parece nada mal. O móbil ou os interesses que movem, serão por certos diversos, uns mais louváveis do que outros. Os distúrbios são pontuais, e exigem adaptação, temos pena. Mas a realidade que também vem à tona, é que somos um País de agricultores, que vive, e que precisa de viver da agricultura. O sítio, poderia ter sido outro. Mas os Alfacinhas também precisam de cheiro a campo de vez em quando. Ali bem no meio que é para chegar a todos. Até aos que vão só num instantinho, à "Lojinha" da Hugo Boss.

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Gosto, com um amor sério e apaixonado (?), de mentes abertas. Em azares dos que todos temos, tropeço nas outras, pelo que careço de constantes desvios. Em retrospectiva percebo porém, que tenho muitas ao alcance. Daquelas que, tal como eu, procuram alargar a cada dia. Fico tão feliz por isso.

quinta-feira, 16 de junho de 2011

Cada um por si

Sobre quem deixa os seus filhos em sítios não regulamentados, pouco tenho a apontar, que nem sequer me cabe julgar. É certo, que eu não o faria, mas também é certo que muito de quem o faz, o faz por alguma ausência de opção, ou por uma necessidade muitas das vezes imediata, e sem outra resposta possível. Esta falta de outras ofertas disponíveis, é muitas das vezes responsável por estes casos. Recordo quando o meu pequeno nasceu, sendo que foi necessária alguma espera, até encontrar o local desejado. Até lá, e como detinha alguma facilidade de horários, o cuidado foi-se dividindo, entre mim, pai, avós. Mas não é com toda a gente igual. E se acredito que haja quem coloque filhos a cuidado sem grande critério, acho que existe muito mais quem os deixe, e fique com o coração nas mãos. E julgo ainda que o sistema, não pode ser inimputável a tais ocorrências, quando não oferece o mínimo exigido de alternativas, pelo menos no que confere a Creche. No meio das portas escondidas, guarda-se gente nova, e gente velha. Com estes últimos, e em caso de desgraça, pouco se diz, porque pode até ter sido da idade, e há sempre um coração já fraco, que desculpa quase tudo. Quando toca a crianças, com uma vida pela frente, ceifada por uma qualquer ausência de condições, até de fácil solução, o caso vem para a rua. E se pensarmos antes em apurar responsabilidades de fundo? E se na sequência, pararmos de apontar o dedo apenas aos pais que a deixaram e à ama que não tomou o devido cuidado? Detêm a sua parte, sem dúvida, a par e passo com um gigantesco sistema de salve-se quem puder. Parece-me a mim, que aqui como em tanto, cada vez mais agimos assim.

...




Salamandra

Encontro no facebook uma foto dos Salamandra. Um conjunto musical de elevadíssimo gabarito na época de sua existência, cujo símbolo era aquele estranho bicho semelhante a um lagarto. A foto representa um dos membros, o Artur, um cinquentão que na época tinha vintes, e vestia calça de ganga afunilada e roçada, com uma t-shirt branca, muito justa, a fazer notar a magreza estilosa. O cabelo, aos caracóis, deixa aquele efeito místico das bandas dos sixties. Diz quem viu de perto, que eu, em criança, me pelava para lhe agarrar a cabeleira, que ele levava ardilosamente para longe de mim. Na garagem da casa da avó davam-se os ensaios. Um edifício de pedra frio e alto, ladeado de muros de pedra tapados a hera verde. Eu, sentava-me num cantinho e ouvia-os num sossego digno de referência, noites a fio. Uma das que me ficou para sempre, foi Let it Be, de Paul MacCartney. O vocalista era um jovem alto e com um cabelo comprido, que fazia umas caras estranhas enquanto cantava. Julgo até que lhe tive uma paixonite. Boa memória Artur. São sempre bons certos regressos. A parte da passagem do tempo, não se conta para o efeito. A propósito, tás velho, pá.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Dualidades

Em pequena retrospectiva, percebo uma terrível conclusão. Parte do que escrevo, não considerável, mas ainda assim parte, deveria ser dito, de forma precisa, e totalmente direccionada. Na fraqueza para tamanho acto, vou deixando linhas, nunca lidas pelo destinatário. Num dia mau, chamo a isto cobardia. Num dia bom, é uma forma de terapia. Todos, sem excepção, carecemos dela. Apenas lamento, a entrada naquele cliché detestável, de que quem escreve em blogs precisa de se libertar. Não é necessáriamente assim. Às vezes, é.

A reflectir

"Afeganistão, República Democrática do Congo, Paquistão, Índia e Somália são os cinco piores países do mundo para as mulheres nascerem e viverem de acordo com um relatório da Fundação Thomson Reuters, hoje divulgado. Abusos sexuais, raptos, pobreza e falta de acesso a educação e cuidados de saúde são os problemas mais comuns apontados pelo documento.

A violência contra as mulheres, os fracos cuidados médicos e a situação de pobreza extrema são os principais factores que levaram os autores do relatório a colocar o Afeganistão no topo da lista dos piores países do mundo para se ser mulher, escreve o diário britânico Guardian. (...)

Ainda sobre o Afeganistão, o documento salienta as altas taxas de mortalidade materna, o acesso limitado a médicos e um quase vazio de direitos económicos para as mulheres. Depois é ainda destacada a situação de permanente conflito no território, as barreiras à intervenção da NATO e algumas práticas culturais como a mutilação genital. “As mulheres que tentar denunciar a situação ou desempenhar cargos públicos que desafiem os estereótipos enraizados sobre o que é aceitável para uma mulher ou não, como trabalhar como polícia ou em meios de comunicação social, são frequentemente intimidadas ou mortas”, acrescentou Antonella Notari, dirigente da Women Change Makers, um grupo que ajuda mulheres empreendedoras em todo o mundo."

