sexta-feira, 3 de junho de 2011

Da lamúria eterna

Casou-se cedo, que assim calhou. O marido, encomendado por ordem paterna, era bem mais velho na altura, e agora, volvidos uns trinta, ainda é mais, coisa que pode parecer estouvada, mas que o não é, podem nisso crer. Ela tem cinquenta, ela tem setenta e muitos, e uma cara enrugada pelo tempo e pelo feitio, que é dono de um desamor permanente por si, coisa que se traduz no desamor aos outros. A maioria das vezes, é assim que tratam os desamores, que ao invés de se concentrarem na essência, transbordam para a envolta, para os pobres que nada fizeram para o merecer, para além de terem escolhido para companhia semelhante pessoa. Nem foi o caso, que o escolheram por si, numa qualquer hora amaldiçoada pelo diabo, que sempre a quis bem. Chega a casa, todos os dias à tardinha, na hora marcada, que os atrasos são vistos com olhos de revés, que mulher séria não pára em caminhos, a não ser para um qualquer avio necessário ao bem estar da família, pelo qual deve zelar a todo o custo. No sofá de pano florido, encontra o velho, barbudo e rezingão, que lhe faz uma aguarda amarga, a cheirar a vinho e pele ressequida. Essa espera, é vista com um misto de azedume e acomodação, coisa que me confunde as entranhas, e que descubro, se não a cada passo, a cada dois. Pertence-lhe. Cresceu assim e ali se encosta, que nem encontra outro caminho. Mais não consegue do que chorar a desgraça para si guardada, da qual não foge, e da qual se fugisse, ficaria perdida. Dai em diante, não mais teria do que se lamuriar.

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