segunda-feira, 27 de junho de 2011

Libertações

Subia e descia todos os dias igual. Nem apresentava qualquer outro modo, fosse ele tristeza, fraqueza ou alegria. A indiferença povoava-lhe o espírito e roubou-a de vez, que foi o único remédio encontrado lá dentro de si, para fazer face à tormenta que lhe aguardava os dias. Tivesse a vida sido mais branda, e poder-se-ia dar ao luxo de outras emoções, mas assim, resta-lhe esta, resguardada no hábito do sempre igual, do deixa andar, do antes assim que pior. Ninguém a via, ou percebia o estado, a não ser aquela senhora que a cumprimentava baixinho e lhe entregava um sorriso cúmplice, sem qualquer tipo de exigência, pode dizê-lo, que ela, nunca sorria, mas a senhora, fazia-o sempre. A escada era um local privilegiado do qual gostava, encontrava-se ladeado a flores cor de rosa, regadas a preceito por si, todas as semanas de Inverno, um dia entre outro, no Verão. Enquanto as regava, conseguia falar-lhes, a elas que a ouviam, mais do que toda a gente. Podia garantir que a entendiam, por estranho que isso vos possa parecer, que só assim se pode justificar, a leveza da alma que lhe restava no fim, coisa apenas conseguida, porque as angústias lhe tinham sido levadas, passadas de mão por assim dizer. Faz parte dos nossos crescimentos estas trasladações, estas transferências de um corpo para um outro que nos abeire o caminho, e que por frágil que pareça, se torna contento o suficiente, para nos tratar as apoquentações. Logo após o tratamento, poderemos até tornar-nos capazes de nova recepção, num carácter muito mais levezinho, do que tanto mal nos trouxe. Não raras vezes, e logo após essa alheia digestão, quase que julgamos a desgraça muito menor, muito mais capaz de se tornar ultrapassável, um resquício de nada, que nos atormentou o espírito inexoravelmente, como se nós nem nos encontrássemos sempre com a mesma capacidade. Tenho para mim que é mesmo assim. Que a nossa força mental se encontra susceptível de variância, indexada a um conjunto de factores externos a nós, como por exemplo, o colo, que neste caso vinha em forma de flor, como noutros vem em forma de gato, de cão, ou até, de cigarro ou de chocolate.

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