No Público online de hoje ( Poderá ler a notícia na íntegra aqui: http://www.publico.pt/Sociedade/afeganistao-e-o-pior-pais-do-mundo-para-as-mulheres-viverem_1498796 )

O gato

Quiseram ofertar-me um gato, muito pequeno, peludo, e de olhos azuis. O bichano, chegou a olhar-me de perto, ciente que estava do poder do seu encanto. Com pena minha, tive de recusa-lo. A possibilidade de vir a ter os seus pelos espalhados pela minha casa, deixava-me em ânsias. Não por mim, mas pelo meu filho, que se esvai em espirros, mal lhes sente a proximidade. O pobre foi levado e entregue a outra sorte. Não gosto destas incertezas sobre futuras pertenças. Dão-se seres vivos, tal e qual se dão coisas. A esta hora, provavelmente, estará em alguma casa que o acolheu, limpo e cuidado. Ou então, em algum local vazio e frio, sem qualquer tipo de aconchego. Ou ainda em um outro sítio, que podem ser tantos. Demais.

Em tempos tive uma gata de nome Be. Nunca me esquecerei dela.

Pensamento

Após a tolerância, que me acompanha além limites, entro num ápice em exagerado estado oposto. A partir desse exacto momento, e quando a circunstância apresenta de facto carácter forte, capaz de me levar a tal transição, deixo de poder ouvir sequer falar. Irrita-me ainda ver, ou qualquer um outro tipo de sentir. Entro, por norma, num excesso de cordialidade. Num estado estanque, imune a sensações. Dificilmente me voltam a arrancar um sorriso. Esta indiferença chega a assustar-me. Não devia, que entra directa no âmbito da minha auto-protecção. Nada, é por acaso.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Desenvolvimentos Inversos

Toda a vida o acatou, que os dissabores, exigências, ou outras contrariedades, sempre lhe entraram no corpo, para de imediato encontrarem lugar para se aninharem, e ali permanecerem, anos e anos a fio. Umas foram destilando, devagarinho, entrando no âmbito do esquecimento, uma tremenda mais valia que possuímos, e que nos permite um crescer coerente. A lembrarmos tudo o que nos acontece, a termos presente todos e quaisquer factos por nós já passados, ficaríamos por certo submersos em tristeza, que estas lembranças, as menos boas, são detentoras de um qualquer poder, muito forte e vinculativo, que nos marca cá dentro, por vezes, mais até do que as coisas boas, que se acomodam de forma mais leve, e que facilmente absorvemos, para delas se fazermos pessoas. Ele não gostava de quadros de parede. Não gostava de cortinas às flores, de copos de cores, de passeios à beira do mar. Nasceu forte e enrijecido, ou então assim se fez no crescimento, embora ela quase que jure, que já deve ter vindo ao mundo em tal preparo, que a densidade da sua existência é de tal ordem, que só pode ser fado premeditado, tecido por alguma entidade suprema, forte o suficiente para tal gente construir. Ela, sempre se submeteu. Era para isso que tinha sido feita, que era dona de casa, mãe de filhos, mulher dedicada. Os anos e a vida, moldaram-lhe o corpo e a alma. Hoje, a força física deixou de lhe ser um préstimo, transformou-se, quiçá, na força que lhe povoa a mente, que não existe por ora contrariedade, à qual se submeta. Sua vontade, é hoje tida na devida consideração, consideração essa que nunca houvera existido, mas que agora lhe nasceu por dentro. Olho-a e sinto algum receio. Não por ela, mas por mim. Afinal, os progressos inversos à ordem de sempre, podem ocorrer. Por revolta, por crescimento, mas quem sabe, também por cansaço.

Limites

O limite é uma coisa fantástica, ao qual, por vezes, nem reconhecemos predicado. Carecemos dele no crescimento. Carecemos dele vida a fora, embora, por vezes, sinta-mos que a envolta nos julga ilimitados.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

De como os juízos de valor podem sair equivocados...

Acabaram de me entrar pela porta duas senhoras a sorrir miudinho, munidas de uma borboleta morta, a fim de me assustarem.

Não, não são elas que estão loucas. Sou eu, que tenho medo de borboletas.

Batimentos

Entra na sala de espera do serviço. Assalta-a uma dor avassaladora, situada na parte central do peito, lá bem no fundo de si. A Senhora da recepção olha-a de olhos vidrados, muito estática e indiferente, como se na sua fronte, se encontrasse uma qualquer grafonola que profere palavras, e não uma pessoa, ainda para mais, em estado de considerável aflição. Toma conta da ocorrência, tal como lhe compete. Não dá margem para queixas ou outras embirrações, que roça o limiar do préstimo sem atingir a simpatia, mas também, sem incorrer em faltas de educação, que sabe muito bem o que fazer, onde fazer e como fazer, para não passar, nem para um lado, nem para o outro, a linha ténue do adequado atendimento ao público. É assim mesmo que gosta de ser.

