domingo, 5 de junho de 2011

Cartas de amor II

Não percebia coisas sem fim. O amor de distância, eu, que nem lembrava a cara dele, de tanto tempo que estava longe. Como se lembraria ela? Que raio de coisa seria aquela, que levava as pessoas a gostar de quem está longe, vem de seis em seis meses, e depois parte outra vez? Eu conhecia sentimentos diferentes, só aos que me acompanhavam de perto, e aos outros, aos que conhecia para depois deixar de ver, guardava um sentido de lembrança vago, ou então, um esquecimento natural, um sumiço no tempo, como me acontecia com os amigos da praia da Nazaré, os colegas de escola que mudavam, ou os primos que vinham no verão. Aquilo não era assim, aquilo era forte. Em tempos, tinha apanhado uma caixa verde lá em casa, emaranhada em discos dos Pink Floyd e dos Queen. Lá dentro, estavam dezenas de fotografias do meu pai, a preto e branco, no meio do mar, em aviões de guerra, nas matas verdes de Moçambique. Maputo, mais precisamente. Misturadas, muitas da minha mãe, de cabelo curto e calças à boca de sino, ou então, saias de pregas curtas, moda dos sixties. Um must. Por detrás de todas ou quase, ditos de amor. Descobri nos entretantos que as trocaram meses a fio, quase um ano, para ser mais precisa. Um ano que demorou a passar, mais do que qualquer outro ano, embora, exactamente igual. À dor da distância, juntou-se o medo da guerra. Um medo que doía para além do suportável, um medo que se entranhava no corpo e deixava mossa, uma mossa que acalcava o peito a cada hora, não fosse surgir uma notícia má. Não surgiu, e são ambas histórias felizes. Os amores de outrora tinham quês estranhos que nem me apraz enumerar. Mas tinham também cartas de amor. E as cartas de amor têm um valor inquestionável. Quanto a distâncias, falemos depois.

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