Na sua frente, encontram-se um número considerável de pessoas que chegaram antes de si, provavelmente, quiçá, por de algum mal maior padecerem. Senta-se. Pega numa revista, daquelas que dantes eram rosa, mas que agora, vá lá saber-se o porquê, mudaram para uma tonalidade mais dura, mesclada a negro, em alguns recantos, muito forte. Gostamos cada vez mais da desgraça. Talvez seja, para nos atenuar as nossas, concluí. Nem dá pelo tempo passar. Aquele encontro com caras da televisão, que casam, divorciam, matam e morrem, distraiu-lhe o corpo dorido e enfraquecido. É a vez dela, e quando desperta, sente de novo o aperto, forte e intenso, exactamente igual ao que sentia, minutos atrás. Despe-se, deita-se na maca à mercê, e sente o frio do gel que lhe depositam na pele, em locais criteriosos e definidos. Logo após, um conjunto de ventosas e ganchos tomam-lhe conta do corpo, e o médico, liga o aparelho. O papel que sai da máquina, traz uns traçados impressos, muito ritmados e precisos. É aí mesmo que consegue sorrir. Afinal, ainda bate. Se não visse, jura, em tal coisa não iria crer.

Grandes aquisições,




ou melhor, enormes, a preços pequeninos. O primeiro, estou careca de ler, mas estava velhinho, velhinho... O segundo, nunca li. Um a 1.95€, outro a 5.95€, ou algo parecido. E o que eu gosto de iniciativas assim.

domingo, 12 de junho de 2011

Considerações

Ao ler o crescente de criminalidade que assalta o País, não posso deixar de pensar, num dos motivos que impele ao crime. Não condeno nem defendo outros sistemas, até porque, nem os conheço a fundo para em tal incursão me aventurar, mas ainda assim, não deixo de louvar, por exemplo, a forma como alguns Países encaram as suas forças Policiais. Poderão estar certas, poderão estar erradas, mas ainda assim, existe uma defesa do estado, que as encara como autoridade que são, e à qual se deve respeito. É uma questão de principio e ordem, tal e qual outro tipo de supremacias que nos regem, em termos educacionais e de evolução social. As nossas forças de autoridade, contrariamente, são tidas como frágeis, e muito pouco defendidas. Em caso de possível erro, o primeiro passo é quase sempre julga-las. Se nelas têm cabimento personalidades pouco vocacionadas, a culpa é do sistema, que não o deveria permitir. Porque a partir do momento em que são autoridade, não deveriam ser postos em causa, por tudo e por nada. Poderá este facto constituir um pormenor. Poderão outros factores, serem os principais responsáveis pelos elevados índices de assaltos ou outros. Poderemos nós nem nos encontrar num País, onde as taxas sejam verdadeiramente assustadoras, que considero a existência de outros bem piores. Ainda assim, este descrédito por quem nos orienta, não me parece um bom caminho. Aliado a outros senãos actuais, poderá, a curto ou médio prazo, ser um sério problema.

Compras

Fui à Loja dos Chineses, comprar brinquedos para a minha caixa de ludo. Uma pá e uma vassoura, um conjunto de cozinha, um estetoscópio, animais domésticos, uma pistola, um alguidar. No caminho de um dos extensos corredores, encontro um ex, acompanhado da filha. Olhou-me de soslaio, e centrou-se nas minhas compras. Gostava, muito, de lhe ter lido os pensamentos.

Parece Brasileira você...

Acompanhei-a desde cedo, que a vida, tinha-lhe sido injusta, não lhe deixando a propensão para levar avante uma barriga, daquelas com gente dentro. Ainda se encetou umas tantas, chegando uma, a durar cerca de três meses, mais coisa menos coisa. Mas três meses não chegava para gerar gente feita, e num dia de chuva, uma dor forte e robusta assaltou-lhe o costado, deixando-a vergada sobre si mesma, enquanto lhe escorria sangue pelas pernas, entre outros estranhos e mornos sobejos. Nem precisava de confirmação medical, para atestar o que se tinha passado, mas ainda assim sua mãe, insistiu em levá-la ao serviço de saúde, a fim de uma efectiva confirmação. Poderia ainda, porventura, carecer de algum tratamento ou medicamento, eventualmente necessário em tal situação. Não fosse ficar seca de vez. Veio de lá sozinha de novo, que antes disso, já se tinha habituado à companhia de um pequeno ser, muito minúsculo e apagado, mas muito presente, porque era seu. A insistência foi-lhe abandonando o corpo, discretamente, devagarinho. O pobre, mais não fazia, do que alternar estados amiúde, ora sozinho, ora não, sem nunca ficar devidamente acompanhado, daquela companhia que se sente a sério, que estrebucha cá dentro, e que acalma ao som das vozes. Ou da música, os dos afagos. Eu era vizinha e pequena. Passeávamos tardes a fio, enquanto ela me contava histórias de encantar. Tinha ainda a arte nas mãos, que delas nasciam obras primas de elevadíssima qualidade, fossem pinturas ou outros trabalhos, que lhe entretinham o tempo, e lhe enchiam a vida. Um dia, ia-mos a casa da minha bisa. Ela tinha violetas no quintal, as quais gostávamos de apanhar, para secar nas páginas dos livros, que assim, deitariam um cheiro forte e muito doce. Após o processo, eram utilizadas para colagens diversas, em telas ou outros materiais, onde nasciam jardins de natureza morta, mas colorida. A meio da caminhada, passa um carro pequeno e velho, com dois Homens lá dentro. Eram brasileiros, e dizem-lhe, perante uma mini saia de cortar o ar, Parece Brasileira você...

sábado, 11 de junho de 2011

Giro

A Revista Sábado, cita VS Naipaul, que diz que lhe bastam um ou dois parágrafos, para perceber se o texto foi escrito por uma Mulher. Afinal, a escrita tem sexo, e o machismo, um lugar premiado. Giro.

...


Esta aqui não sou eu. É um espectacular quadro de Picasso. Uma Mulher. Que chora.

Opinião

Ontem, na contracapa do Diário de Noticias, encontro uma opinião de um Jornalista a residir no nosso País, Barry Hatton, sobre o povo Português. Um diagnóstico muito acertado e coerente. Refere-nos, acima de tudo, a falta de unidade, o excesso de individualismo. Ressalva ainda o fatalismo, próprio da mentalidade Portuguesa, e o excesso de dependência do Estado. Queria trazer o Link, mas não o consegui encontrar. A quem tiver oportunidade de ler, leia. É curto, mas reflectido e muito certeiro. E acima de tudo, isento.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Descobertas


Hoje, empanturrei-me num assim. Coisa que não acontecia há anos, que costumo ficar pelas saladas, verdes e deslavadas. Descobri que ainda gosto. Saiu ao meu filho uma qualquer sinfónica que toca as Pussycat Dolls. A parte pior de todas, portanto, tirando aquela da descoberta.

São João

Está quase na altura. Era mais para o final do mês, mas lembro-me, mal me cheira a manjericos. O recinto era enfeitado de balões coloridos, que eu queria a todo o custo guardar para mim. Com sorte, no final da festa, tinha direito a uns quantos, desatados com jeito pelo meu avô, que mos entregava feliz, já muito sujos e amachucados. No recinto dos correios, montava-se o arraial, com mesas e cadeiras de madeira, toalhas brancas de papel, muito frango assado e batata, acabadinha de fritar. O primo Tóino gostava de servir. Era um tanto ou quanto apalermado, mas safou-se na vida, que segundo a minha avó, arranjou uma tola igual a ele, e fez-se Homem, ou qualquer coisa parecida com isso. Num canto ao lado da igreja, fazia-se a quermesse, onde se compravam uns papelotes, muito coloridos e enrolados. A maioria não dizia nada, mas de quando em vez, vinha um numerado, sinal de que tinha prémio, prémio esse que se traduzia em peças de elevado interesse, como porquinhos mealheiros, copos de vidro, canecas grosseiras, colheres de pau, ou ainda outros utensílios, oferecidos pela população. Julgo que aquilo funcionava mais ou menos como os brindes do Juá, que nem sei se ainda são lembrados, e que constituíam, entre outros, em bonecos de borracha para colocar nos lápis, uma coisa de extrema utilidade, como podem constatar. Creio que em ambos, como em tantas outras situações, era o factor surpresa, o principal responsável pela animação garantida, sendo sem dúvida, um dos atractivos da festa que eu mais adorava, logo a seguir às carreiras de pinhão, e às bolas de serradura, atadas com um elástico. Pela noite dentro, os 6 de Portugal, conjunto musical de alto gabarito nas redondezas, tocava, e punha as velhas e as novas, muito gordas e desajeitadas, a dançarem umas com as outras. Um dia, apaixonei-me por um moço da banda. Era alto, bem parecido, e tinha uns olhos azuis lindos de morrer. Tocava trompete, e jantou ali mesmo ao meu lado, enquanto trocámos olhares doces e envergonhados. Nunca mais o vi, mas sonhei com ele noites a fio. Hoje, lembrei-me. E apeteceu-me muito ir à festa outra vez.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Lisboa, Gaiata, de chinela no pé...




1º Congresso

Vai ser em Abril de 2012, e eu, acho que o merecemos muito. Sou suspeita, bem sei, mas ainda assim, acho. A quem está de fora, percebo a incompreensão que reina por vezes sobre o nosso trabalho. Não receitamos fármacos, não fazemos milagres, não somos rápidos. Esta, da lentidão, é um sério problema. Quem nos procura em estado frágil, julga que o nosso efeito é imediato, julga ainda, muitas das vezes, que o caminho é só nosso. Não é. Estabelecemos relações terapêuticas, evoluímos em conjunto. Damos muito de nós, e com grande empenho, não duvidem. O nosso maior prazer, é chegar a um final de um processo terapêutico, e dar uma alta, conscientes de que a pessoa que se encontra à nossa frente, é, naquela data, uma pessoa saudável e segura o suficiente para prosseguir. A nossa angústia, que a julgo, em particular, muito minha, é a visão, ainda distorcida, que fazem de nós, atribuindo-nos um estatuto pouco credível, pouco rigoroso, apenas e só porque trabalhamos com o interior, terreno que todos temos, mas que ninguém vê de forma evidente. Esse toque, esse sentir que não se palpa, deixa nas gentes ainda descrentes, um sentimento de vazio, uma ausência de suporte, que faz com que nos questionem. Precisa, muitas das vezes, de um contacto real com a nossa profissão, por uma qualquer dificuldade, para nos perceber e considerar. Ou então, nem assim. Oiço amiúde, discursos cheios de boas intenções, quase reveladores de aceitação, que vai-se a ver, e não passam de mera conversa circunstancial. Existem ainda os que nos precisam, nos crêem, mas que por ausência de meios, não nos conseguem chegar, pelo que são entregues aos Médicos de Família, ou às Equipas de Psiquiatria dos Hospitais Distritais, que são uma mais valia, claro, mas que podem não ser suficientes, ou até, indicadas. Aqui, é uma culpa directamente imputável ao sistema, que também não nos reconhece como necessários. Os próprios seguros de saúde, excluem-nos, muitas das vezes, das suas escalas de comparticipações.

Devido a tudo isto, é com enorme satisfação que vejo que actualmente, temos uma Ordem que nos defende, que nos regulamenta, que nos orienta, e também, que nos exige eficiência. Trabalhar em mentes alheias, é de uma responsabilidade imensurável, que os erros cometidos, podem ter efeitos nefastos, tal e qual um qualquer outro erro, cometido por um qualquer outro profissional de saúde. Só não se vê tanto, também aqui.

A existência e a evolução de uma Ordem, que possa proteger, mas também requerer, a quem com gente trabalha, parece-me pois uma mais valia, que só pecou por tardia. Em Abril de 2012, lá estarei.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Princípios

Admiro-lhe os traços do rosto. Apresenta-se bem, normalmente de boina, a condizer com o casaco de fato, sobre uma calça de fazenda e uma bolsa de mão. A altura entra em seu benefício, que digam lá o que disserem, mas gente grande tem uma maior probabilidade em se apresentar com consistência. Que não confundam minhas palavras quem me lê, que com isto não quero dizer, que só dos altos reza a história. Nem tampouco que todos os altos são grandes. Ou ainda, e apenas para terminar o raciocínio, que os pequenos em altura, não poderão ser grandes em estrutura. Tudo isso pode, obviamente acontecer, e acontece, em grande número por aí. Mas do que falo, é de que a haver concordância, a imponência de alguém grande, e grande, num corpo só, deixam uma impressão considerável, que se guarda para além da vista, e que se lembra amiúde, com admiração. Nem lhe assiste um respeito forçado a medo, subjugado a qualquer tipo de prepotência, que poderia ter desenvolvido pela capacidade de persuasão, muitas das vezes responsável pelas continências que por ai vemos. O respeito da envolta chega-lhe pela admiração. Todos os dias, bem cedo, é o primeiro a chegar ao local de trabalho, sede familiar à tempos consideráveis. Não se senta apenas e só, realizando as rondas necessárias para o controlo do funcionamento da produção, por forma a possibilitar um desenrolar sustentado. O telemóvel, artefacto ao qual aderiu por força das necessidades, é de imediato poisado na secretária do escritório, sendo utilizado somente, aquando da sua permanência ali sentado, que enquanto dá voltas ao edifício, e orienta a multidão que lhe trás préstimos, o mesmo não tem ordem para entrar, tal e qual como não entra, em qualquer outro compartimento da empresa. Por uma questão de principio, afirma-me, ao que eu aceno, em sinal de concordância. Toda a ladainha, para desembocar nos princípios, que agora, e de já tanto ter escrito, nem me apetece escrutinar. Mas digo-vos ainda, e para que não me julguem estouvada, que em tanto, mas tanto, lhes sinto a falta. Ainda que me tomem por obsoleta, aqui me confesso. As questões dos princípio, fazem parte de mim. E ouso ainda considerar, serem uma das principais crises que atravessamos actualmente, que deixam a era Socrática, num lugar abaixo do pódio. É que a dimensão da sua ausência, não é financeira, mas estrutural. E o estado de vulnerabilidade em que nos deixa, é muito mais considerável. E preocupante.

Só num aparte, que poderá suscitar curiosidade. Uso telemóvel no emprego. Os princípios, não têm necessariamente, de ser todos iguais.

Esperas

Chegou ontem e não abre a boca. Perdeu o amor da sua vida, e queria tê-lo seguido, mas não lhe foi permitido tal caminho. Pudesse ela ter escolhido, e por certo já não estaria cá neste mundo, mas sim perdida na imensidão das almas, exactamente ao lado de quem a termina, que somos almas assim, carentes de complemento, encaixe, acomodação e prolongamento. Por vezes, detecto dúvidas nos olhos que me miram intrigados, quando refiro que se morre de amor. Morre-se. Não que isso trate qualquer tipo de doença má, capaz de ser diagnosticada, avaliada, medicada. Mas trata um estado de alma profundo, alma essa que se vai definhando nos dias, nas horas, nos minutos de carência. Não se morre de amor em novo, ou pelo menos, só de amor, que o futuro é grande e abrangente. Mas morre-se de amor em velho, quando os dias já se viveram, a vida já se trilhou, os caminhos já se fizeram. A dois. De repente, e na ausência de um outro que sempre lá esteve, fica-se sem caminhos, e desfalece-se. Não um desfalecer repentino, mas um desfalecer pequeno e mirrado, que cresce a cada dia um bocadinho, e que a pouco e pouco, abraça com a imensidão do eterno, um corpo que já não sabe estar só. Podem nem ver-se doenças sérias, carências graves, mas percebe-se a solidão, mesmo que haja gente. Tão a olho nu, que chega a doer à envolta. Convém ainda deter, que esta morte lenta, nem por isso é consciente. As percepções sentidas encaixam na tristeza, na desilusão, na entrega, de uma forma calma e tranquila, sem grandes aflições. Chego a julgar, que sabem de fonte divina, que alguém os espera.

terça-feira, 7 de junho de 2011

Voltei ao preto

Não por opção, mas por alguma outra coisa que me recuso a baptizar. Só para que não desfaleçam em curiosidade, deixo duas palavras. O Explorer anda marado, mas gosta de azul. O Chrome tem juizinho, mas é mais do preto. Ok, demos-lhe então nome. Sou um zero em informática. Mas estou certa de que um dia isto passa.

Restos, não são uma alimentação adequada para o seu animal. Mas podem bem sê-lo para a sua mãe...

Acabadinho de servir, de uma carninha estufada, que a mim, vá lá saber-se porquê, não me apetecia muito...
Eu - Hum, não sei o que hei-de ir comer
Ele - Já sei mãe. Comes os meus restos!!!

E assim, descemos abaixo de cão...

Abusos

Parece-me verdadeiramente abusiva e de mau gosto, a comparação realizada por Ana Gomes, equiparando Paulo Portas a Dominique Strauss-Khan, no Diário Económico de hoje. É por estas e outras, que a política, muitas das vezes, me irrita.

Compostos de vida

Todos os dias o vejo. Sentado na mesma esquina, com um cajado moldado a jeito, daqueles que nascem das mãos, e não dos que se compram por aí, em qualquer estabelecimentos comercial ou farmacêutico. O filho já insistiu numa a sério. Das debruadas a dourado, talhadas e envernizadas a preceito, ornamentadas de metal luzidio, algumas até, com um compartimento onde se podem armazenar comprimidos, moedas, ou outras precisões. Não quer nada disso. Aquela está feita a ele e ele a ela. Ao contrário das gentes de hoje, sabe perfeitamente que quando alguma coisa lhe está feita à medida, não carece de substituição, facto por si só bastante, para gastos excessivos, em dinheiro e adaptações. Mesmo ao seu lado, encontra-se um vaso de metal, pendurado num gancho revirado, carregadinho de sardinheiras em rosa. Gosto de sardinheiras, que neste caso especial, entram numa combinação a roçar a excelência, que são fortes e consistentes, tal e qual o velho e as suas convicções. O cão, magro e zarolho, repousa-lhe na beira dos pés. Desse, conta histórias sem fim, que se existe definição que lhe fique a propósito, é aquela que é dada por toda a gente a este animal, na sua generalidade, e que consta a fidelidade, que ele lhe guarda na perfeição. Chegou a ser testado, de fronte a gente sabida, com vontade de questionar a afeição do cão a seu dono, com nacos de carne ou outros chamarizes. Mas fosse o que fosse que surgisse das mãos de quem o atentava, nada foi suficiente para que o bicho virasse e largasse o dono, já velho e extenuado, mas ainda assim, seu. Têm-lhe também ele uma estima sem fim, e profere até, em voz alta e assente, que o primeiro a ir virá o outro buscar, que a pertença que os une vai além disto cá, por demais frágil para tal sustentação. Não sei quem primeiro vai, quem por cá fica, ou quem irá logo a seguir. Sei que aquele velho pertence aquele encosto, com o cão, a bengala retorcida, as sardinheiras. Todos lá farão falta.

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Vizinhanças

Faz-me alguma espécie o excesso de seriedade. E com isto não refiro a honestidade, que essa, nunca é excessiva, mesmo quando nos acompanha em vida desde cedo e até ao fim, e nos deixa moldados a ela, e dispares de grande parte do mundo. Cá nos havemos de arranjar, correndo o real risco de nunca sermos grandes, daquela grandeza que se vê a olho nu, mais das vezes, a única considerada precisa. Refiro-me a outra seriedade, como a da Dona Ana da Igreja, que caminha direita que nem um fuso, olha de lado os namorados que se passeiam de mão dada, e deita um olho de esguelha, quando na escada, vê as minhas unhas dos pés pintadas de azul. Encontra-se muitas das vezes à porta do prédio, de semblante carregado, enquanto espera os moços estudantes que lhe moram na casa em frente, e que riem e falam como se ela lá nem estivesse. Engraçado isto de gente que quase não é vista, ver tanto. Parece-me quase inversamente proporcional, pelo menos, em alguns casos. Ela vê que se farta e enche-se dessas visões, que depois destila em casa, devagarinho, enquanto enrola o carrapito rijo e sem graça na nuca, sempre, sem esboçar um sorriso. O marido, entretêm-se a dar de comer à passarada da envolta, e aos cães abandonados que ladram noites a fio. Passa horas naquilo, e julgo que sei porquê, mas não digo. Quando sobem os dois, ela, sobe invariavelmente atrás, sendo ele que lhe abre a porta, lhe tira a chave, lhe cede a passagem, e depois fecha tudo. Não vejo, mas imagino que logo após, se liberta da mala na mesinha da entrada, calça a chinela de casa na dispensa dos sapatos, e trata da lida, mecânicamente, enquanto lá dento de si, magica a vida dos arredores. Nunca me lembro de a ver sorrir, falar desprendidamente, ou libertar qualquer tipo de emoção. No seu intimo, restam-lhe duas opções. Ou a exalação desmedida, onde ninguém a vê, ou uma contenção impossível, que me parece a mais evidente. E digo impossível, porque sem ela querer, lhe escapa do corpo devagarinho, e se insurge no desdém que dá, carregadinho de sentidos recalcados. Um dia, e em caso de soltura, o melhor será fugirmos todos a eito.

Pequenas considerações...

A abstenção nas eleições assumiu um número preocupante. A real percepção do que poderá significar, será um trabalho a ter pela classe política, que deverá debruçar-se seriamente sobre o assunto. A mim, surgem-me algumas questões. A incredulidade, que me parece ser a mais inofensiva. A ausência de consciência social, que confesso, me preocupa muito mais. Será que cerca de quarenta por cento da população, anda aqui a ver andar isto, sem a noção de que faz parte? Retirando, obviamente, quem já não vota por razões de alguma incapacidade, que significará uma parte, restam ainda números significativos. Números esses que depois engrossam greves, protestos, solicitações e reclamações. A ausência de consciência social, é um assunto sério, que deveria ser urgentemente tratado.

domingo, 5 de junho de 2011

Mudanças

O País mudou de cor. Oxalá, mude de rumo também.

Cartas de amor II

Não percebia coisas sem fim. O amor de distância, eu, que nem lembrava a cara dele, de tanto tempo que estava longe. Como se lembraria ela? Que raio de coisa seria aquela, que levava as pessoas a gostar de quem está longe, vem de seis em seis meses, e depois parte outra vez? Eu conhecia sentimentos diferentes, só aos que me acompanhavam de perto, e aos outros, aos que conhecia para depois deixar de ver, guardava um sentido de lembrança vago, ou então, um esquecimento natural, um sumiço no tempo, como me acontecia com os amigos da praia da Nazaré, os colegas de escola que mudavam, ou os primos que vinham no verão. Aquilo não era assim, aquilo era forte. Em tempos, tinha apanhado uma caixa verde lá em casa, emaranhada em discos dos Pink Floyd e dos Queen. Lá dentro, estavam dezenas de fotografias do meu pai, a preto e branco, no meio do mar, em aviões de guerra, nas matas verdes de Moçambique. Maputo, mais precisamente. Misturadas, muitas da minha mãe, de cabelo curto e calças à boca de sino, ou então, saias de pregas curtas, moda dos sixties. Um must. Por detrás de todas ou quase, ditos de amor. Descobri nos entretantos que as trocaram meses a fio, quase um ano, para ser mais precisa. Um ano que demorou a passar, mais do que qualquer outro ano, embora, exactamente igual. À dor da distância, juntou-se o medo da guerra. Um medo que doía para além do suportável, um medo que se entranhava no corpo e deixava mossa, uma mossa que acalcava o peito a cada hora, não fosse surgir uma notícia má. Não surgiu, e são ambas histórias felizes. Os amores de outrora tinham quês estranhos que nem me apraz enumerar. Mas tinham também cartas de amor. E as cartas de amor têm um valor inquestionável. Quanto a distâncias, falemos depois.

Cartas de amor

A casa era de telha vã, com umas vigas grossas de madeira que se podiam contar à noitinha, quando o sono teimava em vir. A cama, era de uma madeira carunchosa, crivadinha de pequenos bichinhos que a roíam aos poucos. Haviam noites, em que a comezaina era tal, que eu esperava, em ânsia, que a pobre desse de si, e nos deixasse às duas estateladas no chão, por cima de um mar de bichos esfomeados, pequenos e com muitas patinhas. Piorava consideravelmente quando ela escrevia ao meu tio, umas cartas de amor longas e saudosas, acompanhadas de uns fungares sonoros, emitidos de dentro de um coração pequenino, que a distância encolhia, a cada dia, mais um pedaço. Ou então seria igual, mas era eu que sentia muito, dada as longas horas acordada, sob a luz do candeeiro de cabeceira, que nunca mais apagava. Os envelopes onde se metiam as palavras de amor, tinham umas riscas azuis e vermelhas, e diziam avião. Seguiam invariavelmente pelo correio, no dia seguinte, imediatamente do café abaixo, onde a motoreta passava, todos os dias sem excepção, a deixar e a levar o que fosse preciso. Nos dias seguintes, havia descanso, que ela sabia a demora, da ida e da volta. Volvidos uma dúzia, mais coisa menos coisa, a inquietação invadia-lhe o espírito e o corpo, e o sossego era levado para longe, para um sítio distante e de acesso vedado, conseguido apenas naquele dia, em que o carteiro trazia no saco uma carta, já enrugada pela distância, carregada de ditos doces, saudades embrulhadas e sentimentos escritos. Nesse dia, a minha tia chorava. E estava feliz, dizia-me, a mim, que nem percebia, e que só via lágrimas a escorrer-lhe dos olhos. Aquilo, eram cartas de amor.

sábado, 4 de junho de 2011

Hoje

Este blog está em período de reflexão.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

IRS

Acabei de receber o meu IRS (Quem sabe, o último, por razões que todos conhecemos). Se não fosse mês de seguros, saberia exactamente o que fazer-lhe, e por certo gostaria muito. Assim, também sei, mas não gosto.

Manifesto

Hoje, dia 3, continuo a encontrar gente, que afirma não ir às urnas. Percebo a revolta, a incredulidade, entre outras que possam surgir. A ausência de manifesto, encaixa-me em terrenos sombrios. Independentemente do que fosse o manifesto.

Da lamúria eterna

Casou-se cedo, que assim calhou. O marido, encomendado por ordem paterna, era bem mais velho na altura, e agora, volvidos uns trinta, ainda é mais, coisa que pode parecer estouvada, mas que o não é, podem nisso crer. Ela tem cinquenta, ela tem setenta e muitos, e uma cara enrugada pelo tempo e pelo feitio, que é dono de um desamor permanente por si, coisa que se traduz no desamor aos outros. A maioria das vezes, é assim que tratam os desamores, que ao invés de se concentrarem na essência, transbordam para a envolta, para os pobres que nada fizeram para o merecer, para além de terem escolhido para companhia semelhante pessoa. Nem foi o caso, que o escolheram por si, numa qualquer hora amaldiçoada pelo diabo, que sempre a quis bem. Chega a casa, todos os dias à tardinha, na hora marcada, que os atrasos são vistos com olhos de revés, que mulher séria não pára em caminhos, a não ser para um qualquer avio necessário ao bem estar da família, pelo qual deve zelar a todo o custo. No sofá de pano florido, encontra o velho, barbudo e rezingão, que lhe faz uma aguarda amarga, a cheirar a vinho e pele ressequida. Essa espera, é vista com um misto de azedume e acomodação, coisa que me confunde as entranhas, e que descubro, se não a cada passo, a cada dois. Pertence-lhe. Cresceu assim e ali se encosta, que nem encontra outro caminho. Mais não consegue do que chorar a desgraça para si guardada, da qual não foge, e da qual se fugisse, ficaria perdida. Dai em diante, não mais teria do que se lamuriar.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Agora, não quero...

Agora sou grande, e tenho dias em que ando um bocado farta. Já não posso tanta coisa. Ainda recordo, da pressa de crescer, como se o ser grande fosse um local bom para se estar, e o ser pequeno, uma passagem, que deveria correr depressa, para se poder isto e aquilo. Podemos umas, perdemos outras. Já não faço bonecas de papoila. Já não ando de bicicleta, já não esfolo os joelhos. Já não me lembro muito bem de como se ordenha uma vaca, de como cheira o pão no forno, de como se amassam as broas que fazia a minha avó. Já não sinto o cheiro da oliveira onde andava de baloiço, já não brinco debaixo das mesas, pode tornar-se feio. Já não faço corridas, nem choro se não ganhar, ou melhor, não choro nunca, caso ainda não tenham percebido. E se o fizer, num nunca perdido em nenhures, faço-o escondidinha, que é mais ou menos o mesmo que não fazer. Já não sinto o cheiro das fontes nem dos rios que corriam na horta, onde apanhava agrião verde viçoso. Já não apanho formigas nem derreto massas em água. Já não brinco com bonecas nem com carrinhos de linhas vazios. Já não subo as escadas duas a duas, mas às vezes tento. Não devia, fico desiludida. Já não leio livros da Anita a julgar que a vida é assim, mas sou capaz de ler um se o apanhar. Ou dos cinco, ou dos sete, ou da Susana apaixonada. Já não como carreirinhas de pinhão nas festas. Já não gosto muito de cor de rosa. Já não durmo com a luz acesa, nem acordo de madrugada para ir brincar. Nem perco o sono se for passear. Já não calço sapatos rasos [ :)]. Já não faço castelos de areia, e dos outros, se os fizer, estou tramada, por isso, faço pouco. Já não jogo à macaca e ao elástico, mas tenho para mim que ainda conseguia. Já não ando de mão dada com a minha mãe. Já não ando despenteada e tenho saudades. E descalça, e a correr ao vento. Já não acredito no Pai Natal, e nas fadas. Já não ando dentro de um carro de mão, nem me puxam em cima de uma toalha de praia. Já não me levam às cavalitas, e desta tenho mesmo muita pena. Já não me inventam coisas que douram o mundo, nem me escondem desgraças. Já não me afagam o cabelo, ou fazem-no pouco. Já não me fazem festas quando me magoo, e eu, também já não quero. Já não posso comer chocolate como se não houvesse amanhã, nem salame, nem gelados ou gomas doces. Já não acordo leve e adormeço igual. E podia ter dito isto ontem, mas foi hoje. E também podia dizer o que posso fazer porque sou grande, mas agora não quero.

Papoila

Gostava de todas. Especialmente das papoilas. Puxava-lhe umas folhas, atafulhava outras entre elas, e nascia algo que se dizia ser uma boneca, com os cabelos situados no topo, feitos pelos rebentos pretinhos. Gostava ainda das fechadas, que se abriam nos meus dedos tal e qual bolinho da sorte, que umas das vezes eram rosas, outras já vermelhinhas, outras ainda, quase brancas. A elas juntava malmequeres amarelos, espigas e outras, que completassem um ramo que se queria colorido, e que murchava na tarde, ainda antes do cair do noite. Era giro, e eu, era pequena.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Alguém lembra?



Do baú das memórias de criança...

Fui ao jardim da Celeste


Fui ao jardim da Celeste,


giroflé, giroflá,


fui ao jardim da Celeste,


giroflé, flé, flá.




O que foste lá fazer?


giroflé, giroflá,


O que foste lá fazer?


giroflé, flé, flá.




Fui lá buscar uma rosa,


giroflé, giroflá,


Fui lá buscar uma rosa,


giroflé, flé, flá.




Para quem é essa rosa,


giroflé, giroflá,


Para quem é essa rosa,


giroflé, flé, flá.




É para a menina (Ana),


giroflé, giroflá,


É para a menina (Ana),


giroflé, flé, flá.


Crianças

Passamos por lá uns anos, haverão coisas, que deveríamos guardar para sempre. Moldam-se, toldam-se, circunscrevem-se, como se no mundo, a particularidade fosse um alvo que se abate cedo, não vá fazer-se demasiado tarde, e as brincadeiras se prolonguem além desejo. E o desejo é que aos meses se palre, ao ano se caminhe, aos dois se exerça controlo no corpo, aos três se entre na sociedade alargada, aos seis na escola, e por aí adiante, tudo feito de forma limpa e clara. Entre chupas, doces e brincadeiras, percebe-se um mundo envolvente que, muitas das vezes, escapa a estes confortos para entrar em caminhos distantes, daqueles que nem os adultos merecem. Ele pega no estetoscópio e ouve-se. Escutas-me?, pergunta-me. Escuto, claro que sim. Olha-me sério. Então vamos arrumar, que não quero muito escutar-me. Porque existem diversos mundos infantis, e muitos deles, atingem um sítio cedo demais. Não deveriam. Sítios, para além de confortos e portos seguros, são locais que não deveriam existir na cabeça das nossas crianças, que devem vaguear em fantasias, para crescerem sem medo, num intercâmbio desejável e urgente. Não lhes cabe determinados desígnios, que lhes impingem levianamente, quase julgando, que em suas cabeças poderão nascer organizações que faltam na envolta, como se neles, existisse o papel invertido da esperança. Diz-se serem eles, mas deveríamos sempre, ser nós a dar-lha. Hoje eram muitos aos saltos, incluindo o meu. Nem sei o que ia naquelas cabecinhas coloridas, despenteadas, minadas de sonhos, nuns corpos pequenos que vestiam t-shirts pintadas com rabiscos felizes. Gostaria que fosse, acima de tudo, isso, sonhos. Há quem diga, e bem, que comandam a vida. A minha, com certeza, ai de mim que assim não fosse. A dele, tenho por certo, e luto todos os dias para que assim seja, sempre. A de todos, desejo-o. Com muita força. E que na essência, não se crescesse nunca, se não em tudo, ao menos em muito.

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